sexta-feira, 26 de junho de 2009

Oblesqonversation... Õ Blesq Blom - Titãs (1989)


Minha primeira lembrança do Õ blesq blom, foi de um show dos titãs em Recife, no centro de convenções a meio caminho de Olinda... A banda estava instigadíssima e eu estava... bem, deixa pra lá... O legal é que quem abriu este show foram Mauro e Quitéria, pessoalmente! Então quando a banda atropelou com tudo em Miséria, miséria em qualquer canto, a platéia foi à loucura!...

Esse show foi muito bom, eu estava acompanhado de grandes amigos, nos divertimos muito e de quebra ainda encontrei umas primas na entrada, que eu nem sabia que curtiam os titãs... Tudo isso transformou õ blesq blom no meu disco favorito dos titãs. Foi minha primeira bolacha deles (comprei no dia seguinte!). Faz muito tempo que eu não ouço o disco, então prefiro começar esse papo mais de memória do que com uma impressão mais "amadurecida" sobre o disco, o que seria, talvez, injusto (com minhas lembranças, principalmente).


Que massa... cabeça feita, amigos queridos, Titãs de cabo a rabo, Mauro e Quitéria e ainda em Recife? Um privilégio... Eu já não tive tanta sorte... o meu Õ blesq blom foi só ouvido (e é ainda), mas ouvido de corpo e alma. Esse disco é muito bom! Com todos os Titãs e cheio de música de prima.

Os Titãs também pintaram cedo na minha vida, meu primeiro show deles foi o Sonífera Ilha e me lembro de ter ficado assustada pela quantidade de gente no palco. Eles eram um montão! E chegaram para fazer estória, pelo menos na minha vida...

O que é Õ blesq blom? Nesse documentário que saiu dos Titãs (que você deveria ver, porque é bem emocionante) mostra o grupo nas areias de Boa Viagem e conta a estória que foi justamente nessas areias que o grupo travou seu o primeiro contato com a voz de Quitéria e de Mauro. Parece que quando os Titãs ouviram os dois cantando aquele monte de língua misturada, que o Paulo Miklos e acho que o Marcelo Fromer, sairam correndo atrás deles, enloquecidos.

Esse disco é cheio de memória. Acho que música boa tem esse viés, o da memória...

E o encarte? Gosto do jeito que as letras estão dispostas, como num xadrez, como num jogo da velha. O título é daquele jeito, com letrinhas recortadas de revista, sabe? E sobre um fundo que parece um azulejo do Brennan. Uma misturança genial: tradição lá de cima com o rock lá de baixo! E as fotos são super inusitadas (e bem engraçadas)! Cada um meio que vira um personagem de si próprio. E o cabelo do Nando naquela época crescia para cima! O Nando sempre brincou com a sua cabeleira!

ps: Acabo de descobrir que a capa é do Arnaldo Antunes... Agora as letrinhas começam a fazer sentido...!


Musicalmente este õ blesq blom me parece um pouco diferente dos outros anteriores. Acho que aquela fúria do cabeça dinossauro e de jesus não tem dentes no país dos banguelas fica mais sutil aqui. O próprio título do disco já é um sinal. A mais furiosa talvez seja Medo, que é uma das minhas favoritas. Na voz de Arnaldo, os titãs te conclamam a perder o(s) medo(s) na marra, na porrada. Além do vocal mais gritado, o ritmo é alucinado, bateria bem marcada, guitarras mais pesadas e repetitivas.

Além do Medo, minhas favoritas são a faixa-titulo Miséria, onde eles exploram o ping-pong sonoro que já tinham usado em Diversão (do disco anterior), mas agora de uma maneira mais rítmica, dançante. E a letra é um achado, com o jogo riquezas são diferentes / riquezas são diferenças. Gosto também de Flores, que foi a música de rádio deste disco. Ainda que a letra não seja das mais titânicas, o trabalho de banda é excelente, uma música muito bem construída pelos dois guitarristas. O Pulso é outra sensacional. A construção em forma crescente é demais. Tem um divertidíssimo rock de raiz em 32 dentes e o funk Deus e o Diabo, conferindo diversidade sem tirar a coesão do trabalho. Nesta última, Paulo Miklos canta o dilema de todos nós, com deus e o diabo habitando a mesma morada... Os pontos fracos do disco (fracos porque comparados às outras!) são o camelo e o dromedário e, por incrível que pareça, as duas do Nando Reis (Raciosímio e Faculdade), justo ele que é hoje o melhor dos músicos pós-titãs...
Mas a minha favorita mesmo é Palavras, que eu comecei a gostar mesmo depois do disco de quarentena, acústico mtv, com outra roupagem, totalmente diferente:

