segunda-feira, 30 de abril de 2012

Brazil tipo exportação



Novamente resolvo escrever um resenha motivado pela percepção de que estava faltando algum trabalho de um dos músicos que mais contribuíram para divulgar a boa música brasileira no exterior: Sérgio Mendes.

O disco escolhido, In Person at El Matador! Sérgio Mendes and Brasil’65, foi gravado em uma espécie de piano-bar em São Francisco (El Matador), palco de apresentações do Sérgio Mendes assim que fixou residência nos Estados Unidos nos anos 1960.

Acompanhado de gente da melhor qualidade como Rosinha de Valença (já resenhada nesse blog) ao violão, Sebastião Neto no baixo, Chico Batera na bateria (obviamente) e com a voz de Wanda de Sah, o disco começa com o belo som do piano de Sérgio Mendes em Reza, canção instrumental de autoria de Edu Lobo e Rui Guerra para seguir com “O Morro”, de Carlos Lyra e Guarnieri: “(...) ama, o morro ama Um amor aflito, um amor bonito Que pede outra história”.

Com repertório bossanovístico tão bem selecionado, obviamente não poderia faltar contribuição da parceria de Vinícius de Moraes e Baden Powell com “Samba de Astronauta”, com o inspiradíssimo violão de Rosinha de Valença.

Não faz assim... Tem dó de mim... Não posso mais chorar... Não vê que o amor é mais... É muito mais do que sonhar”... Em “Tem Dó de Mim”, de Carlos Lyra, novamente o piano de Sérgio Mendes ganha a companhia da voz macia de Wanda de Sah. Depois de outra bela instrumental (“Jodel”, de João Donato), o disco segue com outro destaque do violão de Rosinha de Valença em “Samba de José”.

A sétima canção é a instrumental “Noa Noa”, de autoria do próprio Sérgio Mendes. Para acompanhar o belo solo de piano, a levada de Chico Batera, algo que, segundo Ruy Castro em Chega de Saudade, poderia soar como heresia para puristas da bossa nova. Confesso que não sabia o nome dessa canção até escutar o disco atentamente, mas a impressão que tenho que já escutei como música de fundo em algum restaurante no Rio de Janeiro.

O ponto alto do disco inicia-se com o medley de Black Orpheus que reúne, em uma mesma faixa “Manhã de carnaval”, “Batuque de Orfeu” e “Samba de Orfeu”. Trata-se de canções que contaram com composições de Luis Bonfá e Antonio Maria para a trilha sonora do filme “Orfeu Negro”, de Marcel Camus rodado em 1959 no Rio de Janeiro. Foi uma adaptação da peça “Orfeu da Conceição” de Vinícius de Moraes que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1959. Esse medley é finalizado de forma magnífica com “A Felicidade”, de Tom Jobim, na voz de Wanda de Sá.

Para completar o ponto alto do disco, “Arrastão”, clássico da música brasileira de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, imortalizado na voz de Elis Regina, mas que ficou muito bem nessa versão de Sergio Mendes com Wanda de Sah. Depois o disco finaliza com outra versão instrumental: “Caminho de Casa”, de João Donato.

Esse disco até pouco tempo era difícil de ser encontrado, mas graças à excelente iniciativa do Charles Gavin (sempre ele) e da Livraria Cultura, recentemente foi relançado na série denominada “Coleção Cultura” e eu pude adquiri-lo em formato de CD. A capa, inclusive, contém uma pintura de autoria de Wesley Duke Lee dedicada ao Sergio Mendes.

No fundo, Sergio Mendes e companhia fazem parte daqueles músicos brasileiros que tanto tem contribuído para divulgar a boa música brasileira no exterior, fato que pude constatar recentemente ao me deparar com suas canções em restaurantes e lojas de disco em países como Áustria ou Hungria. Ou seja, não é só modismos passageiros que exportamos por aí como muitos podem pensar...
Paul

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Secos e Molhados II, 1974


Antes de tudo, uma luz sobre a cansada controvérsia sobre o Kiss ter copiado nossos heróis brasileiros...
http://whiplash.net/materias/curiosidades/068863-kiss.html

Eu ia postar o primeiro deles, aí fui pesquisar e o caríssimo e distante amigo Xampu já o fizera...

Mas vamos a segundo e também essencial, o último com a formação clássica: João Ricardo, Ney Matogrosso e Gerson Conrad, além dos músicos de apoio Willy Verdaguer, John Flavin, Triana Romero, Rosadas, Emilio Carrero, Norival e Jorge Omar.

