domingo, 30 de novembro de 2008

Dez de Dezembro - Cássia Eller (2002)


Essa estória de resenhar músicas tem sido muito legal... Esse movimento da escolha, no meu caso, passa sempre por um namoro prévio. Eu fico lá, ouvindo o cd, curtindo, ouvindo de novo e tal. E é sempre uma re-descoberta!
Eu tava ensaiando para escrever algo sobre a Cássia Eller - ela foi a primeira cantora por quem me apaixonei de verdade, dessas paixões de quando a gente quer ter todos os discos, quando a gente fica meio viciado.
E foi uma surpresa pra mim quando me peguei escolhendo o “DEZ DE DEZEMBRO”... Esse disco tem uma vibe diferente e acho que foi aí que fui capturada.
É um disco que faz sentir a presença forte de alguém que não tá mais aqui. Nando Reis escolheu e alinhavou as canções como ninguém. Só mesmo uma amizade de uma natureza tão especial transforma um conjunto de músicas numa coisa tão viva.
“Dez de Dezembro” é delicado, suave e marcante como uma prova de amor deve ser. É uma carta de amor que me toca e me faz chegar à cabeça as melhores sonoridades, as melhores palavras já amarradas. Esse cd é fruto de vários encontros e mais, “Dez de Dezembro” é uma homenagem de Nando à Cássia, mas também de Cássia a tudo e a todos. Aqui ela está escancarada e eu fico super feliz ao escrever sobre essa trama de homenagens da qual me sinto parte, afinal todas essas músicas passaram a fazer sentido para mim também.

Os Beatles abrem o cd e Cássia entra em cena com “Get Back”. Eu quase não conheço os Beatles mas devo dizer que essa música fica perfeita na voz da Cássia! Ela está confortável, como se esse mundo corresse em seu sangue. Ela escolhe um Beatles que é a cara dela. E no fundo, se você prestar bem atenção, Zélia Duncan, sempre discreta, canta junto. A percussão e o violão são um arraso. A música sobe e desce, abre e fecha. Cássia dá movimento a “Get Back”.
Sobre “Julia” ... Bem, para essa não é necessário gastar dedos e palavras:
“Julia, Julia, oceanchild, calls me
So I sing a song of love, Julia
Seashell eyes, windy smile, calls me.”
O que dizer depois disso?

“No Recreio” é uma explosão. É a melhor declaração de amor que alguém pode receber... E a palavra recreio é a ideal... Recreio é o momento onde as coisas são uma delícia! Nando inventa um recreio para a vida adulta. Não é o máximo? O som entra potente, e todos os instrumentos vão conversando: entra a guitarra sozinha, chega o baixo, o violão, a percussão, e o som explode com força e desespero, mas a voz de Cássia transforma essa potência em algo doce, em algo visual. “Quando é que você vai sacar?/ Que o vão que fazem suas mãos/ É porque você não está comigo?”. É o encontro simples e perfeito.
“No Recreio” é a ansiedade vislumbrando o amor possível. É uma música-filme, onde a trilha sonora dos instrumentos te deixa aflito, com os nervos à flor da pele, mas a fala, a voz, as frases são o que te dão a solução: “Só é possivel te amar/ Escorre aos litros, o amor”.

“All Star” é dedicado à Cássia. Não vale, né? Esse cd é o maior disco de amor… Aqui Cássia canta lindamente uma homenagem à amizade. “Não vejo a hora de te encontrar/ E continuar aquela conversa/ Que não terminamos ontem, ficou pra hoje”.
Cássia (e seu violão) vai te conquistando timidamente e você vai se entregando timidamente, como nas melhores amizades.
Quando eu assisto aos DVDs da Cássia e vejo os dois, ela e o Nando, naquela amizade onde o beijo na boca era possível, e agora, embalada por essa música, com essa voz se espalhando por toda a minha casa... Poxa, esse disco não podia mesmo ser outra coisa senão essa vontade de ouvir, ouvir e ouvir.

