sábado, 29 de dezembro de 2012

Guitar Player BR!!!

Edição especialíssima com guitarristas brasileiros e lições pessoais, confiram!!
Scandurra, Pepeu, Sérgio Dias, Lanny, Frejat, Luiz Carlini!!!!
Feliz 2013, amigos, colaboradores e leitores!


Arnaldo Baptista: 'Lóki?' & 'Loki' (dvd)



Estas são obras independentes e com uma distância de 34 anos (o disco de 1974 e o dvd de 2008), mas mesmo assim, uma ajuda muito na compreensão da outra. E mesmo nunca tendo resenhado dvds por aqui, acho que este em especial tem seu lugar por aqui.

O dvd dá uma perspectiva de contexto e do criador Arnaldo, não só como autor, mas como músico, compositor, arranjador, cantor, marido, pai, irmão, etc.
Em muitos momentos do dvd as lágrimas aparecem e me pego perguntando porque estou vendo uma história tão triste, principalmente nesta época, com altas tendências à depressão...Mas o filme é de sobrevivência, forte e ao final otimista, como deve ser esta história. A primeira vez que o vi fiquei muito impressionado, queria fazer logo a resenha do disco, mas pensei que talvez devesse dar um tempo e vê-lo de novo mais tarde, o que fiz agora.
Também há muitos depoimentos, que algumas vezes colocam o Arnaldo (e os Mutantes) num nível de reconhecimento altíssimo, a saber:
- o Maestro Rogério Duprat diz com todas as letras que os Mutantes foram o que de mais relevante havia no movimento Tropicália, que inclusive foi objeto de um recente (e a comprar) dvd de documentário; pra mim faz todo o sentido, os Mutantes foram os primeiros (e além disso originais, criativos e competentes) a traduzir o rock'n'roll pra uma versão brasileira com cara própria - a Jovem Guarda o fazia sem mudar quase nada do rock estrangeiro, principalmente do italiano; e por mais que eu goste e admire Gal, Gil e Caetano, o rock brasileiro pra mim é muito mais importante e relevante do que a mpb; o Devendra Banhart chega a dizer que os Mutantes são melhores do que os Beatles!
- vários artistas e críticos (Lobão, Liminha, Roberto Menescal - que produziu este disco juntamente com Mazola, João Ulhoa - que produziu 'Let it bed' do Arnaldo, Tarik de Souza, Nelson Motta, Gilberto Gil, Sean Lennon - que cita um paralelismo interessante entre o Arnaldo e Syd Barret, Tom Zé, Kurt Cobain etc) ressaltam a importância do Arnaldo e do disco 'Lóki';
- contextualizando a autor e sua história, você ouve com muito mais atenção a 'densidade emocional' no disco, onde percebemos o quão exposto e corajoso o Arnaldo se pôs e, mais do que tudo, o quanto de alma e coração ele colocou no álbum.

E há mais que coração e alma: intensa dor, depressão, desespero e isolamento, delírios e imagens pessoais, problemas graves com drogas (principalmente o LSD que, como lembrado por várias pessoas, não é brincadeira não), frustração e decepção amorosa, angústia e solidão, sexo e ovnis, paranóias e incertezas, lucidez e loucura entrelaçadas, um grito desesperado de um jovem genial de 25 anos que tinha perdido a mulher e a banda. Mas que ainda tinha o rock'n'roll.

"Rock eu gosto porque é meu sangue. É minha vida, desde que nasci" (Arnaldo em entrevista à Ana Maria Bahiana, publicada no Globo em 1978).

É um disco de rock sem guitarras. Arnaldo tem a seu lado velhos companheiros: Liminha no baixo, Dinho Leme na bateria, Rita Lee (vocais de apoio em 'Não estou nem aí') e Rogério Duprat. Em alguns momentos Arnaldo se indispôs com os músicos, por se negar a refazer algumas faixas (por isso o disco é em alguns momentos muito cru e contém alguns pequenos erros).
É um disco feito com urgência e sofreguidão, visceral, o que em algum artigo aí abaixo o ligou coerentemente a 'Plastic Ono Band'.
Há uma grande mistura de gêneros: glam rock, boogie-woogie, rock progressivo, bossa nova, samba, rock'n'roll, música clássica etc.

Os dois lados originais iniciam-se com canções perguntas: o lado A 'Será que vou virar bolor' e o B com 'Cê tá pensando que eu sou loki?'.
Qual o futuro? O esquecimento? A loucura?
Cada música traz um pouquinho de resposta, ou melhor, um monte de procuras...

A minimalista canção final, 'É fácil', parece ter um resposta: a genialidade da música!
"Eu me amo
como eu amo você
é fácil"

"Hoje eu percebi que venho me apegando às coisas materias que me dão prazer
(...)
não gosto do pessoal da NASA
Cadê meu disco voador?"
(Será que vou virar bolor)

'Uma pessoa só' foi herdada dos Mutantes, utópica sobre a plenitude da convivência humana, traz um belo arranjo de cordas e versos lindos:
"Estamos numa boa pescando pessoas no mar
Aqui
Numa pessoa só"

'Não estou nem aí' é a exata antítese da canção anterior, negando os projetos utópicos e enfrentando o mundo material, o instant karma da vida cotidiana.
"Ontem me disseram que um dia eu vou morrer
mas até lá eu não vou me esconder
porque eu não estou nem aí pra morte
não estou nem aí pra sorte
eu quero mais é decolar toda manhã"

'Vou me afundar na lingerie' traz mais uma possibilidade, com muito humor: o hedonismo, o ócio, como destruidores das opressões e barras pesadas. (Antecipando ''Diversão é solução sim")
"quem já dançou sempre tem medo dos homens"

Finalizando o lado A, 'Honky tonky', instrumental onde Arnaldo passeia por estilos ao piano.

Iniciando o lado B, 'Cê tá pensando que eu sou loki?', que meio que cita a bossa nova e o disco do Tom com Sinatra.

'Desculpe' pode ser interpretada como releitura de 'Desculpe, Baby' dos Mutantes, e traz mais uma possibilidade de resposta: o Amor. Mesmo sendo 'uma das baladas mais corta-pulso da história'...
"Desculpe
se eu fiz você chorar
Te esqueça
Olha, o sol chegou
Diga-me o meu nome
Diga-me que você me quer
Sinta o pulso de todos os tempos
Comigo
Até quando, eu não sei
Mas desculpe
mas eu vou me fechar
não sou perfeito
nem mesmo você é
me abrace, diga-me o o meu nome
(...)
sinta o barato de ser humano
Comigo
até quando Deus quiser"

'Navegar de novo' traz uma resposta concisa: seguir em frente. Traz uma das primeiras críticas à nascente sociedade de consumo e sua superficialidade, mas com esperança.

'Te amos podes crer' é uma canção de amor, em menos de 3 minutos Arnaldo faz um tratado das dores de amores.
"é muito triste pensar em você como quem não vive depois da morte"

Finaliza com 'É fácil'. Que traz Arnaldo ao violão, com um impressionante domínio do instrumento, que não era seu principal.

No cd se perde uma coisa meio louca: os dois lados tem exatamente 16 minutos e 50 segundos.
E na ficha técnica: "Este disco é pra ser ouvido em alto volume".

Arnaldo não gostou do nome, imposto pela gravadora, nem da capa, além do que havia imaginado.
Logo após o lançamento, Arnaldo sofreu uma das suas primeiras internações psiquiátricas.

Sobre os anos pós-Loki: "Passei 4 anos num ostracismo. Não tinha ninguém, mulher nenhuma. Ninguém me queria. Não tinha amor. Aí me internaram, porque parece que fiquei uma pessoa violenta. E eu não quero ser uma pessoa violenta. Diziam que eu era. Me internaram. Agora estou bem. Cortei as drogas. Tomo uns remédios. Estou bem. (...) Não sou violento. A bateria é. O piano não consegue, por causa da amplificação" (Arnaldo na entrevista citada).

O dvd traz muita história anterior (Mutantes principalmente, infelizmente sem depoimento da Rita) e posterior, culminando com o retorno dos Mutantes, e os shows em Londres (2006) e em Sampa (2007).