Diferentemente do primeiro, com um pé no rock progressivo e no rock'n'roll underground, este aqui é mais acústico e menos ousado.

Tercer Mundo, apesar de ser em espanhol, é de autoria própria (João Ricardo e Julio Cortazar), bem levada latina, típica e bela, pré rótulo world music.

Único sucesso do disco, Flores astrais traz um slide muito legal, esperto e bem legal. Eu conheci a música naquele conhecido ao vivo do RPM...

Não: não digas nada tem uma curiosidade: é co-autoria entre João Ricardo e Fernando Pessoa, provavelmente uma poesia musicada pelo João. Música plácida, violão, voz e flauta.

Medo mulato inicia meio vaudeville com um pianinho, depois acompanhado de ruídos, voz do Ney, flautas, teclados e uma bateria meio percussiva e pontual. Bonita, bem diferente, retomando o tema meio sobrenatural Saramandaia (novela mutcho louca dos anos 70) do Vira.

Oh! Mulher infiel é um tema ousado pros anos 70 (um tempo onde não havia divórcio, acreditem), mas o arranjo é bem tranquilo criando um contraste inusitado.

Vôo já traz um som mais rock com um phaser ou flanger em estéreo bem diferente do som careta do disco...uma gaita complementa a viagem. Muitas vozes harmonizadas.

Angústia é das minhas preferidas, violão marcando o tempo, um clima meio drum'n'bass (cabe até um remix daquele comecinho), vocais dinâmicos, piano suingado, muito muito à frente do seu tempo! Só peca aquele som de guitarra dos anos setenta, fuzz magrinho e espetado, ninguém sabia gravar guitarra distorcida até o Ultraje aparecer...O pan das guitarras é até legal, mas o som é ruim.

O Hierofante (sacerdote supremo dos mistérios antigos do Egito e da Grécia, 1001br tb é cultura!) é uma das mais rock'n'roll daqui, guitarras na cara, é mais uma de co-autoria poéticas (João Ricardo e Oswald de Andrade), vocais divertidos e múltiplos em estéreo (aconselho ouvir com fone, viagem pura).

Caixinha de música do João é uma instrumental surpresa calminha com vocalizes do Ney, meio new age, fantasmagórica, curta e bela.

O doce e o amargo tem um som meio português, depois vira uma bela canção triste e melancólica, voltando à placidez acústica.

Preto velho podia ter uns tambores, mas é mais uma calminha com a letra nonsense e vocais harmonizados.

Delírio começa meio rock'n'roll com pianinho, entra uma guitarra suja, dá uma delirada meio diminuta no piano quadrado, solinho fuzz com um som quase bom...legal!

Toada & rock & mambo & tango & etc tem um nome sensacional...guitarra suingada, vocais sussurrados muito legais, Ney é foda etc, mudança no meio prum lance meio disco (?!!!).

Discaço quase esquecido e felizmente recuperado na coleção Dois Momentos com a compilação e masterização by Charles Gavin.

(Dão)

terça-feira, 24 de abril de 2012

Rita Lee - Build Up, 1970


 

Dia desses estava viajando numa muita improvável de conversar com Mick Jagger (já que ele gosta tanto do Brasil e de seus prazeres, thanx Zé pelo fantástico clipe em Paraty, She’s the Boss...) e é óbvio que para manter a atenção de um popstar dessa envergadura eu teria que fazer uma pergunta inteligente, e bem, eu pensei em algo como “lá por volta de 65, quando vocês fizeram Satisfaction vocês tinham ideia exata de para onde estavam indo, isto é, imaginavam que pouco depois estariam gravando coisas como JJFlash, Gimme Shelter, Honky Tonk, ou estavam simplesmente na estrada, curtindo a paisagem e sem muita preocupação sobre aonde ela ia dar?”

Ok, fim de papo, perdi a chance de conversar com um ídolo (tem uma história do meu sobrinho que encontrou Jimmy Page no Rio, bem, é um tanto desastrada e longa e fica pra próxima), ele pede licença e vai atender o telefone. E o que tem isso a ver com a Rita Lee? Bem, ela já deve ter tido o mesmo dilema, não? E o pior: deve ter alguma vez, de fato, conversado com ele. E eu sonhei com a Rita Lee esses dias também. Ela faria um show aqui em Curitiba, perto de São José dos Pinhais, acho que no banhado onde resolveram fazer o Lupaluna. E no meu sonho eu conversava com ela. E ela me perguntava o que eu queria ouvir no show, e eu fui um desastre porque eu pedi Cowboy Fora da Lei. Bem, pelo menos ela me deu um beijo na boca. E o melhor é que a Rita que me beijou foi a loira desta capa aí, de 1970, e não aquela ruiva que armou barraco na Alagoas.

