terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Cantando na chuva, no chuveiro...


Janeiro de 1985. Cidade do Rock. Rio de Janeiro, Brasil. Nova República. Embarcamos na véspera na rodoviária de Campinas para acordar no dia seguinte na cidade maravilhosa. Esperamos deitados num banco de praça qualquer até que abrisse o primeiro McDonald’s para tomarmos o café da manhã. Na época era novidade, não tinha isso em Campinas...


Não lembro mais como nos foi permitido ir ao show, éramos dois de quinze, um de dezesseis e o caçula com catorze. Equipamento? A roupa do corpo, uma mochila com uns sanduíches e (talvez) água, e os ingressos. Eu queria ver o Queen, Deco (não época não existia o mito Darciley), o B52’s. Celo e Duda queriam ver o Queen, o B52’s, o corcovado, o pão-de-açúcar, o Mc... tudo!


A idéia era assistir a uma única noite de show, e voltar no próximo ônibus, assim não havia necessidade de pernoite. Nosso hotel seria o Cometa. Kid Abelha abriu de forma sofrível, tinham um único disco, com musiquetas fraquíssimas e a Paula Toller ainda não era o que a gente vê hoje. Foi perfeito pra gente dar uma banda pelo ambiente enlameado, comer alguma coisa, comprar um boné de recordação, banheiro...


Lulu Santos fez um show impecável, ainda que na época eu conhecesse muito pouco da sua música. Curioso é que ainda hoje, este foi o único show dele que eu fui. Na seção internacional, uma totalmente dispensável banda de mulheres chamada Gogo’s e depois o B52’s que fez um ótimo show também, mesmo que a gente só conhecesse Private Idaho e Legal Tender (O Deco que tinha o disco, cantou o show todo). Fechou a noite o Show do Queen, uma coisa inacreditável, com aquelas engrenagens gigantes e Freddie Mercury foi rei do Rio por uma noite... Durante muito tempo aquela foi a melhor noite da minha vida!


Mas o melhor da melhor noite da minha vida nem foi o show em si, mas foram os detalhes. A volta de Jacarepaguá para a rodoviária num ônibus lotadaço, onde dormimos literalmente em pé, uns apoiados nos outros (não havia a necessidade de se segurar). A roupa inteira cheia de barro, a gente na janela do ônibus de ida, fazendo chifrinho e gritando “Ozzy” pros carros que passavam nos ignorando solenemente na estrada. E 48 horas livres e soltos, deixando os pais preocupados na torcida de que seríamos capazes de ir e voltar (salvos. Sãos?).


O outro detalhe veio depois do show do Lulu Santos (ou terá sido antes? não me lembro mais...). No palco um box completo com chuveiro toalha e tudo mais. Luzes anunciam que está para começar o show e... montado numa vespa Eduardo Dusek adentra freneticamente o palco para cantar no banheiro, berrar no chuveiro e mostrar que o Rock era in Rio!!! Artista único, é a cara do Rio de Janeiro (hoje vejo isso). Misto de Casseta e Planeta com novela das oito, maracanã com IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), preto com alemão, feijoada com sashimi, música, teatro, rock, samba, bolero e forró. Um anjo que havia caído do céu poucos anos antes num desses festivais da TV, Nostradamus anunciando que o mundo estava acabando, Dusek aproveitou o Rock in Rio para fazer uma retrospectiva de sua (então curta) carreira, onde o disco de destaque é este Cantando no Banheiro. Disco preparado com cuidado, conta com a participação especial dos Miquinhos Amestrados de João Penca que dão o clima Rock’n’roll das antigas, a faixa título conta o “drama” do moleque trancado no banheiro enquanto papai bate na porta/a maçaneta entorta/ eu não abro! Quem não se lembra? Confesso que eu mesmo não me lembro do disco todo... E, além desse Cantando no Banheiro, mais duas obras-primas encontramos aqui.


Barrados no Baile é muito feliz, as rimas são longe das óbvias (Mas foram barrados no baile/ tratados como maus-elementos/ lá dentro rolando Bob Marley!/ cá fora por favor documentos....) e impossíveis de serem cantadas sem aquele sotaque do riiiiioo... E o Rock da Cachorra é simplesmente genial (apesar de ser do Léo Jaime, ô disinfiliz): Troque seu cachorro por uma criança pobre/ sem parente sem carinho/ sem rango sem cobre.... Espetada na Classe Media Way of Life, é a versão do nascente rock brasileiro dos anos 80 para o Bolsa-família. E o Rock in Rio foi minha primeira inesquecível aventura adolescente.


[M]

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sudaka - Ramiro Musotto (2003)


Ramiro Musotto : argentino com sotaque brasileiro-bahia. Um desses fantásticos músicos percussionistas que inventam sons que a princípio geram uma sensação de... qué es esto? Mas que já na segunda escutada, no entanto, o estranhamento relaxa e se transforma num... no sé lo que es, pero me encanta!


Uma música que não dá trabalho de tão boa! É uma mescla muito bem temperada de tradição com viagem eletrônica e de novo estou aqui fascinada por essas gentes que viajam pelos tempos e pelas pessoas.


“Sudaka” é um cd curto, de músicas curtas e velozes, de pouca fala. É um conjunto de sons ricos que deixa para você a responsabilidade da viagem – “Sudaka” te arranca do conforto com sua atmosfera fliperama-indígena, de alguma forma te tira da tua paz, mas deixa pra você a escolha da dança e da graça dos movimentos.


Num emaranhado de vozes, berimbau, cajas, baixo, sax e delicada programação eletrônica, Ramiro Musotto conversa com o Cinema Novo em “Antônio das Mortes”, voa até a África com "Caminho" e "Ginga". É um cd que transita o tempo todo: tá na Bahia com o Glauber Rocha, mas corre até as Índias e acrescenta algo nessa Bahia-Argentina. Tá no Ilê Aiyê de Angola com conexão direta com o Brasil. “Botellero” é a minha favorita! Voz extraída das memórias das ruas – cheia de suas palavras locais numa sequência completamente poética e musicada de uma maneira ainda sem memória, de tão moderna.


O trabalho do Ramiro nesse cd é isso: um cd cheio de pequenas-grandes conversas. Um megafone, um amplificador da cultura miúda para o mundo.


Buena onda total!

[ANDRÉA]