Ana Maria Bahiana, na entrevista citada: "Subitamente pede licença, vai correndo ao palco cuidar, pessoalmente, das ligações elétricas de seu teclado Hohner. Se é possível ter certeza de algo, de uma coisa sei: ele não está brincando de pirado. Todo seu corpo, todo seu rosto está empenhado numa batalha surda e intensa, digna, que não tem nada a ver com as possíveis fantasias de sua ex ou atual plateia. Agachado atrás dos amplificadores, metodicamente checando fios e plugs, sobrancelhas cerradas, ele não parece um herói: está lutando por sua vida. Com todas as forças".

Links (de onde eu tirei muita informação e onde roubei uma ou outra frase...):
Wikipedia do Arnaldo
Wikipedia do 'Lóki?'
Wikipedia do 'Loki' (dvd)
site música estranha e boa
site do Arnaldo

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Fim de ano é época de Noel...



Para fechar o ano, resolvi fazer justiça com um dos grandes artistas da música brasileira que até o momento não foi citado, muito provavelmente porque na sua época não se produzia “discos” tal como conhecemos conceitualmente nos dias de hoje, tornando-se mais conhecido pelas suas composições tão gravadas que por algum disco específico. Trata-se de Noel Rosa.

Como nos anos 20 e 30 as gravações de canções eram esparsas, o disco citado aqui foi lançado primeiramente apenas em 1965 através do Selo MIS, do Museu da Imagem e do Som, que foi criado com o objetivo de resgatar registros de nomes notáveis da música brasileira. Mas foi inteiramente constituído por gravações realizadas entre os anos de 1930 e 1936. Mais recentemente, em 1997, esse mesmo disco foi remasterizado em processo digital, mas suas canções não perderam aquela sonoridade antiga, cuja audição faz lembrar os velhos vinis rodando com seus ruídos característicos. Foi essa versão quefelizmente caiu em minhas mãos, presenteado pela minha mãe, que possui um acervo de discos nacionais espetacular (e a ela que dedico essa resenha).

Seu garçon faça o favor..de me trazer depressa...um boa média que não seja requentada....Quem não conhece “Conversa de Botequim”, que abre o disco? Gravada em 1935 com o Conjunto Nacional, essa canção marcou não só a sua curta carreira, mas sim a história da música nacional a ponto de ser gravada diversas vezes por grandes nomes da MPB, como Chico Buarque, Maria Rita e João Nogueira (provavelmente a versão mais conhecida).

Depois de “João Ninguém” e “Arranjei um Fraseado” (arranjei um fraseado que já trago decorado para quando lhe encontrar...”), vem “Onde está a honestidade”, mais um clássico samba, regravado recentemente pela Paula Toller e pela Orquestra Imperial.

Adepto da boemia, Noel encontra nessa vida a maior inspiração para suas canções, como as seguintes “Provei, (Quem fala mal do amor...não sabe a vida gozar...quem maldiz a própria dor.. tem amo, mas não sabe amar) e “Você vai se quiser” (você vai ser quiser...você vai se quiser...pois a mulher não se deve obrigar a trabalhar...mas não vai dizer depois que você não tem vestido , que o jantar não dá pra dois), ambas gravadas  com Marilia Batista e Benedito Lacerda e seu conjunto.

Antes de completar 20 anos, no final de 1930, gravou “Com que Roupa”, que se tornou um seus maiores clássicos e fez grande muito sucesso no carnaval de 1931. Essa canção foi inspirada na ocasião em que sua mãe escondeu suas roupas na tentativa de impedir mais uma noitada.

Vivendo de trocados que conseguia com as suas composições, mas torrando tudo com bebidas e mulheres, Noel Rosa também transforma sua má relação com dinheiro em temas para músicas bem humoradas em “Quem dá mais?” e “Cordiais Saudações”. Até o lançamento desse disco, a versão de “Cordiais Saudações” aqui gravada estava inédita, já que o próprio Noel tinha classificado-a como “horrível” e rejeitado, para gravar outra com o Bando dos Tangarás. Terminou que essa versão ficou guardada por Almirante, um dos seus principais parceiros, e só foi revelada muito depois de sua morte.

Depois de desfilar seu bom humor com “Mulata Fuzarqueira” e “Coração” (na qual satiriza o tal sangue azul), o disco fecha com “Minha Viola”, canção em que faz uma ponte entre o samba e a legítima música caipira (estilo denominado como “embolada” no disco): Minha viola...tá chorando com razão....por causa duma marvada...que roubou meu coração.

A seleção das músicas nesse disco, por fim, ficou excelente. Mas é claro que com o repertório tão vasto, certamente muitas canções clássicas acabaram ficando de fora, como “Gago Apaixonado”, “Palpite Infeliz” ou ainda “Pra que mentir”. Mas de qualquer forma esse trabalho do MIS merece ser louvado. A se lamentar apenas o fato de que a falta de maiores cuidados com a saúde aliada à boemia acabou levando Noel Rosa muito cedo (com apenas 26 anos em 1937). Certamente ele teria deixado um legado muito maior. Mas o jeito é homenageá-lo da melhor forma: abrindo uma cervejinha e entrando no clima que esse disco consegue trazer.

Para escutar: http://grooveshark.com/#!/album/Noel+Rosa+E+Sua+Turma+Da+Vila/6399202

[Paul]

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Naná Vasconcelos - Contando histórias (Storytelling)



Chegamos a ele, o místico mas também excelente administrador de sua carreira internacional (inclusive morador de New York), eleito 8 vezes o melhor percussionista do mundo pela revista Down Beat!, o típico percussionista brasileiro mas extremamente original e reconhecível, Naná Vasconcelos.
A princípio vinculado ao Milton Nascimento, Geraldo Vandré, depois a Egberto Gismonti, depois o mundo, Paris, New York, Alemanha e por aí vai. E volta também, participando de PercPans ou homenagens em Recife.
Compõe muitas trilhas, para ballet ou cinema ('Down by law', 'Procura-se Susan desesperadamente', entre muitos).
Também produziu, entre outros, o Cordel do Fogo Encantado.

Tendo como principal instrumento, mas longe de ser o único, o berimbau, nesse disco explora muitas sonoridades e acompanhamentos de outros instrumentos, principalmente uma orquestra muito bonita.
Citando o próprio:
"(...) partindo do princípio de que o primeiro instrumento é a voz e o melhor é o corpo";
"A origem mais remota da percussão é a vida, porque se o coração não bater, não tem música, não tem vida";
"Hermeto é responsável pela ideia de que tudo é percussão. Você pode pegar qualquer coisa e fazer virar um instrumento".

O disco é bem etéreo, cheio de sons mais do que músicas, aparentemente, porque depois percebe-se que tudo é música. Em alguns momentos de experimentalismos lembra o polêmico 'Araçá azul' do Caetano, que ninguém tem coragem de postar aqui...



Assim 'Fui fuio (na praça)' começa com assovios e palavras quase faladas pelo percussionista que depois, com um 'auxílio luxuoso' de um pandeiro vira uma música bem legal que já faz você se mexer! Depois vai entrando uma bandinha de coreto e é só belezura.

Também com pequenos sons começa 'Cortina', mais um canto poderoso que depois é acompanhado de uma orquestra muito bonita, só ouvindo mesmo, difícil traduzir...Tema bonito, música crescendo!

'Clementina' começa com umas risadas gostosas do Naná, mas é mais tradicional, um samba de roda com berimbau e letra, balança e remexe...

'Uma tarde no norte' começa com ruídos e vozes, para depois entrar o canto próximo a uma cantiga de roda ''o meu chapéu é o alto do céu'', cantada por Naná e muitas crianças (o que reforça o aspecto de cantiga), citada no disco recentemente postado do Otto.

'Noite das estrelas': mais ruídos, agora noturnos, e um violoncelo que emerge como um dinossauro na noite, muito bonito mesmo! Mais vozes e percussões esparsas sugerem bem uma noite.

'Tu nem quer saber' é mais um samba de roda conduzido pelo berimbau, rebola aí. Ou tu não é neguinha?

'Um dia no Amazonas', 'Nordeste', 'Vento chama vento' e 'Tira o Leo' são as seguintes, com estruturas parecidas com as já citadas, mas cada uma tem sua sonoridade própria, estranha mas bonita, além de se utilizar de elementos variados (vozes, assovios, ruídos, instrumentos, coros de crianças, risos, percussões e até sanfona) e suas diversas combinações para compor sua textura e mensagem.
Parece viajante, e é! Mas mesmo 'purinho' dá pra curtir...