Ah sim: o disco. Tô enrolando porque o disco é fraco. Apesar do capricho nos arranjos, a coleção de canções deixa muito a desejar. Se não fosse da Rita Lee, seria um disco destinado ao total esquecimento, seu valor é meramente histórico (talvez esteja exagerando, depois veremos, mas, pô, é Rita Lee, hoje a gente sabe que ela pode mais...). Na teoria é o primeiro disco da nossa rainha. Na prática é um disco de férias dos Mutantes. Ao que parece estavam testando o potencial comercial do nome, da marca Rita Lee. Ainda insistiriam anos mais tarde com Hoje é o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida, até que finalmente saiu um dia aquele que é, de fato, o primeiro disco solo da Rita, livre dos Mutantes e com a semente do Tutti-Frutti (que é o primeiro lançado, porque o primeiro gravado foi o Cilibrinas do Éden, disco que nunca saiu, bem, isso é outra história e eu pra variar me desvio, me desvio...). 

É tão de férias que Sérgio Dias Batista não se interessou pelo projeto e sai de férias pra valer. Na falta de Serginho quem chamaram para assumir a guitarra? Lanny Gordin! Puta que o pariu, que luxo... E o fato é que talvez a presença deste constrangeu um pouco os outros a ponto de levarem o projeto mais a sério do que talvez o fosse com o irmão/cunhado. E o que Lanny traz pro disco é de primeiríssima linha. Seus fraseados salvam, por exemplo, a fraquíssima Tempo Nublado. Os destaques do disco são 2, ou talvez 2 1/2 músicas... José é uma versão de Nara Leão para une chanson française (Joseph de Georges Moustaki), que ficou interessante. Um tango chamado Prisioneira do Amor talvez em outro contexto ficasse mais agradável, e a faixa de abertura adverte: Sucesso Aqui Vou Eu (demorou quase 10 anos, mas foi), assim como a derradeira, um gospel-rock com ares de jam session: Eu Vou Me Salvar!

Mas onde o disco é bom, ele é muito bom, ele é sensacional: 

Hulla-Hulla é uma canção havaiana que poderia ser a continuação da história daquele astronauta libertado de volta ao planeta azul. O trabalho instrumental aqui é fundamental, nem consigo me fixar na letra (pode trocar essa letra pel’O Pato e nem assim se estraga a música), principalmente o trabalho de Lanny numa havaianíssima slide guitar, que não deforma, não tem cheiro e nem solta as tiras, nunca ouvi um lap steel na música brasileira tocada com tanta maestria... 

Aha! Mas espere: não é tudo. Em seguida entra uma versão avassaladora e definitiva de And I Love Her (Him) de John e Paul (aqueles lá), e olhe que pra melhorar uma música dos Beatles não é pra qualquer um! A versão começa com um movimento rápido de teclado tocado duas vezes, intervalado pela marcação ritmada do chimbal. Quando Rita entra cantando o acompanhamento é o piano (e banda ao fundo). Lanny só vai entrar pra quebrar tudo depois do refrão. Seguindo uma preparação apoteótica a la Mutantes, ele entra arrastando e abafando as cordas com wah-wah, como naqueles seriados policiais dos anos 70, um som típico de negão, coisa pouco frequente no repertório dos Mutantes. São só 15 segundos e eu posso ver Steve Austin “correndo” acompanhado por esta guitarra.

Certamente Rita Lee não sabia para onde estava indo quando fez este disco. E sem dúvida este foi um de seus maiores méritos, e o que permitiu voos tão ecléticos e experimentais que nos deixaram um legado digno de admiração e até uma pontinha de inveja.

Rita Lee, um beijo
[M]

sexta-feira, 20 de abril de 2012

João voz e violão, João Gilberto



João é um gênio. Um dos últimos, ao lado de Hermeto, Naná e alguns poucos, ainda vivos.

Esse ano ele faz 80 anos, se não me engano (li numas biografias da net que ele é de 10/06 de 1931 ou de 1934, conforme o site...), mas o disco aqui vem porque é mais um dos muitos excelentes dele. E esse aqui ainda tem a Camila Pitanga na capa...

Com produção de Caetano Veloso (na verdade consta 'uma produção UNIVERSAL MUSIC dirigida por Caetano Veloso'), retoma os eternos clássicos da bossa nova, incluindo novidades, se é que se pode chamar assim, como 3 músicas da geração um pouco mais nova, a da Tropicália, que João torna, como sempre, músicas suas...