Palavras não são más / Palavras não são quentes

Palavras são iguais, sendo diferentes

Palavras não são boas

Os números pros dias / E os nomes pras pessoas


Õ blesq blom é um disco meio híbrido, com timbres menos punks, mas ainda muito profundo, com muito sangue correndo nas veias - como se fosse criado em pleno êxtase, onde a dor te retorce, mas é uma dor incolor, e você consegue continuar criando - daí talvez um som que soe menos agressivo, mas as letras são carregadas na angústia, dando um tom poético e ácido. Acidez e poesia, tá aí. Os Titãs por muito tempo foram um dos melhores tradutores do nosso inconsciente, sabiam como ninguém nomear nossas dores e desejos.

O discp abre com a reinvenção de uma língua na voz da dupla Mauro e Quitéria, língua onde ninguém entende nada, mas todo mundo entende tudo. Todo mundo tem sua própria língua. E vem Miséria, a língua entendida sem equívoco e fantasiada com cores modernas, para fácil digestão.

Filhos Amigos Amantes Parentes Fracos Doentes Aflitos Carentes

A morte não causa mais espanto / O sol não causa mais espanto

Camelo e o Dromedário dá a leveza na angústia. Adoro uns sonzinhos que pulam no meio da música, como se fossem um ponto de interrogação sonoro. Gosto do balanço, uma coisa meio reggae, meio relaxante, que dá um gosto especial pros nossos ouvidos. Afinal, porque um camelo e um dromedário poderiam nos trazer tantas dúvidas? Magnífico!

Palavras eu preciso preciso com urgência / Palavras que se usem em caso de emergência. As palavras escapam da boca de uma maneira frenética, parece que com uma necessidade mesmo de colocá-las para fora. Palavras que se diz / Se diz e não se pensa". Eu quero todas elas!

O Pulso é outra entre as minhas favoritas totais. Aquela lista de doenças do corpo e outras da alma conectadas com aquela palavra falada pulso, que tem hora que soa uma respiração e outras com a pulsação é um escândalo! É um escândalo de vida com morte. E o corpo ainda é pouco.

E eu sigo com Medo, que é outra obra-prima. O Pulso e Medo caminham juntas, na mesma frequência, na mesma tentativa de se livrar de algo. Enquanto Medo é alucinada, rápida, desesperada, Pulso é a própria pulsão, é a vida em si. O Medo é mental, o Pulso é físico e Deus e Diabo é a nossa fantasia.

E os Titãs simplesmente nos descrevem, nos musicam. Õ blesq blom vai embora na mesma voz que veio - na de Mauro e Quitéria - e o que fica é a sensação de um desenho do ser humano, um desenho que foi musicado - tá lá sua mente, seu corpo, sua imaginação, suas palavras.

Carteira de identidade / Perda de identidade / Identidade dupla / Identidade xerox / Não tenho mais identidade!


[ANDRÉA] & [M]

terça-feira, 16 de junho de 2009

LoveLeeRita - Ná Ozzetti (1996)


A Ná “desrroqueou” a Rita! E isso não é uma coisa que se pode fazer assim, todos os dias, certo?
Ná Ozzetti coloriu o som da Rita com cores diferentes, mais leves, com a cores de sua tradição vinda do Rumo e também de sua formação lírica. Demorei pra me convencer que o “LOVELEERITA” era legal, que podia sim, transformar o rock da Rita Lee em outra coisa e no fim, sair algo bonito.
E também acho que toda tentativa de interpretação tem muito de coragem, ousadia e amor. E que deve ser massa cantar Rita Lee, ah, isso deve! Irresistível…
Enfim, uma super homenagem com um repertório escolhido a dedo, precioso mesmo…

“Atlântida” (Saúde 1981) fica onde? Não sei se ela desapareceu do mapa ou sumiu mesmo foi do meu imaginário. E como a música diz “Que o mundo é dos que sonham/ Que toda lenda é pura verdade”. Ná Ozzetti canta bonito, lento, cada palavra fica nova com sua voz. O violão dá um som de roda, circular, que embala o ouvinte. O cd abre sonhando…