Links:

http://www.nanavasconcelos.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nan%C3%A1_Vasconcelos
blog multiplicidade
site gafieiras
site página da música


(Dão)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Brasil Musical - Pau Brasil/Hermeto Paschoal


Aproveitando o ensejo da citação do Hermeto Paschoal na postagem do Paulo Moura pelo Mateus, vamos a ele, juntamente com o grupo instrumental Pau Brasil, 'juntados' nesse disco dessa excelente série.
Tanto o Hermeto quanto o Naná Vasconcelos vieram à minha cabeça nesses dias, como artistas que faltam por aqui. O problema desses dois para mim é que, mesmo sendo reconhecidamente gênios, não tem AQUELE disco pelo qual sejam reconhecidos.
Mas mesmo assim, vamos preenchendo as lacunas...

Essa série do Selo Tom Brasil se originou de shows promovidos no SESC Pompéia/SP, com grandes nomes da música instrumental, que pela lotação, provou que também tem aceitação popular.
Esse cd aqui reúne o grupo Pau Brasil, que comparece com duas longas suítes contendo várias músicas, e Hermeto Paschoal, que traz mais 4 músicas.

As músicas:

(Pau Brasil)
1. Cordilheira dos Andes, Tubofone, Sem Nome
2. Metrópole Tropical, Olho D'água, Bambuzal

(Hermeto Paschoal)
3. Harmonia sem cronologia
4. Viajando pelo Brasil
5. Mesclando
6. Rainha da Pedra Azul

Não são de audição fácil, principalmente pela longa duração, as músicas do Pau Brasil, mas valem a pena o esforço, não pela virtuosidade ou complexidade, mas pela beleza e naturalidade, fluência e criatividade dos músicos e improvisadores. Tem uma bela voz (Marlui Miranda) fazendo papel de instrumento também, bonito mesmo! Na época, além da Marlui, o grupo era formado por: Lelo Nazarino, Zé Eduardo Nazarino, Rodolfo Stroeter e Teco Cardoso.

Mais informações sobre o grupo aqui: http://www.grupopaubrasil.com/

Sobre o Hermeto é difícil falar...um enorme gênio, criativo ao extremo, improvisador excepcional (o que o torna um compositor muito produtivo), faltam adjetivos. Tive a felicidade de conhecê-lo pessoalmente em várias ocasiões em Curitiba e aeroportos, o cara além de tudo é acessível e sem arrogância nenhuma, hoje ele é casado com a Aline Moreno, com quem já fiz um curso de música para trilhas sonoras de cinema.
Multi-instrumentista, toca qualquer coisa (literalmente, não precisa ser instrumento musical, já vi um show dele onde ele começou a improvisar, às vezes regendo a plateia, sobre aqueles sinais sonoros que avisam que o espetáculo vai começar) que lhe caia às mãos, sempre de um modo natural, o que é outro elemento que lhe inspira muito, a Natureza e seus sons, inclusive animais...
As músicas são típicas das composições de jazz brasileiro: exposição do tema, em geral com Hermeto na flauta, e posteriores improvisos e desenvolvimentos etc. Sempre em ritmos brasileiros, como o xote, maracatu e elementos do chorinho, sempre também animadíssimos e às vezes bem acelerados.

Como ele termina o livro com 366 partituras, uma para cada aniversariante de cada dia do ano, chamado 'Calendário do Som', "Tudo de bom sempre''!!!

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hermeto_Pascoal

(Dão)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Paulo Moura - Mistura e Manda (1984)



Naquele tempo o Léo dizia que iria comprar uma coletânea do The Who, e aí eu teria dois discos pra poder ouvir em casa (ou outro era o Dirty Work). Pudera, nesses tempos a trilha sonora da casa variava entre o jazzzzz e lançamentos recentes da MPB, “o novo do Caetano” (e este ‘aquele tempo’ era um tempo onde isso valia a pena), isqueiro ou fósforos de Djavan (coisa de acender), alguma coisa de rock nacional (Big Bang dos Paralamas tocou até furar) e este: Mistura e Manda.

Hoje o Léo tem uma menina linda e curte mesmo é um bom funk carioca, de tal forma que este post é dedicado a Helena, pra ela saber que o pai dela um dia já teve muito bom gosto.

Gosto mais do Chorinho que da Bossa-Nova e do que do Samba. Acho mais original e mais astral que um, e mais delicado e surpreendente que o outro. Ainda que neste caso, elementos típicos da gafieira comparecem em tempero preciso no disco, conferindo à definição “choro negro” seu exemplo perfeito.

Nascido no estopim da Revolução Constitucionalista em julho de 1932 no interior de SP (São José do Rio Preto), muda-se para o Rio em 1945 junto com a família de músicos.

Interrompi meus estudos na segunda série do "Ginásio Luiza de Castro", na Tijuca, para dedicar-me à música, com autorização de meus pais. Queria evitar a profissão de alfaiate que me fora imposta pelo José, meu irmão mais velho.” (http://www.paulomoura.com)

Clarinetista, saxofonista e maestro arranjador, Paulo Moura é sinônimo de música brasileira. Neste disco, lançado pela KUARUP (Produção Executiva e Direção Geral de Mario de Aratanha) o próprio artista assume a direção artística e a responsabilidade sobre os arranjos, tornando-o muito pessoal. O repertório é de muito bom gosto e inclui sete músicas, entre (não tão) clássicos e composições próprias:

Chorinho pra Você (Severino Araújo) / Chorinho pra Ele (Hermeto Pascoal) / Mistura e Manda (Nelson Alves) / Nunca (Lupicinio Rodrigues) / Tempos Felizes (Paulo Moura) / Caminhando (Nelson Cavaquinho e Nourival Bahia) / Ternurinha (K-Ximbinho)

Os músicos que tocaram no disco mostram um time seletíssimo (Rafael Rabello era então um menino de 22 anos...) e extremamente afinado com o projeto. Reparem que a presença de Zé da Velha no trombone e uma percussão “heavy metal” dão ar de gafieira em muitas das faixas:

Paulo Moura (clarineta); Zé da Velha (trombone); Rafael Rabello (violão de 7); Joel Nascimento (bandolim); Maurício Carrilho, César Faria e João Pedro Borges (violão); Jonas Pereira, Carlinhos do Cavaco, Mané do Cavaco (cavaquinhos); Jorginho (pandeiro); Neoci de Bonsucesso (tamtam); Joviniano (repique de mão e ganzá) e Gargalhada (caixa de fósforos).

Paulo Moura nos deixou recentemente em 2010, mas este disco acaba-lhe conferindo eternidade, graças a deus.

Que o maestro descanse em merecida paz, enquanto o redondinho vai girando incansável...

[M]

Nelson Freire interpreta Villa-Lobos


Acho que com esse cd fico tranquilo se o mundo acabar essa semana.

Faltavam esses dois grandes da música brasileira (claro que provavelmente faltem mais, mas no momento é o que me ocorre) e com um cd mato dois coelhos com uma cajadada (ou na versão popularesca, com uma 'caixa-d´água'...). Mais ainda, serve de sugestão para o mais novo bebê mufumu: o Chicão! Se bem que há tensão em algumas músicas (é mito que música erudita ou 'clássica' seja calma e/ou relaxante, acredite em mim), principalmente em 'Bruxa - a boneca de pano'.

Aqui está o internacionalmente conhecido pianista brasileiro Nelson Freire. Existe um documentário muito elogiado dele que infelizmente eu não vi, apesar da minha locadora preferida em Curitiba, a Cartoon, ter (fica a dica aos amigos curitibanos).

Aqui está também o gigante compositor Heitor Villa-Lobos, com um conjunto de oito peças inspirado em canções folclóricas: 'A prole do bebê', para piano, que encantou Arthur Rubinstein, grande pianista polonês, que passou a executá-las mundo afora.
São as peças (aviso: os nomes são pré era do politicamente correto):
'Branquinha - a boneca de louça',
'Moreninha - a boneca de massa'
'Caboclinha - boneca de barro',
'Mulatinha - a boneca de borracha',
'Negrinha- a boneca de pão',
'Pobrezinha - a boneca de trapo',
'O polichinelo' e
'Bruxa - a boneca de pano'.