Como o título avisa, é só a voz (pequena) e o violão (tocado pelas mãos do Cara), mas isto é muito mais do que suficiente.


Desde que o samba é samba (Caetano Veloso) é uma música que provavelmente o Caê nunca mais tocou ou ouviu do mesmo jeito, é uma releitura torta e sensacional, sem acordes/compassos desnecessários. Foda.

Voltando ao repertório familiar, Você vai ver (Tom Jobim) traz uma voz íntima e em alguns momentos emocionada, linda e aparentemente lenta, mas vai tentar tocar junto...

Eclipse (Lecuona) é bem lentinha, respirada, degustada e sorvida com todo o gosto do mundo. Quase tem cheiro, ou pode ser sinestesia psicodélica.

Não vou pra casa (Antonio Almeida/ Roberto Roberti) é daqueles sambas auto-referentes, apologia à malandragem e boemia, gingado e malemolente.

Desafinado (Tom Jobim/ Newton Mendonça) é mais uma do repertório clássico, mais uma das dezenas de gravações, mais uma sempre esperada, mas mesmo assim soa renovada, sempre há alguma mudança no ritmo, nos acordes, na melodia vocal. Impressionante e inexplicável.

Eu vim da Bahia (Gilberto Gil) é um reconhecimento do talento dos tropicalistas, não que eles precisem disso, mas vindo do Mestre é sempre benvindo, né? Todos viemos da Bahia (o Brasil é baiano, nasceu na Bahia) e todos voltamos pra lá...

Coração vagabundo (Caetano Veloso) é uma das mais antigas do Caê, mas sempre parece nova e atual, ele mesmo gosta muito até hoje (ao contrário de 'Alegria alegria' por exemplo) e aqui João não inova tanto, dando tempo pra respirar e seguir a harmonia original. Linda, sensacional, genial. Tem até um lalaiá no final...

Da cor do pecado (Bororó) é tão familiar e íntima que realmente parece que ele está logo aqui cantando pra mim, viagem eu sei, mas um humano equilibrado é insano (sabedoria popular veiculada pelo Facebook, nosso oráculo do momento). Delícia. Tô meio baiano hoje, sou muito influenciável...

Segredo (Herivelto Martins/ Marino Pinto) tem até umas falhas (humanas) na respiração e articulação do canto, coragem é manter isso no disco em tempos de protools, autotunes e quetais. Canção triste e bela, com pitadas de ironia.

Pra terminar com o sempre presente gostinho de quero mais, Chega de saudade (Tom Jobim/ Vinícius de Moraes). Depois de iniciar o movimento da Bossa nova, foi regravada e diluída muitas e muitas vezes, mas aqui retorna pro seu legítimo dono, soando mais uma vez como deve ser, revolucionária, com acréscimos de acordes mais ricos com extensões novas (não vou entrar em detalhes harmônicos, pela chatice e porque meu ouvido não é absoluto). Harmonia perfeita e redonda, melodia surfista e João.

Porque melhor que o silêncio só João.

(Dão)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Sexo!! , Ultraje a Rigor




Como a Andrea sugeriu, vamos botar fogo no blog!




Comecei a fazer esse post e fui conferir, porra, será que não tem este álbum no blog, porraaaaa? Não tinha, mas é indispensável.




Claro que, em comparação com o primeiro, qualquer disco pareceria menor, mas este aqui é muito bom, diria excelente, e ainda tem 3 das melhores músicas nacionais dos anos 80!




Não acerta em todas, ou quase todas como o primeiro, dando umas derrapadas feias, mas o saldo é muito positivo.




Eu gosto de mulher é um maravilhoso início pra qualquer disco ou show, machista e divertida, mas não homofóbica, roqueira e festeira, animada e acelerada!




Dênis, o que você quer ser quando crescer? Pergunta de pai ou de professor, chata e geradora de ansiedade, principalmente para crianças ou jovens hiper-ativos, eu falo por exteriência própria...mas a música é legal, com muita guitarras legais e aquela letra sempre inteligente do Roger.




Em terceiro lugar, Terceiro, a música predileta do Zeba ou do Zedu, não tenho certeza. Mas um hino do espírito brazuca, ao lado de Inútil, Que país é esse, Até quando esperar, etc e tal. Por que se esforçar? Meritocracia não é pra latinos católicos, né, Weber, Xampu e Roger? Ou não? Voltemos à música, que é muito legal, com batida new wave tipo Rebelde sem causa, mas desacelerada, guitarras surf da melhor qualidade, refrão popular e até um solo de baixo no finalzinho, normalmente cortado pelas rádios fm da época...