“Com a boca no mundo” (Entradas e Bandeiras 1976) tem um suingue gostoso e logo já vai dando aquela vontade de dançar. E aos poucos vou sendo levada por esse novo tom que Ná Ozzetti imprime às canções. Essa música é a cara da Rita Lee! Ela ainda meio menina, encontrando seu passo entre seu corpo, sua voz e sua vontade de botar a boca no trombone. “Com a boca no mundo” é uma verdadeira descoberta. É interessante como a Rita Lee (sozinha ou com outros compositores que não o Roberto de Carvalho - pelo menos no LOVELEERITA) compunha músicas completamente viajantes, grandes. Aqui eu falo de amplitude mesmo. Ela viaja em milhares de temas, descobre cavernas, anda por outras estradas. Com o Roberto, as composições já são mais sexuais, apaixonadas, muitas quase corporais. Que também é o máximo…
Acho esse poder de movimento muito legal – o de como uma parceria pode mudar teu “drive”. A Rita faz isso muito bem, se entrega.

“Mania de você” (Rita Lee 1979) na versão da Ná chega mais rápida, dançante. Acho que mais pop mesmo, menos carregada de estória. “Mania de você” foi composta pelo casal quando ainda estavam na cama… Na delícia da hora.
Foi interessante essa mudança de estilo (apesar de ser fã da versão original), já que com a Ná a estória é outra… No lugar da cama, entram os mil sopros que são de matar.

Bem, “Mutante” (Saúde 1981): essa é uma das minhas músicas favoritas da vida…
Ela chega chameguenta, entrando e tomando conta de mim sem pedir licença. E eu deixo…
Mutante é linda sempre e ainda mais nessa versão, que de quebra tem um trombone. É um escândalo simplesmente.
“Kiss me baby/ Pena que você não me kiss”.
É delicada, é exagerada, é a combinação perfeita das palavras. Tudo isso junto explode nessa música de amor temperada de todos os cheiros: dor, ressentimento, paixão, tesão e abandono.
E aí, “Mutante” levanta, toma força e nos deixa.

“Quem disse que eu tenho que me cuidar/ Tem certas coisas que a gente não consegue se controlar/ Comer um fruto que é proibido/ Você não acha irresistível?”
“Fruto Proibido” (Rita Lee & Tutti Frutti1975) malandraça! Essa versão tá cheia de percussão e guitarra. Tá muito massa! A música é um desses convites que a gente não tem coragem de fazer, sabe? “Fruto Proibido” é aquela vontade de desanuviar, de trocar de fantasia e sair vivendo.

Em “Luz Del Fuego”, que também está no disco Fruto Proibido, Ná Ozzetti não aguenta e roquenrroa total! Essa música é demais! “Hoje eu represento o segredo/ Enrolado no papel”. É incrível como Luz Del Fuego mexeu com o imaginário feminino. Muita cantora já cantou essa música e sempre muito bem. É que Luz Del Fuego não tinha medo…

O título “Raio X” (Bombom 1983) é perfeito para a velocidade da música. O som se arrasta e se espalha por cada vão e aí a gente se dá conta de “Quem nunca teve um sonho/ Quem é que não é sozinho”.
Essa música me faz pensar nessas cidades grandes, onde a janela da sala dá vista para enormes viadutos de concreto. O que a modernidade pode trazer de mais solitário.

A modinha mais poética que eu já vi é essa “Modinha”(Babilônia 1978) aqui. Linda…
“Todo remédio que me cura tem uma contra-indicação”. Perfeito.

Ná Ozzetti se descabela em “Mãe Natureza” (Atrás do Porto tem uma Cidade 1974). Não segura a onda dessa música e pira. Pira ela, pira a guitarra. E bem que fazem!
“Mãe Natureza” na minha opinião é a nossa erva de cada dia, aquela que embaça a mente na pitada certa e a gente já não sabe se estamos pirando ou as coisas é que estão melhorando!
Rock’n’roll de primeira, arraso. E eu tô facinha – que venha a mãe natureza tomar conta da minha cabeça. Oh yeah!!