Ainda tem 'Bachianas brasileiras nº 4', 'As três Marias' e 'Rudepoema'.

Essa informação e uma resenha mais específica, bela e especializada para conhecedores da música erudita encontrei aqui:
site Instrumental Brasil
(na verdade vi que é uma transcrição do encarte do cd, escrito por Luiz Paulo Horta, mas vale a visita ao site)

O que posso dizer é que um disco muito bonito, interessante mesmo aos sem maiores conhecimentos de música erudita, e que serve como boa introdução às obras desses dois brasileiros.

Nelson Freire lançou recentemente um disco com interpretação de mais Villa-Lobos e outros compositores (Camargo Guarnieri, Cláudio Santoro, Francisco Mignone, Lorenzo Fernandez, Barrozo Neto, Henrique Oswald e Alexandre Levy): 'Villa-Lobos & friends'.

Wikipedia sobre Nelson Freire
Wikipedia sobre Heitor Villa-Lobos

(Dão)

sábado, 15 de dezembro de 2012

Moacir Santos - Ouro Negro


Um dos maiores da música popular brasileira.
Um dos maiores desconhecidos da música popular brasileira.

Um dos Músicos dos Músicos.

"A benção Maestro Moacir Santos que não és um só, mas tantos, tantos como o meu Brasil de todos os santos, inclusive meu São Sebastião" ('Samba da Benção', Vinícius de Moraes)

Um exemplo do improvável: "transformar um negrinho do interior de Pernambuco, nascido menos de quatro décadas após a abolição da escravatura e órfão aos 3 anos de idade, em um dos músicos brasileiros mais reconhecidos, nacional e internacionalmente, em todos os tempos" (trecho retirado, como vários outros desta resenha, do encarte do cd e do Songbook).

"Tom Jobim dizia que, no Brasil, é proibido ao aborígene sair da taba. Moacir Santos foi um dos que saíram e o Brasil fez desabar sobre seu nome um manto de silêncio. Pois chega de silêncio. Nanã sabe das Coisas e diz que chegou a hora de o Brasil saber de Moacir, reaprender Moacir, merecer Moacir" (Ruy Castro)

Veio do interior para Recife, depois João Pessoa, Rio de Janeiro, Los Angeles, mundo. Você não conhece? Nunca ouviu falar? Envergonhe-se.

"Moacir foi Maestro, por concurso, da Rádio Nacional. Todos os músicos profissionais, naquela época, iam estudar música 'superior' com ele. Era um professor sensacional, meio metafísico, explicava a harmonia, os intervalos entre as notas, as dissonâncias, usando como exemplo as estrelas. Fui estudar com ele essas 'sabedorias', ficamos muito amigos e por causa dessa amizade ele começou a me mostrar as composições que fazia no piano e não mostrava a ninguém. Tocava para mim as músicas e dizia: - Olha essa 'coisa' que eu fiz, escuta essa outra 'coisa'." (Baden Powell)

A palavra 'Coisa' é muito usada pelo Maestro, arranjador, compositor e saxofonista Moacir José dos Santos. Nascido em Flores do Pajeú (na verdade ali foi registrado, o local de nascimento deu-se em local incerto do interior de Pernambuco, entre Serra Talhada, Bom Nome e Belmonte), em julho de 1926 (mesmo ano de Miles Davis e John Coltrane). Entregue a uma família branca 'remediada', teve instrução ginasial e musical, para sorte nossa. Aos 14 anos, dominando vários instrumentos de banda, além de banjo, violão e bandolim, fugiu: Serrânia, Arco Verde, Recife, Catro, Timabúba, João Pessoa, onde se torna sargento-músico da PM, depois integrando a legendária orquestra de Severino Araújo, de mudança para o Rio, onde chega casado com Cleonice.

"Sempre tive o anseio em produzir músicas com a catalogação erudita, como por exemplo Opus 3, Nº 1. Quando Baden Powell foi estudar comigo e me convidou para participar do disco com o baterista americano Jimmy Pratt, na antiga Phillips, o engenheiro de gravação perguntou o nome da música e eu respondi: 'Isso é uma coisa'...Aí me ocorreu a ideia de numerá-las." (Moacir Santos)

Ingressando na Rádio Nacional, RJ, como saxofonista, frequenta bailes também. Mas ao contrário de muitos de seus colegas, estudou sempre e muito, formando-se em Regência e tendo como mestres Cláudio Santoro, Guerra-Peixe, H. J. Koellreuter, de quem mais tarde seria assistente, e Ernst Kreneck, com quem aprende as manhas do dodecafonismo.

"A África não deixa em paz o negro, de qualquer país que seja, qualquer que seja o lugar de onde venha ou para onde vá." (Jacques-Stephen Alexis, poeta haitiano)

Começa algum reconhecimento depois de promovido a arranjador e regente na Rádio, ao lado de Radamés Gnatalli, Leo Perachi e Lirio Panicalli, sendo eleito pelos colegas da Rádio 'o músico do ano'.

Teve muitos alunos conhecidos e reconhecidos na música popular brasileira: Paulo Moura, Sérgio Mendes, João Donato, Raul de Souza, Doum Romão, Bola Sete, Roberto Menescal, Geraldo Vespar, Chiquito Braga, Nara Leão, Dori Caymmi etc, o que o incluiu como um dos patronos da bossa nova.

Paralelamente, o maestro trabalhou com muitas e importantes trilhas para o Cinema Novo brasileiro, entre eles os filmes 'Seara vermelha', 'Ganga Zumba', 'Os fuzis', 'O beijo' e o mais importante, 'Amor no Pacífico (Love in the Pacific)', que lhe trouxe a oportunidade de trabalhar com uma orquestra de 65 excelentes músicos e lhe abriu o mercado internacional, levando-o a se mudar para os EUA, em 1967. Lá, gravou discos solos, um deles indicado ao Grammy, deu aulas e compôs trilhas para cinema (tendo trabalhado até na equipe de Henry Mancini), construindo uma sólida reputação como compositor, arranjador e docente, membro que era da Associação de Professores de Música da Califórnia.

Repito aqui o que já foi merecidamente reconhecido por grande parte da melhor crítica musical: Moacir Santos produziu, nas décadas de 60 e 70, a música popular mais sofisticada e ao mesmo tempo mais enraizada nas tradições afro-brasileiras.

À época do lançamento desse disco, uma coisa que se repetia muito era que a única crítica que o disco merecia era relativa ao título que, por ter sido patrocinado pela Petrobras, poderia remeter ao petróleo e não ao Maestro...

Esse é um disco irretocável, mesmo sendo duplo. As músicas foram recriadas em cima dos arranjos originais, que haviam se perdido quando o selo Forma foi vendida à PolyGram (na época Philips e hoje Universal...), de vários discos: Coisas (Forma, 1965, este que já foi o disco mais valorizado no mercado dos vinis), Maestro (Blue Note, 1972), Saudade (Blue Note, 1974) e Carnival of Spirits (Blue Note, 1975).

Juntamente ou posteriormente (não tenho certeza) foram lançados o Songbook (que eu tenho mas pratico e leio pouco) e um DVD (que encontrei agora no site Livraria da Folha).

Muitos excelentes músicos participam do disco, entre eles Mario Adnet (que também o produziu junto com Zé Nogueira), Ricardo Silveira, Cristóvão Bastos, Marcos Nimrichter, Jorge Helder, Nailos Proveta, Teco Cardoso, Hugo Pilger, Jessé Sadoc, Marcelo Martins etc.

Algumas das músicas receberam letras (por Nei Lopes) e cantores: Coisa nº 8, Navegação (com Milton Nascimento), Sou eu (com Djavan), Orfeu (com Ed Motta), Maracatu, Nação do amor (com Gilberto Gil), Oduduá (com João Bosco), De repente estou feliz (com Joyce e João Donato) e Bodas de prata dourada (com Sheila Smith e Muíza Adnet).
A título de curiosidade, 'Coisa nº 6' tornou-se 'Dia de festa' com letra do Geraldo Vandré, gravada pelo próprio; aqui neste disco está a versão instrumental.

Comentar cada faixa seria uma tarefa muito além da minha capacidade de traduzir esta Música em palavras, além de ficar chato por todos os detalhes musicais, então dessa vez vou transcrever os comentários do próprio Maestro diretamente do encarte.

