sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Adoniran Barbosa (1975)

Quando Deus fez o homem

Quis fazer um vagolino que nunca tinha fome

E que tinha no destino, nunca pegar no batente e viver folgadamente

O homem era feliz enquanto Deus ansim quis

Mas depois pegou Adão, tirou uma costela e fez a mulher...

Desde então o homem trabalha pr'ela...

Vai daí o homem reza todo dia uma oração:

Se quisé tirá de mim arguma coisa de bão...

Me tira o trabáio, a muié não...


Do ponto de vista estritamente musical, este álbum de 1975 nada mais é que a continuação daquele lançado no ano anterior. Nada mais justo, para um artista com a produção de Adoniran que estava estreando na era do disco. As diferenças ficam por conta dos arranjos mais diversificados deste segundo trabalho e o fato de que só um super-clássico aparece aqui. Samba do Arnesto ficou célebre não só por ser uma música genial, de apelo extremamente popular, mas também por ter marcado o uso “vulgar” do português (que aparece em quase toda obra do autor), um português incorreto na gramática mas perfeito na musicalidade, puro Adoniran.


O disco começa avisando o ouvinte que o silêncio da madrugada está pra ser desfeito pois o samba na casa verde enfezou! Segue o pagode com um agradecimento em forma de canção onde Adoniran faz questão de usar a língua castiça em Vide Verso meu Endereço. Tocar na Banda tem o som de coreto de praça em cidade do interior, uma música que cairia muito bem no repertório psicodélico dos Mutantes!


Malvina é uma de suas primeiras composições (de 1951, quando ganhou até concurso de marcha carnavalesca), canção-manifesto à mulher que deseja abandoná-lo não é das mais famosas quando se fala em Adoniran, e de fato sua obra é repleta de canções melhores que esta. Em Não Quero Entrar Adoniran não se julga digno de entrar na sua ex-casa, de sua ex-mulher, ele vem só mesmo pra buscar o meu cachorrinho, o meu cobertor e (é óbvio) o meu violão...


Piove, Piove! Ha tempo que piove quá... Gigi

E io, sempre io! soto la tua finestra

e voi senza me sentire, ridere ridere ridere de questo infelice qui!


Ti ricordi Gioconda di quela sera in Guarujá

Quando il mare te portava via... E me chiamaste:

Aiuto Marcelo! La tua Giconda ha paura de quest'onda!


O Samba Italiano deve ser o samba mais charmoso do mundo... Além da letra e da interpretação inigualável de Adoniran, a música é levada por uma batida deliciosa de bateria, um cavaquinho e um violino. O resultado da improvável salada é de lamber os beiços!


Em Triste Margarida, Adoniran volta ao tema das desventuras do amor, com a história do jardineiro que se fingiu de engenheiro do metrô pra conquistar o bem-querer de uma mulher. A bateria que embalou o Samba Italiano retorna em Mulher, Patrão e Cachaça, triângulo amoroso onde os personagens são eu, (o narrador) Violão da Silveira (seu criado); ela, Cuíca de Souza e o Cavaquinho de Oliveira Penteado. Adoniran consegue criar esta história a partir dos sons dos instrumentos de forma genial, quando o cavaquinho centrava, a cuíca soluçava e eu entrava de baixaria... Quando o violão se descobre traído e resolve tirar satisfação, é o amigo pandeiro quem aconselha:


Não seja bobo, não se escracha

Mulher, patrão e cachaça

Em qualquer canto se acha


A próxima canção é um samba ligeiro cuja descrição não pode ser melhor que os seus próprios versos:


Pafunça, Pafunça, Pafunça que pena Pafunça,

que nossa amizade virou bagunça...

O teu coração sem amor, se esfriô, se desligô

Inté parece Pafunça aqueles alivadô...

que tá escrito não fununça e a gente sobe a pé

E pra me judiá Pafunça, nem meu nome tu pronunça!...


E assim segue a sina de Adoniran, ouvindo Conselho de Mulher dizendo pra ele largar da boemia e ir trabalhar, afinal pogréssio, eu sempre escuitei falá: pogréssio vem do trabáio, então amanhã cedo nóis vai trabaiá...


E este delicioso segundo LP de Adoniran termina com o samba Joga a Chave,


Joga a chave meu bem! Aqui fora tá ruim demais...

Cheguei tarde perturbei teu sono, amanhã eu não perturbo mais.


E quando você acha que ele se redimiu é que vem a solução genial, a “malandreza” típica de Adoniran:


Faço um furo na porta, amarro um cordão no trinco

pra abrir pro lado de fora...

Não perturbo mais teu sono, chegue meia-noite e cinco

ou então a qualquer hora...


Não sei de onde veio a história de que São Paulo é o túmulo do samba, mas se for por causa da música de Adoniran, que eu seja enterrado nele. [M]


Um comentário:

  1. Vinícius de moraes devia estar bêbado quando cunhou a frase "São paulo é o túmulo do samba".Apesar que já passei o carnaval em São paulo e o que ouvi foi um silêncio sepulcral.incrível.

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