domingo, 23 de novembro de 2008
Estrangeiro - Caetano Veloso (1989)
Caetano Veloso é tido como dos maiores gênios da MPB. Isso se dá, em larga medida, pelo que produziu entre Transa (1972) e Estrangeiro (1989). Durante esses quase vinte anos, o compositor baiano apresentou ao público uma música de altíssima qualidade. Curiosamente, as duas "pontas" desse ciclo trazem o melhor do melhor. Se "Transa" é maravilhoso em sua simplicidade e tristeza no exílio londrino, "Estrangeiro" é sofisticado, colorido e aponta para o futuro da música brasileira, mesclando tecnologia e influências diversas. É desse último disco que falo agora.
Produzido por Peter Sherer e Arto Lindsay (esse último trabalharia, anos depois, com Marisa Monte e também com David Byrne), "Estrangeiro" começa chamando a atenção pela capa - a reprodução de uma pintura de Hélio Eichbauer para o cenário da peça de Oswald de Andrade "O rei da vela" em montagem do Teatro Oficina, no ano de 1967. Ecos do tropicalismo, referência constante na obra de Caetano.
A faixa de abertura é "O Estrangeiro", o grande momento do disco. Com a participação dos produtores Sherer e Lindsay e também com Naná Vasconcelos na percussão e voz, a música é fenomenal. Um piano acompanhado de bateria eletrônica e algumas distorções de fundo seguem Caetano, que recita os primeiros versos.
"O pintor Paul Gauguin amou a luz na Baía de Guanabara/
O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela/
A Baía de Guanabara/
O antropólogo Claude Levy-strauss detestou a Baía de Guanabara:/
Pareceu-lhe uma boca banguela/
E eu menos a conhecera mais a amara?/
Sou cego de tanto vê-la, te tanto tê-la estrela/
O que é uma coisa bela?
O amor é cego/
Ray Charles é cego/
Stevie Wonder é cego/
E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem..."
E por aí segue, em sua letra quilométrica e recheada de citações. Mais de seis minutos de uma bela produção, que conta ainda com um interessante solo de guitarra. Sem dúvida, um dos maiores momentos da MPB em todos os tempos, apesar da discordância de alguns.
Na sequência, aparecem "Rai das cores", "Branquinha" e "Os outros românticos", três momentos fortes e extremamente bem conduzidos. Fica claro o peso da mão de Lindsay, que influenciava muito o compositor baiano à época das gravações. O disco traz ainda uma parceria em inglês do trio Caetano-Sherer-Lindsay, "Jasper", e as medianas (quando comparadas com as demais) "Este amor", "Outro retrato" e "Etc.". Assim como em outros trabalhos, Caetano dedica muitas dessas canções a antigos e eternos amores e amigos (a ex-Dedé Veloso, Paulinha Lavigne e Jorge Mautner).
A última canção é a mais alegre e colorida da obra. "Meia-lua inteira", do até então desconhecido Carlinhos Brown ("Carlinhos por parte de mãe, Brown do mundo", diz o genro de Chico Buarque), foi o grande hit do disco e chegou a fazer parte da trilha sonora de uma novela global. Com o próprio Brown na percussão e uma levada de guitarra deliciosa, fecha "Estrangeiro" em elevadíssimo astral.
'Meia Lua Inteira/
Sopapo na cara do fraco/
Estrangeiro gozador/
Cocar de coqueiro baixo/
Quando engano se enganou.../
São dim, dão, dão São Bento/
Grande homem de movimento/
Martelo do tribunal/
Sumiu na mata adentro/
Foi pego sem documento/
No terreiro regional.../
Uera rá rá rá/
Uera rá rá rá/
Terça-Feira Capoeira rá rá rá/
Tô no pé de onde der rá rá rá rá/
Verdadeiro rá rá rá/
Derradeiro rá rá rá/
Não me impede de cantar rá rá rá rá/
Tô no pé de onde der rá rá rá rá.../
Bimba birimba a mim que diga/
Taco de arame, cabaça, barriga/
São dim, dão, dão São Bento/
Grande homem de movimento/
Nunca foi um marginal/
Sumiu na praça a tempo/
Caminhando contra o vento/
Sobre a prata capital..."
Encerra-se assim a fase "genial" de Caetano Veloso. Depois disso, ele fez grandes turnês (sozinho e com Gilberto Gil), gravou em espanhol e em inglês, participou de trilhas sonoras de filmes nacionais e até flertou com o rock ("Cê", seu último disco, já resenhado por aqui). Nada, porém, que chegasse aos pés de sua produção setentista e oitentista. Em alguns momentos, chega a ser constrangedor.
"Estrangeiro", de todo modo, redime o baiano dessas críticas. Um disco para ser escutado e escutado e escutado, sempre. Brilhante.
(André Xampu)
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A música Estrangeiro será brilhante, assim que Caetano terminar a letra. Fico feliz que vc a tenha transcrito, pra que todos vejam que não é birra minha.
ResponderExcluirOutra coisa, a fase "genial" dele durou 20 anos, entre 68 e 88. Ah, esse disco é de 89? Que pena...
Abs, LM
Concordo mais com o Xampu que com o Baiano, neste caso... [MATEUS]
ResponderExcluirOi pessoal, cheguei até aqui porque acabei de comprar em CD o "estrangeiro" e ao ouvi-lo confabulei algumas coisas e fui atrás de alguma crítica sobre esta Obra. Gostei muito da crítica e as idéias batem exatamente com o que eu estava pensando.
ResponderExcluirInfelizmente, ou felizmente para alguns, essa foi a última Obra de Caetano e talvez tenha encerrado um ciclo da MPB, do qual Caetano encabeçou (modernismo - tropicalismo - antropofagia). E como o Xampu disse muito bem essa Obra de certa forma "... aponta para o futuro da musica brasileira". Interessante nisso é que o vínil foi lançada num ano chave na história do Brasil (1989) - ano da primeira eleição à presidência, depois disso muita coisa aconteceu, vieram presidentes, CDs, internet, blogs, etc.
E nessa onda muita coisa mudou, inclusive Caetano, ou não...
Abraços
Lucas Kaminski
Putz! 3x1...
ResponderExcluirSe rolar 4x1 prometo escutar o disco de novo pra fazer uma reavaliação.
Abs, LM
Só um detalhe, a última música do disco não é Meia-lua inteira, é Genipapo Absoluto. No mais bom texto, faltou um pouco de análise, mas tá bom.
ResponderExcluirMarlon - www.iosbilario.com
Faltou comentar sobre a maravilhosa e poética Genipapo Absoluto e sobre Este Amor, que é espetacular e acho que não foi devidamente compreendida pelo André, atenção nela, meu jovem. E Caetano continua sendo o grande poeta tropicalista e renovador que sempre foi, vide os discos posteriores: Circuladô ( excelente), Noites do Norte ( muito bom), Cê ( excelente) e Zii e Zie ( ótimo) , além de Tropicália 2 ( com Gil), Eu não Peço Desculpa( com Mautner) e as homenagens às músicas latina e americana. Caetano Veloso rules...
ResponderExcluirO disco do cara de 68 é um dos melhores,sem dúvida.Quanto a música "Estrangeiro",devia ter sido lançada em folha de papél,como música eu acho sem graça.
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