Me lembro da primeira vez que ouvi “Doce Vampiro” (Rita Lee 1979). Eu ainda era menina e tinha uma prima mais velha que respirava Rita Lee. Um dia ela me chamou pra me mostar essa música, e eu mesmo ainda menina, achei o máximo…“Doce Vampiro” com Rita é imbatível…

Já que eu entrei no campo da memória… Enquanto no meu mundo só cabia Caetano, meus amigos de Barão, Mateus e Paulinho já ouviam Os Mutantes, ou pelo menos já sabiam da existência do grupo. E foram eles que me ensinaram essa musiquera toda. “2001” (1969) e “Vida de Cachorro” (1972) são lindas…
Adoro isso aqui: “Na velocidade da luz/ A cor do céu me compõe/ O mar azul me dissolve/ A equação me propõe/ Computador me resolve/ Amei a velocidade”.
Não é demais?

E o LOVELEERITA acabou. E eu que comecei esse texto ressabiada, enciumada da Ná roubando a minha Rita, termino esse post numa sensação de curtição total. Que delícia isso!
Ponto para Ná Ozzetti e um milhão de pontos para Rita Lee. I you love.

[ANDRÉA]

sábado, 13 de junho de 2009

Sim - Vanessa da Mata (2007)


SIM, o disco vermelho de Vanessa da Mata é um disco feminino. Começando pela capa, com aquela manta que parece uma mancha de esmalte sobre a areia, e que voa quando abrimos o encarte. Sua voz é bonita e cristalina, num balanço na medida entre a delicadeza e a braveza. Um pêndulo que só existe dentro de uma mulher.
Vanessa da Mata constrói um disco de sensações e sentimentos, que poderiam ser contados e cantados em grandes clichês, mas não, ela captura a magia do simples e o transforma em leveza. Deixa escorrer o desejo.
Seu disco tem um encaixe redondo, os fios se encontram numa poesia tranquila sem grandes surpresas no caminho. Talvez a surpresa esteja aí, nesse rio que corre manso. Seus sons são bons de ouvir, tem algo nisso tudo de misterioso, de atraente.

“Vermelho” abre num crescente, com uma voz que vem de longe e vai chegando pertinho. Lânguida face. Os sons se misturam com barulhos de bolhas explodindo. Vermelho é o sangue: o quente que arde, o quente que queima, o calor que pede o aconchego, mas que traz o vazio, que deixa a alma na solidão. E a voz vai como veio, desaparecendo, sumindo, enquanto o mundo roda em vão.
Vermelho de pepper sauce.

“Fugiu com a novela” é um charme! Gostosa até de ouvir com esse som de triângulo, com essa percussão melindrosa… Gosto muito da inversão de papéis: Vanessa da Mata canta um homem que reclama a perda de sua mulher para a novela das oito e bem agora que o caso tava no tom! Perfeito! Esse homem que parece mais um gato, que gostava de ser alisado, que contava piada e ela gargalhava, foi abandonado…
A letra é uma crônica conhecida e capta justamente um lapso: o vão entre os dois lados de um mesmo homem – o que acariciava e às vezes nem tanto. Com graça e sem alarde, Vanessa toma da voz masculina para dar o recado: “A vida era boa ela não reclamava/ Agora vive longe, não sei mais nada/ Fugiu da nossa casa com a televisão”…
Acho que já sei! “Vermelho” é feminino nos temas, é discreto nos tons e isso já é uma super novidade!

“Baú” é o lado do pêndulo bravo da estória. Num ritmo mais rápido, com um órgão que traz uma sonoridade ácida à música, Vanessa numa imagem linda de morrer, quer jogar o moço no seu baú vivo e mágico, cheio de desenhos herméticos, livrinhos de receita e palavras de Dalai Lama. Tá louca pra transformar seu sapo em príncipe.
Essa música somos nós naquele desespero total quando a gente vê que o nosso moço tá enguiçado, patinando… É bem aquela coisa de mulher, que vai dando nos nervos… E lá vem um chocalho à la cascavel. Típico! Quem tem uma mulher em casa sabe do que eu estou falando!
Mas claro, a estória poderia ser cantada ao contrário… Essa música é meio como búzios quando jogados na mesa, é tudo uma questão de encaixe, de interpretação…

“Boa Sorte/ Good Luck” é um encontro de dois tecidos transparentes. Gosto muito. Acho super legal essa idéia de sobrepor a mesma idéia em duas línguas diferentes: como se a tradução não fosse possível quando estamos falando de sentimento, então temos a necessidade das duas vozes. Estamos aqui falando da riqueza das línguas, como se fosse um concentrado de cultura e um código que tenta colocar pra fora tudo isso. Cada língua com suas nuances, com suas palavras ora mais carregadas, ora menos, e, como se tivessem vidas próprias, elas conversam entre si, e a música é só um pretexto onde todas essas idéias deslizam. É super lindo! E o Ben Harper é um parceiro mais que perfeito! Ele, na sua bagagem musical, esbanja liberdade, encontros e poesia.