Aí chega a primeira derrapada, A festa, uma música chata e arrastada, lenta e entediante, que nunca chega a lugar nenhum. Só salva um solo metal lá no meio, mas que soa meio deslocado na música meio Jovem Guarda (?). A letra é quase boa, sobre aquela onda adolescente de ensaiar o que fazer na festa, o que falar pra gatinha, essas coisas, que na prática nunca funcionam. FAIL...




E a segunda derrapada é logo na seqüência, Prisioneiro, o único heavy metal do grupo. É engraçado que se vc procurar resenhas por aí, principalmente em sites mais metal, tem pessoas que dizem que o grupo poderia ter ficado mais pesado, que o baixista Maurício Defendi (que canta essa música) saiu porque queria justamente isso e bla bla bla...mas a música é uma merda. E olha que gosto de metal, mas ainda bem que o Ultraje se manteve Ultraje.


Vá lá, a letra é inteligente e crítica e realista, mas isso é o mínimo pro Roger:


"Prisioneiro, prisioneiro, prisioneiro não


Se você me pegar eu vou chamar meu irmão
Com tanta gente roubando ninguém vai me pegar


Sigo tranqüilo no meio ninguém vai me dedar


Vivo bem com o tráfico e com a corrupção


Se o negócio sujar é só tomar um avião (...)


Duvido que um dia isso possa mudar


Tem prá todos ninguém irá tentar


Me tirar o apoio e a posição


Me colocar enfim numa prisão (...)”




Essa música e a anterior são as últimas participações do guitarrista solo Carlos Bartolini (Carlinhos) com a banda, tendo ele ido pra Califórnia eu acho, pra estudar produção musical e engenharia de som, se não me engano.


No seu lugar, ou melhor, no lado B, entrou o também excelente Sérgio Serra.


O Ultraje é, em grande parte, Roger Moreira, pelas letras e concepção do grupo, mas por outro lado, o excelente som de guitarras dos dois primeiros discos deve muito a esses dois guitarristas, era realmente muito superior a tudo que se ouvia de guitarra no Brock. Aliás, a tudo que se tinha gravado de guitarra antes. Com ressalvas para as guitarras limpas do Lulu e dos Paralamas.




Começando o lado B, Sexo, sensacional, crítica e ácida, divertida e inteligente, dinâmica com partes só com baixo e bateria, barulinhos de guitarra, backing vocais u u uuuu, letra genial, até solo de flauta do Roger tem! Solo de guitarra matador no final.




Pelado é toda genial! Solo marcante de poucas notas, rock'n'roll animado de poucos (e bons) acordes, vocaizinhos divertidos e harmonizados, mais um solo veloz no meio e aquele final só com baixo (by Liminha) e bateria pronto pro strip tease...


"Que legal nós dois pelados aqui


Que nem me conheceram o dia que eu nasci


Que nem no banho, por baixo da etiqueta


É sempre tudo igual, o curioso e a xerêta


Que gostoso, sem disfarce, sem frescura, sem fantasia


Que nem seu pai, sua mãe,seu avô,sua tia


Proibido pela censura, o decôro e a moral


Liberado e praticado pelo gosto geral


Pelado todo mundo gosta, todo mundo quer


A é? É


Pelado todo mundo fica, todo mundo é


Pelado, pelado, nú com a mão no bolso


Indecente é você ter que ficar despido de cultura


Dai não tem jeito quando a coisa fica dura


Sem roupa, sem saúde, sem casa, tudo é tão imoral


A barriga pelada é que é a vergonha nacional"




Ponto de ônibus é legalzinha, diminuída pela anteriores, bons vocais, com guitarras bem sacadas e arranjadas diferentemente.


"Ônibus? Nããããããããããooooo...


Quando eu tiver dinheiro eu prometo que eu só vou andar de táááááxi


O que que eu tô fazendo aqui?"






Maximillian Sheldon, é meio mistura de surf music, trilhas de filmes (com referência a Agente 86, acho que é o nome do cara) e guitarras reggae, inclusive com solo de bateria do João Barone, muito legal, backing vocais fantasmagóricos, letra mediana e meio nonsense, o Roger tem crédito sobrando...




A última, Will Robinson e seus robots é quase uma instrumental, só com umas falas referentes ao seriado Perdidos no espaço 'perigo perigo' e 'cuidaaado'. Diferente. Edgar Scandurra faz guitarra base e solo!




(Dão)

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Atenciosamente, Duofel

Tem pouca música instrumental por aqui, é um fato.