CD 1:

'Coisa nº 5 - Nanã': "Fico muito feliz de vocês terem gravado a versão original porque foi assim que ouvi e assim que fiz. É uma grande procissão."

'Suk-cha': "Foi uma rosa que ofereci à minha primeira nora que era coreana..."

'Coisa nº 6': "Essa música é uma festa..."

'Coisa nº 8 - Navegação': "A inspiração vem de uma música de Luiz Gonzaga, 'Vem morena' e um tema de filme americano, estrelado por Kirk Douglas, que tinha semelhança com a de Gonzaga. Apenas três notinhas foram suficientes para que construísse o meu tema. Se essas notas me impressionam é o bastante..."

'Amphibious': "Estava viajando de João Pessoa para Recife, era maestro da Rádio Tabajara da Paraíba. Assis tocava trompete na orquestra e tínhamos muita afinidade. Ele me mostrou a primeira parte do tema, que já havíamos batizado de Amphibious e em seguida, fiz a segunda..."

'Mãe Iracema': "É a história de José de Alencar, das duas tribos que estavam em guerra. Iracema flechou um índio rival, no olho, e ele não reagiu quando viu que se tratava de uma mulher. Ela correu para prestar socorro e então isso resultou em um grande amor entre os dois. Quando nasceu o filho ela pronunciou o nome Moacy que, em tupi-guarani, significa 'Oh, filho da minha dor'. Essa música é dedicada a todas as Iracemas..."

'Coisa nº 1': "Foi apenas um truque rítmico, um drible de Moacir Santos..."

'Sou eu [Luanne]': "Esse nome, Luanne, surgiu exatamente onde ele é cantado na melodia. Isso é coisa dos anjos..."

'Bluishmen': "Bluishmen são os negros que, de tão retintos, chegam a ser azulados. Esses são de uma tribo africana que fica na costa, na mesma direção do Ceará. Deve ter sido o mesmo lugar, na época que os continentes eram uma coisa só. A paisagem é a mesma, praias, coqueiros, palmeiras..."

'Kathy': "Foi feita a pedidos para a namorada do Rick, tropetista que tocava na minha orquestra nos Estados Unidos. Apesar do nome ter cinco letras, o fato da música ser em 5/4 é pura coincidência. Coisa dos anjos..."

'Kamba': "Essa foi composta logo que chegamos ao Rio, em homenagem ao nascimento do nosso filho. Cleonice estava na maternidade Clara Basbaum, em Botafogo, e quando liguei para saber notícias, ele havia acabado de nascer. Comecei a cantar esa música no trem, a caminho do hospital. Nessa época, morávamos ao lado de um terreiro, ouvia frequentemente cantos de umbanda, mesmo que não quisesse..."

'Coisa nº 9': "Isso é um lamento.''

'Orfeu [Quiet Carnival]': "Estava dando uma aula numa escola dos Estados Unidos, chamada Nova Music, quando terminei fui para casa e ouvi no rádio uma música que estava no hit parade das 10 mais, uma coisa muito repetitiva. Dessas eu faço uma dúzia na hora! Comecei a compor uma música cheia de repetições, mudando as notas no final de cada frase. Isso fez tanto sucesso entre os músicos, que diziam que ganharia o Grammy..."

'Amalgamation': "Estava começando um curso de música para cinema na USLA, no início dos anos 70 e comecei ese tema naquela época. Adoro quebrar formas tradicionais usando solos ad libtum antes de apresentar o tema. Essa música foi concluída há uns dois anos."

CD 2:

'Coisa nº 7 [Evocative]': "Uma brincadeira pianística..."

'Coisa nº 2': "Antes de ir para São Paulo dirigir a orquestra da TV Record, participei de um curso de música internacional, em Teresópolis. Lá aconteceu um fato simples mas que me impressionou. N passagem entre uma aula e outra, uma moça deixou cair uns desenhos no chão e eu a ajudei a pegar. Ela estudava artes plásticas; começou então a me mostrar seus trabalhos e um deles era a pintura de uma rosa. Ela disse: 'Isso é Villa-Lobos' - apontando para a rosa. Mais tarde, em São Paulo, tive uma sensação parecida ao tocar um exercício simples, em Si Bemol, do Método de Czerny. Lembrei da história do quadro 'Villa-Lobos'. A inspiração veio dessa sensação..."

'Lamento astral': "Nós morávamos ainda em Nova Iorque, no final dos anos sessenta. Uma noite Cleonice passou mal, eu a coloquei no chuveiro e saí desesperado pela rua, atrás de uma farmácia. Foi assim que surgiu essa melodia na minha cabeça"

'Maracatu, Nação do Amor': "Antes de gravar o meu primeiro disco nos Estados Unidos, mostrei ao dono da gravadora Blue Note a trilha que havia feito para 'Amor no Pacífico'. Ele gostou, mas pediu que eu gravasse mais músicas ritmadas, nada tão doce como aquela trilha. Voltando para casa, olhei para o céu azul, me lembrei do Brasil e comecei a cantar essa coisa africana..."

'Coisa nº 4': "Foi como imaginei os negros fugindo das senzalas. A melodia, com as notas longas, significa a esperança..."

'Coisa nº 10': "Essa também é um truque musical..."

'Jequié': "Isso é uma inspiração no modo lídio. Coloquei esse nome por causa de uma viagem que fiz à minha terra natal e passei pela cidade de Jequié"
(nota minha: modos são 7, originados da cada nota escala maior, muito utilizados na Idade Média, antes e paralelamente ao sistema de tonalidades, 'primitivo' mas sempre redescoberto e reinventado; o modo Lídio é aquele que você ouve no tema dos Simpsons, por exemplo)

'Oduduá': "Pr uma incrível 'coincidência' os letristas da primeira versão não sabiam da minha história quando escreveram a letra. Só fui descobrir meu nome completo e minha idade exata na década de oitenta, nos registros da Igraja das Flores. Acho que os anjos contaram a eles..."
trecho da letra:
"Diz, Oduduá, quem sou eu?
Pra onde vou? De onde vim?
Quem me fez voar tantos céus
Navegar, tanto assim?"

'Coisa nº 3': "Fui assistir a um filme francês e ouvi, pela primeira vez, o som das ambulâncias de lá. Voltei para casa compondo..."

'Anon': "Anon quer dizer sem nome, vem de anônimo. É inspirada em uma marchinha de carnaval que ouvi quando era criança, em Recife. Não sosseguei enquanto não fiz alguma coisa com ela. A capoeira apareceu no caminho..."

'Quermesse': "Compus esse tema na época da Rádio Nacional. Paulo Tapajóes era meu amigo e prometeu interceder a meu favor para ingressar no quadro dos maestros. Disse a ele que aceitaria desde que não interferisse nos meus estudos com Koellreuter. Escrevi a melodia para trompa e foi o meu tema para o programa 'Quando os maestros se encontram'. Mais tarde, nos Estados Unidos, transformei na festa que acontecia no pátio da Igreja de Flores"

'De repente, estou feliz': "Esta foi para Cléo, completamente"

'Maracatucutê': "Um tema típico de Moacir Santos que, de vez em quando, aparece na minha cabeça..."

'Bodas de prata dourada': "Esta foi composta em homenagem aos nossos quarenta anos de casados. Achei que talvez não chegasse às Bodas de Ouro"
[Moacir e Cleonice estavam casados há 54 anos em 2001, ano de lançamento deste CD]

Moacir faleceu em 2006.

Faça um favor a si mesmo, ouça!

Links:
Wikipedia
Tese de pós na UESC

(Dão)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Caetano Veloso - Transa



Tem discos que são citados pela qualidade de suas músicas, outros por marcarem época e outros ainda por trazerem consigo lembranças muito marcantes. Uns poucos conseguem unir tudo isso, e para mim, o disco Transa, de Caetano Veloso, encontra-se nessa categoria.

Embora gravado em 71 em Londres (lançado em 72), confesso que me recordo dele no verão entre93/94, quando foi uma espécie de trilha sonora durante uma viagem ao sul da Bahia com grandes amigos. Recordo-me com imensa satisfação da chegada das noitadas naquela casa e das horas que passávamos madrugada adentro ao lado de um modesto aparelho de som degustando cada trecho das músicas como se fosse um gole da última cerveja gelada. Inebriávamo-nos com esse disco, procurando fazer a mesma viagem entre Londres e Bahia que Caetano tinha feito 21 anos antes. Chegávamos a parar e voltar as mesmas canções uma, duas, três...várias vezes, com receio de que algo, alguma mensagem, algum som, algum sentido passasse desapercebido por nós. Foram momentos memoráveis... e fico feliz em constatar que isso ocorreu com um disco desse calibre.