Dura e quebrada, “Eu sou Neguinha” roda sabendo o que quer. Cássia é certeira, canta Caetano com uma intimidade de tirar o fôlego. É isso, Cássia como ninguém, fica íntima das músicas e as traduz, deixando-as únicas. E com uma naturalidade impecável, ela faz o ontem conversar com o hoje: temos aqui a presença do X.
“Que as coisas conversam coisas supreendentes/ Fatalmente erram, acham solução/ E que, o mesmo signo que eu tento ler e ser/ É apenas o possível ou impossível em mim/ em mim em mil em mim em mil”.
“Eu sou Neguinha” me lembra uma marcha, algo que se deve seguir, não necessariamante por sua vontade, mas pela força em si – todos seguem a marcha, algo coletivo – “Mas aquilo ia e eu ia e eu ia eu ia eu ia”. Cássia arrasa porque põe aspereza na música. Como num prisma, ela absorve todas as emoções possíveis e espalha uma coisa nova, diferente, atravessada.
Ufa.

“Meu amor partiu/ Cansou dos meu vícios…” Com uma voz rouca e num blues quase rasgado, Cássia vem cansada em “Nada Vai Mudar Isso”, de Paulinho Moska. Como um camaleão, ela mimetiza e mergulha completamente no astral da música. Aqui ela se descabela por seu amor que partiu, mesmo sabendo que ele voltará, mas com outro feitiço. Em “Nada Vai Mudar Isso” fala daquele amor que a gente tira na marra de dentro da gente, mesmo sabendo que a gente corre o risco desse amor voltar, quem sabe ainda mais forte… Como se o amor tivesse vontade própria: “Meu amor se expulsou de mim”.
De matar.

E como boa camaleoa que Cássia é, “Fiz o que Pude” de rock vira um xote sem perdão! É uma misturança arretada de boa… Gil xorora com seu xororô, deixando a música ainda mais apaixonante. Cássia roqueia com seu rock deixando a música ainda mais delirante.
E fizeram a melhor coisa! Em “Fiz o que Pude” Cássia resolve não dar muito bola pra dor e te pede a mão pra uma dança, de um jeito charmoso, malicioso e gritado...

Essa já chega provocando: “Não quero nem saber/ Aonde está você/ Não que eu não saiba não”.
“Nenhum Roberto” é a música das coisas óbvias, não que eu não saiba não… Daquelas coisas que a gente sabe, sabe a ordem das vogais, das consoantes de trás pra frente, não que eu não saiba não… E daí?
João Barone, na sua bateria perfeita e maravilhosa, acompanha Cássia na música de Nando e com a ponta perfeita de Frejat todos engrenam numa alegria danada, brincando, buscando, se divertindo. “Nenhum Roberto” é uma gostosura! É pauleira, sonzaço total, um trem-bala.
Não que eu não saiba não…
E tudo se resume numa risada!

A coisa mais delicada chega em “Little Wings”… Cássia nos faz ir para um outro planeta. Deliciosamente cada palavra é cantada e sentida com uma intensidade que me deixa sem palavras. Jimi Hendrix adoraria ouvir “Little Wings” nessa voz quase que chorada, que quase nos faz levitar. Eu fico aqui viajando (grande herança de Cássia – a viagem…) nos músicos fazendo esse som, esse violão cheio de personalidade que vai te seduzindo, que te leva lá pra cima e depois te traz de mansinho pra baixo, como numa viagem num tapete mágico.
It’s alright she said it’s alright…

“Nos aviões que vomitavam pára-quedas/ Nas casamatas, caso vivas, caso morras/ E nos delírios, meus grilos rever/ O casamento, o rompimento, o sacramento, o documento/ Como um passatempo, quero mais te ver/ Oh, com aflição”.
“Vila do Sossego” de Zé Ramalho, abre uma ilha no teu sossego, te sangra a ferida, te pega e você não sabe por que e nem onde. Cássia canta todo esse desassossego como se estivesse lendo uma carta ditada por vozes sábias do além – “Que nas torturas toda carne se trai”…
Cássia tem isso de transitar pela dor, pela beleza, pela delicadeza e pela força sem peder o passo, sem deixar que a gente perca o passo...

“Dez de Dezembro” vai embora grandioso como Cássia... Em “Só Se For a Dois” - a última música do disco e uma das músicas mais belas de Cazuza - Cássia quase gritando canta que “As possibilidades de felicidade/ São egoístas meu amor/ Viver a liberdade, amar de verdade/ Só se for a dois”.
O piano nessa música dá a leveza, a percussão a vida, a voz de Cássia a delícia, e a poesia de Cazuza, a verdade…

“Essa é minha flor... a sua Repetalada”
E tudo isso acabou…

[ANDRÉA]

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