Decorrente do fato de que realmente há poucos discos de música instrumental interessantes. Há muito exibicionismo, muita encheção de lingüiça e pouca originalidade, além de pouca criatividade e raras composições legais.

Mas, e sempre tem um mas, temos excelentes discos.

E este aqui é um deles.


O Duofel é uma dupla de violonistas (Fernando Melo e Luiz Bueno), daí o nome: dupla formada por Fernando e Luiz.

A princípio em conjunto de baile, depois em bares e casas noturnas, a dupla tocava muito (em freqüência e habilidade), posteriormente passando a suporte da banda de Tetê Espíndola. Inclusive são responsáveis pelo arranjo de 'Escrito nas estrelas' (se isto é um mérito eu realmente não sei...).


Posteriormente passaram a um terreno mais especificamente instrumental, com fortes influências de Egberto Gismonti e do gênio Hermeto Pascoal.


Depois de uns 5 álbuns chegaram a este aqui, onde várias composições próprias homenageiam suas influências e poucas são releituras bem livres e diferentes das originais.


O disco tem 2 versões e as outras são inspiradas em artistas importantes para a dupla.


Procissão (Gilberto Gil) inicia bem, meio etérea com uns instrumentos com arco (acho que são os Zig Zum, seja lá o que for isso), com a melodia fiel, clima de festa meio marcial (como uma procissão, oras...), improvisos no meio, bem legal. Começo bem pra cima!


Os violonistas alternam violões de aço, de nylon e de 12 cordas conforme a música.

Além deles há outros excelentes músicos, como Nenê (bateria), Sylvio Mazzuca Jr (baixo), Michel Freidenson (teclado e piano), Caíto Marcondes (percussão) e Teco Cardoso (flauta e sax soprano).


A música seguinte, Subindo o Tapajós, homenageia Sebastião Tapajós, violonista da 'clássica escola européia e a própria escola brasileira de violão personificada'! Tema bonito, sutil, dinâmica, vc quase consegue ver os caras se olhando e os instrumentos dialogando, música viva, muito longe da chatice instrumental.


Tetê Espíndola, cantora já citada, meio madrinha do duo, é a homenageada da música da vez, Floresta dos Elfos, já que ela havia sugerido o nome Duo Elfos. Gongos, sons de chuva, percussão discreta, tema límpido, bonito de ouvir.

Azul cor de manteiga homenageia o sensacional Hermeto Pascoal, que já trabalhou com os caras no disco 'Kids of Brazil'. Mais um belo tema. Mais caótica, meio pulante, com um pan bem legal, boa pra ouvir com fones ou caixas bem afastados.

Fax para Uakti é pro Uakti, óbvio...Se vc não conhece, deveria (e nós deveríamos botar um disco deles aqui, claro, quem sabe o 'I Ching'). Bem viajante, com uns sons psicodélicos de arco de rabeca, muito legal. Se o Syd Barret estivesse vivo...


Norwegian wood (this bird has flown) é dos Beatles (não conhece? Volte já pra Marte, porra!). Uma releitura ao mesmo tempo fiel e criativa, com improvisos viajantes mas sempre na estrutura consagrada.

O amigo da chuva tem um quê de música indiana, proncipalmente na percussão quase frenética, o que tem a ver com o homenageado Badal Roy, tablista indiano ligado ao free jazz norte americano.


É pra Jards homenageia o Jards Macalé, numa levada meio malandra, cheia de ginga e quebradas, ou melhor, breques.


Boissucanga é o nome de uma praia do litoral norte de São Paulo (muitos cariocas não sabem que há praias lindas por lá, azar o deles; azar não, ignorância), um trio de rock progressivo e o nome da música mais dinâmica por aqui, harmônicos saltitantes em afinações alternativas, um ping pong de violões desenfreados, bateria quebrando tudo e também tocando baixinho jazzy, quebradas e talz...O homenageado é o parceiro do trio de mesmo nome citado, Armando Sinkovitz.

Rock rural e instrumental! Surpresa é sair daquela simplicidade típica e do bucolismo, a música Atenção: lombada é bem animada, mesmo tendo 'só' dois violões de aço pilotados cheios de velocidade e sutileza. Zé Geraldo, o homenageado da vez, foi ajudado pela dupla como músicos e arranjadores no disco 'Caminhos de Minas', onde também tocaram guitarra e baixo.

Jazz à Vienne, nome de um dos maiores festivais de jazz da Europa, homenageia Michel Jules, violinista e compositor francês, que divulgou a dupla. Aqui a música é mais tranqüila, plácida, com um lindo sax soprano, cadências de acordes sofisticados.