Os dedos percorrem os pretos e os brancos do piano que abre “Amado” e com a voz mais doce do mundo, Vanessa da Mata mata já de cara: “Fico desejando nós gastando o mar/ Pôr-do-sol, postal, mais ninguém”…
Que música de amor linda, cheia de um amor seguro, em paz e arrebatado de desejo. Todo mundo de bem merece um amor desse…
E essa música me lembra uma estrofe do Nando Reis, numa de suas milhões de melhores estrofes: “Corre a lua, por que longe vai?/ Sobe o dia tão vertical/ O horizonte anuncia com o seu vitral/ Que eu trocaria a eternidade por essa noite? Por que está amanhecendo?/ Peço o contrário, ver o sol se pôr/ Por que está amanhecendo/ Se não vou beijar teus lábios quando você se for?”. O Nando com o seu jeito de cantar o amor onde todas as células do corpo amam juntas e num tom muito mais louco de amor, tem a mesma vibração que Vanessa em “Amado”. Os dois estão hipnotizados pelo desejo.
Em “Amado”, onde até a sonoridade respira e transpira num movimento único, Vanessa da Mata canta um amor livre: no mesmo espaço onde lá fora passa o tempo sem você, é o espaço sim, onde tudo pode acontecer. Sem prisão.
Quero dançar com você…

“Paçoca, suspiro, cocada, jujuba/ Quindim, bombom, churros, bomba”
Quindins, churros, bombons…
A única coisa que me vem à cabeça nessa música é esse monte de doces brilhantes e deliciosos. Pirraça é uma música visual! Eu juro que eu tô vendo um quindim bem amarelo aqui na minha frente…
Um sonho! Só de pirraça!

“Pensando em te matar de amor ou de dor/ Eu te espero calada”.
Em “Você vai me destruir”, Vanessa da Mata canta o que a gente também sente: o nó no peito do fim do amor. O som é dançante, feito mesmo para disfarçar a raiva, todo o desdém. A fúria dessa música também é bem feminina: a fúria que se mistura com a vontade de perdoar, de esquecer e de continuar amando com a potência do amor envolvente, aquele mesmo, aquele que te come, aquele cheio de contradição.

Gosto muito da bateria em “Absurdo”. A bateria leva a música, abre o caminho, marca o trilho.
“Absurdo” é uma música muito bonita, mas triste… “Cores, tantas cores/ Tais belezas/ Foram-se/ Versos e estrelas/ Tantas fadas que eu não vi”. Vanessa com tranquilidade, e escolhendo as melhores perguntas numa poética verde, deixa aqui seu recado.

“Ilegais” é a minha música favorita! É malandrinha, com balanço, com malícia. Me gusta!
Os backing vocals são discretos como devem ser, o eletronicozinho no fundo dando o tom, o trombone que aparece de curioso, enche um espaço e faz bonito, Vanessa da Mata funde tudo isso muito bem com sua letra dengosa.
É que não dá mesmo pra amar sem um dengo, né? Sem uma manha… Amar na legalidade? Tudo muito previsível? Demodé…
Eu adoro quando ela canta: “Desse jeito vão saber de nós dois/ Dessa nossa farra”.
Uma música gostosa, com um nome sensacional. E farra é farra… Nada mais sugestivo.

Me entrego total e acho uma verdadeira delícia a velocidade de “Quando um homem tem uma mangueira no quintal”! Uma música cheia de duplos sentidos, sem vergonha, cheia de siricotico e aventura. Essa música tem uma graça incrível, ela é toda livre, como numa trança solta, uma gostosura.
Fico viajando nesse quintal: com grama verde e com uns pedaços ainda com terra. Terra às vezes molhada pela água da mangueira. Um lugar pra poder brincar de amar, sem pensar no amanhã, aproveitar a tarde vazia.
É uma homenagem ao tempo livre, ao tempo vazio, ao deixar-se sair do sério.
E se é gostoso, por que não? Se é bem bom pro coração…
Let’s go?

