domingo, 22 de fevereiro de 2015

"Eu quero é botar meu bloco na rua", Sérgio Sampaio





Capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, tal como Roberto Carlos, chegou no Rio de Janeiro em 1967 para dar início a sua carreira artística, a começar com trabalhos em rádios como locutor. Após um início repleto de dificuldades e vivendo intensamente as noites cariocas, conheceu Raul Seixas, quando este era produtor da CBS, e gravaram juntos A Sociedade da Grã-Ordem Cavernista apresenta Sessão das 10 (disco que também merece uma resenha nesse blog), em companhia de Edy Star e Míriam Batucada em 1971, inspirado por Freak Out (1966), de Frank Zappa e Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles

Em 1972, sua carreira finalmente parecia que iria decolar quando apresentou-se no VII Festival Internacional da Canção com a marcha-rancho “Eu Quero é Botar meu Bloco na Rua”. Apesar de não ganhar o festival, foi um imenso sucesso popular, servindo como carro-chefe para que o disco das melhores canções do VII FIC chegasse a 500 mil cópias vendidas. Parte do seu sucesso pode ser atribuída ao fato de sua letra simbolizar tão bem um sentimento coletivo na época do auge da repressão imposta pelo regime militar no Brasil.

No ano seguinte, catapultado pelo sucesso dessa música, assinou com a Philips/Polygram para gravar um disco com esse mesmo nome. Segundo André Midani, presidente da gravadora na época, Sérgio Sampaio chegou à gravadora como um artista completo[1].

Produzido por ninguém menos que Raul Seixas, acompanhado ainda por músicos como José Roberto Bertrami, Alexandre Malheiros, Ivan Conti, Renato Piau e Wilson das Neves, o disco inicia-se com a criativa “Leros, Leros e Boleros”, cujo ritmo faz mesmo menção a um bom bolero e segue com a ótima “Filme de Terror”, que inspirou um criativo vídeo de Antonio Celso Barbieri (https://www.youtube.com/watch?v=M2RjMh17CVk).

Em seu conjunto, o vinil apresenta algumas canções mais autorais (“Pobre meu Pai”, “Eu sou aquele que disse”), outras mais melódicas (“Não tenha medo não”) e por fim algumas com uma batida mais ritmada como “Labirintos Negros”. 

Destaca-se ainda a ótima “Cala a boca Zebedeu”, composta por seu pai, Raul Sampaio, maestro de uma banda em sua cidade natal; a bela letra de “Viajei de Trem”, que conta com a participação de Raul Seixas; e o animado samba “Odete” (não é vivendo que se aprende, Odete... mas é vivendo que se aprende a viver), em que cita trechos de “Que Maravilha” de Jorge Ben.

O disco culmina de maneira apoteótica com “Eu quero é Botar meu Bloco na Rua”, a sua mais conhecida e tantas vezes regravada, e finaliza com “Raulzito Seixas”, uma espécie de homenagem ao seu parceiro que o ajudou no início. Para escutar o disco mais facilmente para quem não conhece, recomendo acessar: https://www.youtube.com/watch?v=etf6oyZmS-A

Apesar de músicas como Cala a boca, Zebedeu", "Odete" e "Viajei de trem" terem tocado nas rádios, infelizmente as vendas decepcionaram (estima-se em 5 mil cópias). Nessa época, Sérgio Sampaio já era muito conhecido pelo seu comportamento inquieto, um artista fora do sistema,  considerado para muitos como o maldito da MPB. Como diria Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, com seu porte magérrimo, seu cabelão comprido e seu comportamento bizarro, sempre bebendo, cantando ou gargalhando com espalhafato, ele jamais poderia passar despercebido ao mais distraído habitué de bares da zona sul carioca[2]

Nos anos 1970 e início dos 1980 teve ainda dois discos lançados (o último de forma independente) e acabou atravessando a maior parte da década de 1980 esquecido, embora compondo canções cada vez mais aprimoradas.

Tentou retomar a carreira nos anos 1990 mas morreu antes de finalizar seu novo trabalho, “Cruel, que acabou sendo posteriormente produzido e lançado por Zeca Baleiro em 2006. Em termos de melodias e qualidade das canções, pode-se afirmar que o resultado desse último trabalho supera o aqui citado, mas optei por começar com esse pela sua importância histórica com o intuito mais de falar do artista do que do disco em si. 

Embora sua importância para a música brasileira tenha sido relegada a segundo plano durante muito tempo, felizmente nos últimos anos trabalhos como a sua biografia escrita por Rodrigo Moreira; regravações interpretadas por cantores como Zeca Baleiro e Elba Ramalho; ou ainda o documentário "Cabine 103", de Julia Bosco (filha de João Bosco), Gustavo Macacko e Juliano Rabujah, com direção de Chico Regueira e Inês Garçoni (https://www.youtube.com/watch?v=yAS3nrLn8_U) tem contribuído para o justo resgate de sua memória. 

Depois de tanto tempo vivendo no ostracismo e após sua morte quase no esquecimento, nos damos conta da falta que nos faz artistas que como ele que contestam o sistema e que, fundamentalmente, vivem com intensidade. De acordo com Sérgio Natureza, seu parceiro em diversas canções e autor do prefácio do livro de Rodrigo Moreira, Sérgio Sampaio foi o verdadeiro "Garrincha da MPB" devido à postura rebelde e não enquadrada que sempre norteou sua vida. Tal como o eterno camisa 7, Sérgio Sampaio morreu abandonado, mas nos deixou um belo legado.[3]

[Paul]  



[1] MIDANI, André. Mùsica, Ídolos e Poder – do vinil ao download, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
[2] SEVERIANO, Jairo e HOMEM DE MELLO, Zuza, A Canção no Tempo – 85 anos de músicas brasileiras, São Paulo: Editora 34, 2006 (5ª. Edição).
[3] Parte das informações que constam aqui é de Bruno Ribeiro, no site: http://www.samba-choro.com.br/artistas/sergiosampaio, obtido em 22 de fevereiro de 2015.