quinta-feira, 31 de maio de 2012

A estréia: Titãs, 1984



Alguns poucos discos de estréia são definitivos, daqueles que já mostram a que vieram: mostram bandas/artistas cientes do que querem e seguros sobre como chegar lá e são o ponto alto da carreira destes mesmos artistas.

Não é o caso do primeiro dos Titãs. E, cá pra nós: ainda bem. Tinham acabado de abandonar o infeliz nome de Titãs do Iê-iê-iê, mas não totalmente o som. O baterista ainda era André Jung (hoje no Ira!) e o baixo era dividido entre Paulo Miklos e Nando Reis.

E o que temos aqui? Pelo menos metade do disco não chamaria a atenção de qualquer um que tenha vivido a época. Babi Índio, Pule, Mulher Robot, Demais, e Seu Interesse são canções que dificilmente a banda tocaria ao vivo poucos anos mais tarde, depois de realmente estourar. E dificilmente vão aparecer em alguma coletânea do gênero “O Melhor de”. Outras receberam um dose de desfribilador, com versões ao vivo: Marvin e Querem Meu Sangue (que também deve um pouco de sua popularidade à versão do Cidade Negra em 1990-e-poucos).

Outras são mania de fãs da banda, A Balada para John e Yoko por exemplo eu acho muito boa, uma feliz adaptação para o português feita por Sérgio Britto desta canção de “segunda” dos Beatles (não, não tô depreciando! Quanta gente por aí que em 40, 50 anos de carreira não consegue chegar nem perto de uma canção de “segunda” dos Beatles). Tá certo que a versão original ficou (inteligentemente) quase intocada, mas tem um arzinho new wave tupiniquim.

O que foi pro rádio e pro inconsciente coletivo foi Go Back, Toda Cor (essa, juro!, eu sempre esqueço e, depois que ouço, sempre me lembro de novo...) e a magnífica Sonífera Ilha, que nos enganou a todos até Cabeça Dinossauro, quando o produtor Liminha conseguiu sabe-se lá como (esta é a impressão que fica a partir desta estréia) desenterrar o potencial agressivo da banda.

O maior mérito deste álbum de estréia é que eles não desistiram. Fizeram um segundo disco desprezível, onde se salvava apenas a (ótima! Fantástica!) Televisão e não desistiram. O primeiro dos Titãs é um retrato fiel de onde eles estavam na época, um disco honesto. Ouve-se uma banda experimentando caminhos, Nando Reis e o reggae (que depois ele abandonaria quando abraçou a carreira solo... ou estará em período de latência?), parceiros de fora (o ex-membro da banda Ciro Pessoa e Barmack em Sonífera Ilha, Babi Índio e Toda Cor; Torquato Neto em Go Back), versões em português (Marvin, Querem Meu Sangue e a já citada Balada). Além do som, o visual e o astral da banda eram outros, sugiro conferir o excelente documentário de Branco Melo, A Vida até PArece uma Festa. A oportunidade de conferir os estreantes nos palcos de Bolinha, Chacrinha, Raul Gil, Fausto Silva (ainda um Perdido na Noite) e Sílvio Santos é impagável.

Enfim, uma obra indefinitiva e inacabada. Sorte de quem teve paciência pra esperar o que viria depois...

[M]

terça-feira, 1 de maio de 2012

Criolo - Nó na Orelha



Depois de resenhar um disco de 1965, resgatando a importância histórica do Sergio Mendes, resolvi dar um salto de quase 50 anos e escrever sobre um trabalho muito mais recente, mas que certamente também será bem lembrado daqui a meio século.

Para começo de conversa, Criolo (que até pouco tempo era Criolo Doido) disponibiliza em seu site oficial o disco para baixar gratuitamente (www.criolo.net). Ponto positivo, que demonstra que além de estar conectado, sabe – talvez melhor do que muita gente por ai – que nos tempos atuais mais do que tentar inutilmente criar mecanismos para dificultar o download de suas músicas, o mais importante é utilizar de forma positiva as mídias atuais para divulgar o trabalho. E funciona, além de demonstrar, mais uma vez, uma postura simpática perante o público. Só que obviamente o fato de ter respostas inteligentes e postura simpática perante o público não seria suficiente para ser incluído nesse blog se tivesse algum disco realmente digno de nota.

Com a carreira mais fortemente fixada no rap desde 1989, nesse seu último disco (o segundo de estúdio) ele optou por misturar gêneros, estilos e instrumentos de forma muito inteligente e, certamente, isso contribuiu para que tivesse maior reconhecimento.

O disco inicia-se com “Bogotá”, uma inteligente letra com um estilo de dificílima definição, levada ao som de trompete e saxes. Gosto disso. “Subirusdoistiozin", a seguinte, tem uma pegada mais próxima às suas raízes e já tinha sido lançada anteriormente como single, sendo uma das mais conhecidas, pelo menos para mim.

Pausa para uma balada triste em “Não existe amor em SP”, um retrato belo da sua própria cidade, paradoxalmente dona de uma efervescência cultural e triste impessoalidade, retratada tão bem na letra dessa canção.

A mudança de ritmos e estilos continua em “Mariô”, com uma pegada que lembra sons de umbanda com uma crítica social. Me perdoem os que conhecem aspectos de umbanda se falei besteira aqui, mas foi apenas uma referência sem nenhum rigor científico implícito nessa definição.

“Freguês da meia-noite” é quase um tango com todo o drama inerente ao estilo, que tem a cidade de São Paulo como palco. Como se não bastasse ser uma bela canção, tem um clipe excelente, muito bem feito (com qualidade HD) que vale a pena ver e ouvir no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=cAT8lM0gVQk.

Nova reviravolta com “Grajauex”, som em que suas raízes do rap retornam com toda força. Até mesmo eu que não sou muito desse estilo, gostei dessa. Já o histórico de letras engajadas que combatem as desigualdades está bem presente nas duas seguintes: “Samba Sambei” e “Sucrilhos”.

E se fosse pra ter medo dessa estrada... Eu não estaria há tanto tempo nessa caminhada...
Artista independente leva no peito a responsa, tiozão... E não vem dizer que não

A penúltima música começa com um som de violino e viola para entrar com uma letra forte e autobiográfica. A mistura de estilos ao longo do disco se faz presente em uma só canção em “Lion Man”, um rap que conta com uma sonoridade ímpar, sem perder a seu engajamento. Sensacional.

O nó da tua orelha ainda dói em mim... E Cebolinha mandou avisar... Quando a "fleguesa" chegar...Muitos pãezinhos há de degustar...O disco finaliza com um samba muito bem humorado e inteligente em “Linha de Frente”, trazendo a turma da Monica (aquela mesmo, do Maurício do Souza) para a rotina da periferia de São Paulo. Sensacional.


Enfim, confesso que demorei para conhecer o trabalho do Criolo, já que o rap não é muito a minha praia (apesar de respeitar o estilo). Só resolvi parar e dar atenção ao seu som quando vi, em rede social, trecho de uma entrevista dele em que dá uma resposta excelente a uma brincadeira infeliz de fundo homofóbico do apresentador de um programa(que prefiro nem citar porque o objetivo aqui não é criar polêmica). Então, deixei o preconceito com o rap de lado, escutei suas músicas e gostei tanto que virei fã. Como diria o Criolo, “Não precisa morrer pra ver Deus... Não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você”.

Paul