Gravado em seus últimos dias de exílio em Londres, o título soa como uma provocação sutil ao regime militar brasileiro, que segundo consta, tinha sugerido que ele gravasse algo enaltecendo a transamazônica, o “cartão postal” dos militares naquela época. Caetano simplesmente retirou a “amazônica” da referência.
Em apenas sete canções (três das quais com mais de 6 minutos, uma ousadia na época), das quais cinco de autoria própria, Caetano transita entre o inglês e o português para nos levar para o clima nostálgico que estava vivenciando pessoalmente, com a perspectiva de retorno ao Brasil naqueles anos de chumbo após três anos de exílio voluntário.

No auge de sua inspiração, Caetano foi vitorioso na sua empreitada de transmitir pelos sons e palavras aquele contexto. O inglês predominante na maioria de suas canções é quebrado de forma ao mesmo tempo suave e repentina com belos versos em português de forte influência de Caymmi (pelo menos sob a minha ótica), como em “You don’t know me” ou “It’s a long way”: A água com areia brinca na beira do mar... A água passa e a areia fica no lugar.

Impossível não se emocionar até mesmo com os trechos repetidos e acelerados de canções como “Neolithic Man”, “It’s a long way” ou ainda em “Mora na Filosofia”.

As canções em português também merecem destaque especial. “Triste Bahia” é um poema de Gregório de Matos musicado por Caetano que tem um resultado belíssimo, a começar com o som do berimbau, que para mim transmite fielmente a alma daquele momento: Triste Bahia, oh, quão dessemelhante…Estás e estou do nosso antigo estado...Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado...Rico te vejo eu, já tu a mim abundante.

Pra que rimar...amor e dor...Por fim (sem que seja a última do disco), Caetano resgata um velho samba de Monsueto Menezes, transformando-o em outra belíssima versão com um arranjo totalmente diferente e novamente enriquecida de nostalgia (não por acaso, nome da canção que encerra o disco, com letra em inglês novamente).

Enfim, optei por não descrever cada música já que não encontraria palavras para descrevê-las  da forma como merecem. O que recomendo é simplesmente repetir a experiência do verão de 93/94: peguem esse disco, escutem e simplesmente entrem no clima. Talvez assim a rima de amor e dor passe a fazer outro sentido.

Obs: menção especial a todos os amigos que participaram daquela viagem no verão de 93/94, como Léo Baiano (que levou o acervo do Caetano para aquela viagem), Digão, Zedu, Valdemar e Luiz Marcelo Baiano (que organizou a viagem), entre outros. 
[Paul]

Tribalistas



Há alguns meses, a revista Playboy, deu provas concretas da decadência que atinge todo o grupo Abril ao tentar, com críticos de própria editora, oriundos de publicações medíocres como a Veja ou Contigo, elaborar uma lista do que seriam os 10 piores discos nacionais, e citou, juntamente com artistas renomados, os Tribalistas. Certamente a intenção devia ser polemizar, mas certamente nem isso conseguiu diante da baixa qualidade dos textos e da falta de conhecimento dos seus “críticos”. Dentro de um cenário de axé music, sertanejo universitário e outros estilos que tocam por ai que não apareceram, citar como pior nomes como Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Rita Lee e o próprio Tribalistas soa como algo completamente ridículo.

Mas deixando as polêmicas de lado, ou até mesmo para reforçá-las, acho que esse disco merece sim aparecer em lista, mas certamente entre os melhores. Está certo que a superexposição de algumas canções na época do lançamento (incluídas em trilhas sonoras de novelas), acabou desgastando-as, mas nada que desmerecesse esse trabalho que, do meu modo de ver é, antes de tudo, resultado de uma sintonia natural entre três grandes artistas em um momento único da carreira de cada um.

Produzido pela própria Marisa Monte (que novamente caprichou no encarte, contemplando cifras) e contando ainda com participação Dadi Carvalho, Cézar Mendes e Margareth Menezes entre outros, o disco inicia com um sonoro Bom dia Comunidade na voz de Arnaldo Antunes em “Carnavália”, uma verdadeira canção abre-alas, na qual se sobressai o perfeito casamento vocal entre Marisa Monte e Arnaldo Antunes, levados por uma percussão de Carlinhos Brown que parece feita sob medida para o disco: Vamos pra avenida ...Desfilar a vida...Carnavalizar.

As duas canções seguintes (“Um a Um” e “Velha Infância”) são baladas que estouraram nas rádios na época do lançamento e de tanto tocarem, acabaram cansando um pouco. Mas isso não tira o mérito de serem boas canções de amor.

“Passe em casa” é uma das melhores em minha opinião: música leve, solta, com uma percussão bem original criada por Carlinhos Brown. É daquelas músicas que dá gosto em ouvir.

Em “O amor é Feio”, destaca-se o barítono Arnaldo Antunes em primeiro plano, com arranjo que dá a cara de música infantil, daquelas de boa qualidade que foram produzidas recentemente.

Depois das canções “É Você” e “Carnalismo”, que possuem a cara (além da voz) da Marisa Monte e poderiam facilmente ter saído de um de seus últimos discos (músicas que ultimamente não deixam muita saudade), “Mary Cristo” é praticamente uma doce canção de natal, ideal para ser ouvida nessa época do ano (dezembro).

...quem está falando é a fada madrinha. Iniciando com a fala de uma criança, neta de Chico Buarque, “Anjo da Guarda” é outra que parece música para criança, acompanhada por uma riqueza de sons e percussão bem criativa.  ‘La de longe” vai no mesmo ritmo, transmitindo aquela suavidade tão predominante na maior parte desse disco, assim como “Pecado é lhe deixar de molho”, a canção seguinte.

Eu sou de ninguém...eu sou de todo mundo... e todo mundo é meu também...: “Já sei namorar” é outra que teve como maior pecado a superexposição na época, com o consequente desgaste natural. Mas nada que uma quarentena não resolva. Depois de alguns anos, agora consigo voltar a escutar e, melhor ainda, curtir como ela deve ser. Sem pretensão e bastante original.

Pé em Deus...e Fé na Taba. O disco encerra com “Tribalistas”, praticamente uma canção manifesto que consegue transmitir em alto astral a ideia (e a naturalidade) de como o disco foi concebido. Um resultado de um encontro de três músicos que estavam em perfeita sintonia no exato momento: dois homens e uma mulher...Arnaldo, Carlinhos e Zé (apelido da Marisa, decorrente de Marisete).

Como os próprios autores definem, esse disco foi resultado natural de um encontro sem pretensões na Bahia (para depois ser gravado no Rio). As músicas foram nascendo com naturalidade, sem pressões, decorrente de uma sintonia que já se fazia presente nos discos solos de cada um deles. Trata-se de um momento em que a carreira de cada um deles convergiu e o disco foi o filho de parto normal. Depois cada um continuou o seu caminho. Talvez até mesmo o sucesso do disco na época tenha surpreendido-os também (mais de 1,5 milhão de cópias vendidas em época já com internet).

Como a própria canção que encerra o disco previu, “o tribalismo é um antimovimento... que vai se desintegrar no próximo momento”. Percebe-se que, de cara, o disco era mesmo para ser mesmo um filho único desse encontro de parceiros musicais.

Quanto às críticas, também souberam responder com alto estilo no próprio disco, afinal os tribalistas já não querem ter razão...não querem ter certeza, não querem ter juízo nem religião.