[ANDRÉA]

terça-feira, 9 de junho de 2009

Educação sentimental uôô (Kid Abelha 1985)


Vamos aqui tornar mais elástica a tolerância deste blog! Pop sim, por que não?
Falando de sentimentos e experiências adolescentes e juvenis, esse álbum de 1985 até hoje soa moderno e tem letras atemporais.
Partindo de um título de um romance de Flaubert (viva o google!), o Kid Abelha, que à época tinha em seu nome o apêndice ‘e os abóboras selvagens’ (???) e hoje se chama Kid, fez um disco marcante pra todos aqueles que eram adolescentes na época e, porque não, para aqueles curiosos sobre músicas e letras relevantes no Brock.
1985: época do Rock in Rio, festival no qual o grupo aqui resenhado teve um desempenho sofrível, a Paula Toller na época achava que bastava o microfone. Desafinava... Mas depois fizeram a opção cjavascript:void(0)erta pelo profissionalismo.
Ao disco: inicia bem, com ‘Lágrimas e chuva’, uma música que tocou muito nas boates da moda e nas festinhas americanas (o que aconteceu com elas?), sem atentar para o fato que a letra é extremamente depressiva, o que ficou claro na releitura da música no disco ‘Audio retrato’, do Leoni (que receberá seu post também, claro). Por falar nele, este foi seu último álbum no Kid Abelha. Tem um solo assobiável do Bruno Fortunato, um dos guitarristas brasileiros mais subestimados, com um extremo bom gosto para timbres de guitarra limpos e solos discretos porém marcantes.
Segue com ‘Educação sentimental II’, que vem antes da I (?), música em parceria com Herbert Vianna (momento Caras: na época rolou um affair entre ele e a Paula, pra quem inclusive teriam sido compostas algumas músicas de fossa dos Paralamas). Letra boa (‘a vida que me ensinaram como uma vida normal tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal’; ‘agora você vai embora eu não sei o que fazer, ninguém me ensinou na escola, ninguém vai me responder’) arranjo bom, destaque do disco.
‘Conspiração internacional’ tem de relevante a idéia de que ‘todo mundo acho que o Rio de Janeiro não é bonito como foi no passado’, e só.
‘Os outros’ é a música que a Paula fez pra mim...hahaha, brincadeira, essa era (é?) a fantasia de todo adolescente que achava ela linda, e olha que ela é bem melhor hoje em dia. Mas todo mundo se imagina sendo a pessoa pra quem ela (ou alguém importante) canta a música. ‘Depois de você, os outros são os outros, e só’.
‘Amor por retribuição’ e ‘Um dia em cem’ são as músicas dispensáveis do disco.
‘Educação sentimental’ lida com o tema da estranheza da sedução (ou das tentativas e frustrações) na adolescência, fantasiando sobre o que se imagina ser o poder de ser realmente sedutor (‘ninguém vai resistir se eu usar os meus poderes para o mal’). Leoni é realmente um excelente compositor. Tem também um solinho legal do Bruno que emenda com o riff conhecido da música.
‘Garotos’ é outro ponto alto do álbum, apesar da música ser meio arrastada, não fazendo jus à excelente letra, que vale a reprodução integral:
Garotos gostam de iludir
Sorrisos, planos, promessas demais
Eles escondem o que mais querem
Que eu seja outra entre outras iguais
São sempre os mesmo sonhos
De quantidade e tamanho
Garotos fazem tudo igual
E quase nunca chegam ao fim
Talvez você seja melhor que os outros
Talvez quem sabe goste de mim
São sempre os mesmos sonhos
De quantidade e tamanho
Garotos perdem tempo pensando
Em brinquedos de proteção
Romances de estação
Desejo sem paixão
Qualquer truque contra a emoção
(Cruel pra nós, Garotos, que a letra seja tão real. Mais ainda porque, como canta o Leoni, 'Garotos, perto de uma mulher, são só garotos').

‘Uniforme’ é das mais ou menos, mas a letra compensa a música esquecível (‘eu ouço sempre os mesmos discos, repenso as mesmas ideias’, ‘e quantos uniformes ainda vou usar e quantas frases feitas vão me explicar, será que um dia a gente vai se encontrar? quando os soldados tiram a farda pra brincar’).
‘A fórmula do amor’, que fez mais sucesso na voz de Leo Jaime, termina bem o disco, retomando o tema do poder da sedução, ou pelo menos o desejo de descobrir (‘ainda encontro a fórmula do amor’). Continuamos procurando.
E o Kid continua aí, sobrevivendo ao teste do tempo e ao bombardeio da crítica.