Pra terminar um samba maluco, Garoando no Bixiga, com banda mais pesada, levada na frente que te faz mexer, tema insistente e incisivo. Aqui se homenageia a cidade de Sampa, 'muitas vezes quente e romântica, outras tantas caótica e agressiva, mas sempre se renovando', através de seu ilustre filho, a 'figura caricata de Adoniran Barbosa'.

(Dão)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Santorini Blues, Herbert Vianna






Vamos continuar com discos solos de músicos com outras bandas então.


Com muitas informações tiradas do excelente livro 'Os Paralamas do Sucesso - Vamo batê lata', do Jamari França.


Este aqui é um disco bem artesanal, feito 'só' pelo Herbert! Mas isto em nada prejudica a sonoridade do álbum, límpida e cristalina, mas bem suave pela ausência de bateria e baixo.



Quase todas as músicas tem sonoridade 'acústica' (termo que exige cautela depois da séria vitoriosa da MTV, que abrange até o disco mais pesado dos Paralamas, justamente o Acústico), mas com guitarras eventuais e ebows inteligentes (não sabe o que é vai no google).

Foi gravado em um dia e meio!, no estúdio O'Henry, LA.


Engraçado é o nome ser de um música que não está no disco, só no disco dos Paralamas 'Hey na na'.


O disco começa com uma das 3 músicas já gravadas pelos Paralamas: Dos Margaritas, uns violões bonitos, utilizando bem o estéreo, letra muito legal.


Em seguida uma gravada pela co-autora Fernanda Abreu, Speed Racer. Pandeirinho discretíssimo, uma harmonia legal, letra meio recitada, solinhos em contraponto. A versão da Fernanda tem o Fernando Vidal solando com muito drive, então nem vou comparar...


Round em round, cantada em inglês, é sobre maturidade, tema raro no rock em geral. Uns vocais espalhados no pan harmonizam belamente o refrão. Meio Beatles, esta tem guitarra.

Pólvora é mais uma dos PS, mas aqui ficou bem diferente, com bandolim e violões (até tem um que trasteja bastante, deve ser um ovation...que o Herbert gosta, apesar de meu amigo Duayer desaprovar). Mais uma letra excelente.

Tweety é instrumental, coisa que os PS não fazem há tempos. Tema bucólico, como disse o Jamari, violões rurais. Lembra muito a música, por enquanto instrumental, 'Desbalada', do amigo e colaborador Mateus.


Annie (Eric Clapton/Lambert/Lane, eu não conheço a original), segue no mesmo clima bucólico, com violões e guitarra slide. Uns backing vocals lindos...


O Rock argentino, pouquíssimo escutado no Brasil, chega com Por siete vidas (Caceria) do Fito Paez, violão tipicamente latino, citação de Pinball Wizard, falsetes incomuns do Herbert.


A palavra certa (Herbert/ George Israel/ Paula Toller, alguém já gravou essa?) tem uma letra linda. Arranjo bonito, piano, violões (sempre), uma guitarra ebow sensacional.
"Atravesso a noite com um verso
Que não se resolve
Na outra mão as flores
Como se flores bastassem
Eu espero
E espero
Não funcionam luzes, telefones
Nada se resolve
Trens parados, carros enguiçados
Aviões no pátio esperam
E esperam
A chave que abre o céu
D´aonde caem as palavras
A palavra certa
Que faça o mundo andar"


Mais uma dos Paralamas em seguida, Uns dias, uma música muita amarga com versos sensacionais. A versão aqui acústica deve utilizar uns violões com afinaçoes próprias, além de piano lindo na introdução. Depois esse arranjo foi adaptado pro 'Acústico', ficando bem pesadão.
"Eu nem te falei
Que te procurei
Pra me confessar
Eu chorava de amor
E não porque eu sofria
Mas você chegou já era dia
E não estava sozinha
Eu tive fora uns dias
Eu te odiei uns dias
Eu quis te matar "

Pra terminar, Luca homenageia o primogênito e o momento da descoberta da paternidade com versos belos. Uma guitarra gigante com drive leve inicia num clima meio espanho épico, depois retornando pro arranjo acústico com violões, bandolim e a guitarra no fundo com aquele reverb esperto.