[Paul]

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Celso Blues Boy - Som na guitarra


Essa semana vou postar alguns artistas que me deixam até culpado de não estarem por aqui, começando pelo saudoso e recentemente falecido Celsuba!
Por coincidência acabei de ler o post duplo sobre o 'Abre-te Sésamo' do Raul, onde o Mateus cita o Celso, que começou tocando com o Raulzito ('Liberdade' é co-autoria do Celso com Raul!) e Sá & Guarabira, eu acho.
Depois seguiu sua carreira solo, gravando Blues com a cara brazuca, sempre em português. Mesmo tendo escolhido seu nome artístico em homenagem ao B. B. King, com quem tocou e compôs.
Recordista em apresentações no Circo Voador, RJ (só competindo com a Orquestra Tabajara, cujo maestro também nos deixou esse ano), ir a um show dele no Circo era um tipo de iniciação nos anos adultos, sempre tinha um ou uma padrinho ou madrinha pra nos iniciar naquele ambiente divertido, liberal, exótico, engraçado e perigoso, principalmente se nossos pais soubessem como era liberal... Não lembro quantos shows vi dele, aliás, não tem dado pra confiar muito na minha memória ultimamente.
Nascido Celso Ricardo Furtado de Carvalho, conseguiu alguma projeção ao mandar um 'fita k7' (artefato analógico do século passado) para a Rádio Fluminense, que mesmo tendo um repertório mais voltado pro rock, tocava quase de tudo. Tempos diferentes, os Paralamas também tiveram 'Vital e sua moto' tocada assim, numa versão demo que até hoje não saiu em cd...
Mas tergiverso...

Esse é o primeiro álbum solo, e já é excelente, 'antológico' como disse bem o Jamari França, tendo músicas que permaneceram no repertório até o fim de sua vida, quando já morava em Joinville.
"Som na guitarra!!!!!" Começando pela clássica 'Aumenta que isso aí é rock'n'roll', o disco não tem como não agradar, Celso tem uma vibração rock mas raízes blues, e conseguiu fazer boas letras em português ao longo de sua carreira. Mas aqui é puro rock!
Para em seguida cair no puro blues 'Fumando na escuridão': aquele riff manjado roubado do Led/Muddy/John Lee Hooker, bom pra ouvir fumando, coisa que aliás levou ao câncer de garganta do nosso herói...
"não há ninguém nesse maldito vagão
eu continuo
fumando na escuridão"
'Tempos difíceis' é mais pop rock, com boas melodias e guitarras alternando entre o riff e a calma, com um belo solo.
"Porque chorar não vale mais a pena"
Aí vem um dos maiores clássicos underground do cara, 'Brilho da noite' (que já havia saído na coletânea 'Rock voador' da Warner), que eu não sei se é uma metáfora pra outro tipo de brilho (tenho impressão de ouvir uma fungada no meio da música)... Bluezão!! Piano bonito, melancolia e muito sentimento, tanto na voz quanto no solo chorado e cheio de reverb.
"Quando o dia amanhece
o brilho da noite se vai"
'Amor vazio' começava o lado B, acho. O disco inteiro desce redondo, agradável e animado apesar de blues, caprichado e natural.
"eu continuo aqui mesmo sozinho
sentindo calor
tremendo de frio"
'Rock fora da lei' é um blues rock quase americano em Memphis, Tenessee, legal, com um refrão do tipo que levanta a galera e solo cheio de drive.
'Filhos da bomba' é quase um hard rock, fruto da paranóia de medo da guerra nuclear (eu sonhava com a bomba nessa época, alguém mais?), tem até aquela sirene típica, música meio datada e diferente (tem até uma voz meio operística/metal), com solo mais virtuosístico com várias guitarras.
'Blues Motel' encerra o disco suavemente, com lirismo e beleza, apesar da guitarra bluesy gritando nos seus momentos de solo.
"marcas de batom
uísque na cama
e a emoção de uns
no coração do blues"

Descanse em paz, Celsuba.

Mais fontes de informação:
Jamari França sobre a morte de Celso
ahtabom
Wikipedia

(Dão)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Candeia - sucessos + raridades

E pra encerrar a semana, um exemplar do 'puro' samba, se é que isso existe. Eu tendo a concordar com o Hermano Vianna no seu excelente 'A invenção do samba', reverberado explicitamente pelo Fred 04 num álbum que em breve será resenhado pelo amigo Mateus 'É tudo uma grande invenção'...
Em geral as coletâneas não são bem-vindas por aqui, mas esse tipo e-collection é bem legal porque traz sucessos e raridades. Tenho alguns em casa (Tom Jobim, Ultraje, Ed Motta, Kid Abelha, Barão, Titãs) e todos eles trazem coisas interessantes. Como esse é o único disco (pois é, eu ainda compro; quando eu morrer, provavelmente uns meses depois a indústria vai sentir um baque e mandar uma coroa de flores...) que eu tenho do Candeia, vai ser este mesmo.

Sambista, cantor e compositor, foi grande defensor das tradições afro-brasileiras, tendo até mesmo criado (diz a lenda) as Comissões de Frente das escolas de samba e também fundado a Escola de Samba Quilombo. Faz parte do panteão de grandes nomes da Portela.
História triste, levou um tiro na coluna que lhe tirou o movimento das pernas e o levou à aposentadoria, o que por sua vez, o permitiu se dedicar exclusivamente ao samba.

Obteve mais popularidade através de intérpretes, como Clara Nunes, que gravou 'O mar serenou' no LP de sucesso 'Claridade', ou Martinho da Vila, que gravou o pout-pourri 'Em memória de Candeia' (Dia de graçaFilosofia do sambaDe qualquer maneiraPeixeiro grã-fino e Não tem vencedor) no disco 'Tá delícia, tá gostoso'.

Eu, como quase ignorante do sambista, presto aqui a minha homenagem através desse álbum (que descobri que contém os álbuns 'Axé: gente amiga do samba' de 1978 e 'Luz da inspiração' de 1977, além de outras faixas), que contém as seguintes músicas:

Disco Sucessos:
1. Riquezas do Brasil (Brasil Poderoso)
2. Maria Madalena da Portela
3. Olha o samba Sinhá (samba de roda)
4. Vem menina moça
5. Nova escola
6. Já curei minha dor
7. Luz da inspiração
8. Me alucina
9. Falso poder
10. Era quase madrugada
11. Cabocla Jurema

Disco raridades:
1. Pelo nosso amor
2. Não vem (assim não dá)  [com Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros e Guilherme de Brito]
3. Sou mais o samba  [com Dona Yvonne Lara]
4. Expressão do seu olhar
5. Pintura sem arte
6. Ouro desça do seu trono
    Mil réis
7. Vivo isolado do mundo
    Amor não é brinquedo
8. Zé Tambozeiro
9. Dia de graça
10. Gamação
      Peixeiro granfino
      Ouço uma voz  [sobre texto de Nelson Amorim]
      Vem amenizar
11. O invocado
      Beberrão

Tenho impressão (não tenho o cd em mãos agora) que 'Vivo isolado do mundo' foi regravado no álbum, já resenhado aqui pelo Paulinho, 'Tudo azul', com a Velha Guarda da Portela, sob direção da Marisa Monte, fã do sambista e portelense. (errata: talvez haja outra música do Candeia nesse 'Tudo azul', essa aqui foi regravada pelo Vinícius Cantuária no disco 'Tucumã', se não me engano)

Mais fontes de informação:
Wikipedia
Só Candeia
Musparade (site gringo de compra de músicas)

(Dão)

Hoje o post é dedicado ao histórico e já saudoso Barney.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Virgulóides - Virgulóides?



Como ainda é a semana do samba (se não é, instituí agora!), vamos para mais misturas com o gênero.

Anteontem, quando estava comentando sobre o Marcelo D2, lembrei dessa outra mistura aqui, que também é interessante, mas por ser engraçadinha, não foi levada a sério, se é que deveríamos...

Aqui não é samba com rap, é samba com rock, e rock pesado. Com alguns momentos de metal, pagode e axé...

O nome vem da mistura de Virgulino (Lampião) com o saudoso desenho do Herculóides (homem-mola, multi-homem e homem-fluido, você lembra se tem mais de 40).
Como toda piada, mesma as boas, é engraçadíssimo na primeira vez que você ouve, mas nas seguintes vai perdendo a graça, até chegar no ponto da irritação. E isso se aplica à mais bem sucedida piada musical do Brasil, os Mamonas Assassinas (que merecem um post sim). Aqui há um humor fluente, e eles criam historinhas legais.
A produção é do sempre competente e criativo Carlos Eduardo Miranda, que também produziu os Raimundos, que por sua vez também participaram do disco seguinte dos Virgulóides, 'Só pra quem tem dinheiro?' (por que sempre tem uma interrogação???)

