Difícil para mim falar de
qualquer disco do André Abujamra sem lembrar de shows memoráveis de Os Mulheres
Negras na época Unicamp no final dos anos 80. Aquela dupla, auto intitulada a
terceira menor big band do mundo, era
o que tinha de mais representativo de uma música verdadeiramente inovadora, que
estava ali para quebrar paradigmas e ressignificar o que se entendia por música
nacional. Tão boa aquela fase que um dos discos deles já foi resenhado aqui
anteriormente.
Mas André Abujamra não ficou só
naquilo. Longe disso. Desde então desenvolveu uma série de trabalhos, incluindo
teatro, gravações com a banda Karnak (que também tem excelentes discos), Fatmarley
(dj maluco que ele não falava que era ele) e dezenas de trilhas sonoras
(dezenas mesmo). Como eu sei disso? Ouvindo uma das criativas músicas dele
chamada “Curriculum”, que integra outro disco solo, O Infinito de Pé, de 2004.
Tudo isso até chegar ao atual e
excelente “O Homem Bruxa”, disco que foi feito para homenagear seu pai ainda em
vida (veio a falecer assim que acabou de gravar).
Yo soy el hombre bruja
Yo soy um transformador (...)
Que tristeza e que coisa mais linda
Um amor de sarjeta
É o Sebastião amando a Florinda
O disco abre com a canção que
batizou esse trabalho: “O Homem Bruxa”. Crítico, sem perder a veia humorística
e transformando coisas feias em coisas
lindas de valor, o homem bruxa serve como um fio condutor de todo o disco. Fazendo
referências à magia, o clipe remete ao bom e velho cinema mudo com cenas da
lâmpada mágica do Aladim: https://youtu.be/SyjooHpoMlA
Em “Mendigo” ele dá voz ao Sebastião, citado na música anterior, para falar sobre a invisibilidade de moradores de rua, fugindo dos discursos mais fáceis, sem deixar a ironia de lado (https://youtu.be/YjT_s-JF3zE).
Na terceira música, “Espelho do
Tempo”, sobressai a influência mais oriental (eu, na minha ignorância, diria
indiana). O destaque fica por conta da narração inconfundível do seu pai,
Antonio Abujamra, retratado como mestre dos bruxos: o seu tataraneto terá o brilho do seu olhar.
Um homem sobe na montanha azul
E lá em cima vê a lua cheia
Quase que dá pra pegar
Mas não dá
“50”, cujo título remete à sua
idade e, talvez, às razões desse ser seu trabalho mais reflexivo, inicia-se
como se fosse mais uma bela trilha sonora de um filme ao som de um piano que
nos convida a sonhar. Ao longo da canção, o ritmo vai crescendo com a entrada
da bateria até atingir o ápice com sua guitarra distorcida. Exceção dos
instrumentos de corda (violino, viola, cello, etc), Abujamra assume todos os
demais não só nessa canção, como nas demais. No espetáculo que leva o nome do
disco (e que tive a grata oportunidade de assistir em Curitiba no último
domingo 30/10/16), ele aproveita do fato de ser um trabalho realmente solo e
literalmente dialoga com seus instrumentos (ideia do seu filho caçula Pedro).
Na canção seguinte (Mãe Cazu)
sobressai os instrumentos de cordas (esses sim, tocados por músicos convidados)
com um ritmo bem suave. A animação retorna em “Ovô”, que conta com uma flauta
chinesa e som de balalaica entre outros instrumentos. O estilo dessa divertida música
bilíngue remete, para meus ouvidos, àquele adotado no início de sua carreira
com os Mulheres Negras. No youtube tem um clipe idealizado, dirigido e editado
pelo próprio Abujamra, filmado em um simples Iphone, que tem como protagonistas,
entre outros, o filho Pedro e seus avôs (imagino): https://www.youtube.com/watch?v=YDv1gsfID8M
Bom demais viver
Mesmo que a vida dê rasteiras
O ritmo volta a ser suave em “Rio
Quente”, música com um levada que me lembra aquelas boas canções de ninar.
Quando eu tiver filhos, colocarei essa música no berço para que os ouvidos já
se acostumem com bons sons desde bebê.
O bom e velho som de sintetizador
que marcou bastante trabalhos anteriores, reaparece na criativa “3 Homens, 3
Celulares”, de autoria do velho parceiro Maurício Pereira. Trata-se da única
canção que não é de autoria própria em “O Homem Bruxa
Retomando com força o tema desse
trabalho, “O Segredo da Levitação” tem um tom grandioso para inserir com ironia
a atual era da informação. Tendo Abujamra tocando todos os instrumentos, o
destaque fica por conta da narração de Edinho Moreno, locução bastante familiar
por diversas publicidades que acostumamos a ouvir diariamente. Essa canção
serve para encerrar o show de mesmo nome, com uma performática levitação do
próprio Abujamra. Para quem duvidar, recomendo assistir.
O olhar do olho de quem vê a vida vindo
vendo o vento
Minha cabeça também venta e eu vivo de
inventar
Venta forte balança tudo e começo a ver a
ventania
Depois de flutuar por diversos
estilos e influências, o disco encerra brilhantemente com aquela que, na minha
opinião, é a melhor: “Magia do Vento”. Para mim, parece com uma receita de quem,
como ele, vive de inventar, colocando tudo que se pode imaginar. O disco não
poderia se encerrar de melhor forma. O clipe vale a pena ser conferido
justamente pela sua simplicidade que lembra aqueles vídeos amadores: https://www.youtube.com/watch?v=awWCypqiP08
. Eu achei muito bom justamente por isso.
Enfim, filho de uma das maiores
lendas do teatro nacional, André não poderia ter crescido em ambiente mais
propício para desenvolver todo o seu potencial criativo e nos presentear com uma
riquíssima e, antes de tudo, ímpar carreira musical. Que continue assim por
mais 50.
Paul
PS. aproveito para deixar a dica: quem puder, assista ao espetáculo O Homem Bruxa. Simplesmente sensacional.
PS. aproveito para deixar a dica: quem puder, assista ao espetáculo O Homem Bruxa. Simplesmente sensacional.