"Abre os olhos pra ver o mundo
Tudo é novo para os teus olhos novos
Dá pra cada coisa um nome
Um nome novo e um sentido teu próprio
Eu te abro as cortinas da manhã
Eu te levo pros braços da tua mãe, cedo
Por um instante eu esqueço do que sou
Por um instante eu não lembro de ter medo
Fala as tuas palavras de vogais
E sorri quando já está dormindo
Filho, pai, mãe, orvalho da manhã
Tudo é novo para os meus olhos velhos
Eu te abro as cortinas da manhã
Eu te levo pros braços da tua mãe, cedo"


(Dão)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A Curva da Cintura - Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra & Toumani Diabaté (2011)


“o mundo muda você

os outros te mudam muito

você muda pra crescer

a música muda o mundo

a música ajuda a ser

bem melhor”


Kaira é o nome dessa música, mas também foi um movimento político em 1960, no Mali. Um movimento de resistência à colonização francesa. A única arma usada foi o canto das pessoas. Na época não havia carros no país, os resistentes caminhavam pelas aldeias e a cada aldeia o coro ia se tornando mais plural, maior e mais bonito.


“A Curva na Cintura” chegou em minha casa com a força musical do movimento Kaira e me colonizou completamente! De cara o cd abre com som da Kora. Um som árabe-africano, vivo, alegre, esperto, misturado a uma aura feminina. Feminina no que a Kora tem de estridente. O som da Kora é marcante, se impõe e isso para mim é uma das grandes características do “Curva na Cintura”. A mescla de Brasil-África nessa experiência é muito especial. O cd se "passa" em Mali, onde a tradição musical não é a da canção e as letras são cantadas de improviso, aparecem ao sabor da Kora. Lá a viagem está na música, no som da Kora, o que vem depois é puro improviso. O encontro Brasil-África via Arnaldo Antunes-Scandurra-Toumani deu química, justamente porque tem um encontro do som-7 séculos da Kora de Toumani com a letra-cerebral da tradição do Arnaldo. As diferentes tradições viraram seiva no cd!


“eu sigo só na minha onda

cê não vai me acompanhar

eu sigo o sol, não quero sombra

nem ninguém para me assombrar”


São vários os encontros nessa curva. Em “Cê não vai me acompanhar” a Kora é tocada pelo filho de Toumani, Sidiki, de 20 anos. Nesse som ele usa o wawa e faz da Kora um instrumento de música eletrônica. É impressionante ver a Kora se transformar na mão das diferentes gerações. O Arnaldo e o Edgar não poderiam ter feito uma letra melhor! “Cê não vai me acompanhar” tem a sede da busca, a cor da solidão e a força da falta de medo.

No mesmo tom, com o mesmo som, o trio Sidiki-Arnaldo-Edgar fazem miséria com “Cara”. Edgar Scandurra mata a pau na guitarra. O Scandurra pertence àquela tradição dos guitarristas que estão em perfeita hamonia com o seu instrumento… Discreto na sua presença, indiscreto na sua criatividade, preciso quando entra e quando sai de um som e fundamentalmente, um músico viajante. Ele tá ali, concentrado na viagem, de olhos fechados, completamente possuído.

E ainda na mesma onda com Sidiki, da Kora-Rock, a música “Senhor” que a princípio parece meio fora de lugar, forma, junto com “Cê não vai me acompanhar” e “Cara”, a voz da modernidade. Não é à toa que Arnaldo e Edgar encontram em Sidiki o melhor parceiro para essas composições. As três músicas são velozes, flertam com uma tradição atual e ocidentalizada da música. As três letras falam do incômodo e do prazer do ser humano moderno. O “Cara” é o encontro consigo próprio. Quer coisa mais moderna que se dar conta que tem alguém dentro de você? “Senhor” traz a ambuiguidade entre ser o senhor e o preço de ser o senhor.


“e tenho muito pouco tempo

e no meu tempo cabe sempre menos tempo

o tempo de um senhor é sempre muito pouco tempo

mas tenho meu tempo ocioso

para gastar do jeito que for mais gostoso

e posso ver televisão

deitado na cama , com o meu roupão

um roupão de senhor…


A “Curva na Cintura” faz caminho sinuoso, arredondado e gracioso. A cintura é o meio do caminho do corpo. Divide nossos dois hemisférios – o sul e o norte. Esse cd tem um pouco desse desenho: do lado norte temos as músicas mais velozes e cerebrais. Ao sul temos as canções que te conectam em outra vibe, uma vibração mais tranquila, de sensações e que celebra a presença do outro da tua vida. É do lado sul do cd que temos a kora tocada por Toumani… “Que me continua” e “Grão dos Chãos” são exemplos desse movimento e tudo o que eu tentar falar sobre elas será excessivo, porque estas duas músicas são a medida certa para muitas coisas.

É isso, a “Curva na Cintura” tem uma medida própria, tem o tamanho ideal de uma boca voraz que não se cansa de ansiar por mais…

[ANDRÉA]