A banda é formada por Henrique Lima (voz, violão e guitarra), Beto Demoreaux (baixo e voz) e Paulinho Jiraya (bateria, percussão e cavaquinho), tendo como músicos de apoio Marcelo Fumaça (backing vocal, guitarra base e cavaquinho), Negreli (percussão e backing vocal) e Biroska (percussão).
É uma galera 'dafa' (como dizem meus amigos aqui do blog), se não de verdade pelo menos em aparência e atitude..São de Cidade Dutra, zona sul de sampa.

A primeira e mais conhecida música, 'Bagulho no bumba', foi MUITO tocada, então saturou mesmo, mas é legal, cavaquinho alternando com guitarra bem distorcida, vocais bem colocados.
"É, é, é, eu acho que o bagulho é de quem tá de pé"

Em seguida 'House da madame'.

As músicas são todas curtas e relativamente parecidas, alternando entre o samba e o rock, em alguns momentos até hardcore bem acelerado, como em 'Zoião de Sapo-boi'.
"ô meu filho, aonde é que você foi?
Só chega de madrugada,com os zoião de sapo-boi"

'Festa na Dona Teta' tem até uma slide guitar maneira e pesadona, além de um solo bem metal no meio. É um disco interessante e muito original, que funciona tanto num churrasco quanto numa audição solitária (totalmente!) sem preconceitos, com alguma tolerância... As letras, apesar de muito humor, também tem um pouco de sarcasmo, pouco percebido pela massa.

'Sebunda-feira' começa mais lenta, depois volta pra fórmula, meio samba, depois marcha de carnaval.

'Dum dum' (música tradicional sul-africana!) é meio (pra não dizer totalmente) sem sentido, mas vale pela diversão...e dá aquela manjada subida de tom no meio, pra animar!

'Salve o cabra-macho' já começa um pouco diferente, com uma guitarra suingada com wah-wah, que alterna com uma outra mais pesada, aquele canto arrastado e paulistano até a alma...legal, meio machista mas engraçada.
"salve, salve
o cabra-macho em extinção
pois do jeito que a coisa tá indo
só sobra viado e sapatão"

'Nego velho (o mano véio)' é daquelas adaptadas tipo 'esporrei na manivela'.

'Raimunda' nem precisa dizer sobre o que é...
"ô Raimunda
joga essa bunda pa gente"

Pra terminar uma marchinha com sopros meio malucos, 'Qué picá'.

Fontes de mais informação:
Saqueando a cidade
Wikipedia

(Dão)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Marcelo D2 canta Bezerra da Silva


Depois do dia do samba, 02 de dezembro, fazemos a nossa singela homenagem a esse gênero que agoniza mas não morre, principalmente a recriações como a do próprio D2, que o misturou ao rap (ou mesmo ao som mais pesado, como no primeiro disco do Planet Hemp).
Aqui ele é bem reverente ao Mestre da Malandragem, Bezerra da Silva, não misturando nada e mudando bem pouco as letras.
A capa é uma adaptação de uma do próprio Bezerra, do disco 'Eu não sou santo'...em vez de revólveres, como no original, aqui D2 usa microfones.
Não tem muito o que comentar sobre as músicas, são do repertório do Mestre Bezerra, que na verdade pouco compunha, garimpando as pérolas que gravava nos subúrbios, onde encontrava excelente compositores.

Começa muito bem, 'Se não fosse o samba'. Eu ainda prefiro nesse caso o original, que começa só com o vozeirão do Bezerra, mas vale muito a homenagem.
"E se não fosse o samba
quem sabe hoje em dia eu seria do bicho.
Não deixou a elite me fazer marginal
E em seguida me jogar no lixo"
(esclarecendo, 'do bicho' no dialeto carioca não quer dizer necessariamente ligado ao jogo do bicho, e sim ser marginal, do crime etc)

Seguindo vem muitas outras boas (claro que sinto falta de algumas geniais, como 'Bebeu demais' e 'Tem coca aí na geladeira'): 'Partideiro sem nó na garganta' e a genial 'A semente'.
"Meu vizinho jogou
Uma semente no seu quintal
De repente brotou
Um tremendo matagal (Meu vizinho jogou...)
Quando alguém lhe perguntava
Que mato é esse que eu nunca vi?
Ele só respondia
Não sei, não conheço isso nasceu ai
Mas foi pintando sujeira
O patamo estava sempre na jogada
Porque o cheiro era bom
E ali sempre estava uma rapaziada
Os homens desconfiaram
Ao ver todo dia uma aglomeração
E deram o bote perfeito
E levaram todos eles para averiguação e daí...
Na hora do sapeca-ia-ia o safado gritou:
Não precisa me bater, que eu dou de bandeja tudo pro senhor
Olha aí eu conheço aquele mato, chefia
E também sei quem plantou
Quando os federais grampearam
E levaram o vizinho inocente
Na delegacia ele disse
Doutor não sou agricultor, desconheço a semente"

(dialeto do Bezerra: patamo é aquela van antiga da polícia, o 'veraneio vascaína')

Mais na sequência: 'A necessidade' (cantada com alguém que não consegui descobrir no encarte, acho que é o  Leandro Sapucahy) e 'Bicho feroz', que um amigo insensato ou provocador já cantou (como músico contratado!!) numa festa de policiais...
"Você com revólver na mão é um bicho feroz
Sem ele anda rebolando e até muda de voz
( Isso aqui...cá pra nós )"

'Quem usa antena é televisão', 'Meu bom juiz' e 'Malandro rife' mantém a bola no alto, Bezerra merece.


'Pega eu' é um bordão muito usado 'nas internas' entre nós colaboradores do blog como provocação, mas a música é sobre um ladrão que se arrepende ao entrar num barraco de alguém muito pobre e aqui vem ela sorridente e quase igual à original.
"Eu não tenho nada de luxo
Que possa agradar um ladrão
É só uma cadeira quebrada
Um jornal que é meu colchão
Eu tenho uma panela de barro
E dois tijolos como um fogão
O ladrão ficou maluco
De vê tanta miséria
Em cima de um cristão
Que saiu gritando pela rua
Pega eu que eu sou ladrão!"

Pra completar a manjada 'Malandragem dá um tempo' ("vou apertar mas não vou acender agora", você conhece...), 'Minha sogra parece sapatão' (engraçadíssima, menos pras sogras), 'Na aba' ("na aba do meu chapéu você não pode ficar, meu chapéu tem aba curta, você vai cair e vai se machucar", sobre os pidões e folgados), 'Saudação às favelas' e 'Pai véio 171'.
Pra finalizar vem uma dedicatória do Marcelo ao Bezerra, um ídolo que se tornou um amigo e figura paterna, só com uma batucada ao fundo, expondo sua saudade e como está o mundo desde que ele se foi, em 2005. Ao final, parece que D2 realmente se emociona. Tocante.

Em homenagem aos compositores quase desconhecidos que o Bezerra e o Marcelo cantaram, segue a lista das músicas com seus autores:
"Se Não Fosse o Samba" (Carlinhos Russo/ Zezinho Vale)
"Partideiro Sem Nó na Garganta" (Franco Teixeira/ Adelzonilton/ Evaldo Gouveia)
"A Semente" (Felipão/ Roxinho/ Tião Miranda)
"A Necessidade" (Jorge García)
"Bicho Feroz" (Claudio Inspiração/ Tonho)
"Quem Usa Antena É Televisão" (Celsinho Funda da Barra/ Pinga)
"Meu Bom Juiz" (Beto Sem Braço/ Serginho Meriti)
"Malandro Rife" (Ary do Cavaco/ Otacilio da Mangueira)
"Pega Eu" (o Supra Sumo da Honestidade) (Criolo Doido)
"Malandragem Dá um Tempo" (Popular P./ Adelzonilton/ Moacyr Bombeiro)
"Minha Sogra Parece Sapatão" (Roxinho/ Tião Miranda/ 1000tinho)
"Na Aba" (Trambique/ Paulinho Correa/ Ney Silva)
"Saudação as Favelas" (Pedro Butina/ Sergio Fernandes)
"Pai Veio" (Luiz Moreno/ Geraldo Gomes)
"Caro Amigo Bezerra" (Marcelo D2)   

Produção de Leandro Sapucahy

Fontes de informação:
Discoteca nacional
Revista Época

(Dão)