quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

música pra festa!




Rappa mundi: mesmo sem ser da Bahia, esse segundo disco do Rappa é perfeito pra animar festas, churrascos e assemelhados.
Não que seja superficial ou banal. O som é ótimo, suingado, animado, mas tem muitos bons timbres e muitos detalhes de sons, principalmente barulhinhos eletrônicos, melhor ouvidos em fones de ouvido. E flui do pop ao reggae e passa ao rock, com pitadas de dub jamaicano da melhor safra. E apesar de 3 versões e músicas de outros autores, dá pra ouvir direto e nem desconfiar disso. Um disco redondinho.

Começa muito bem com a conhecida 'A feira', com uma letra ambígua e malandra sobre 'ervas que aliviam e temperam'. Um excelente cartão de visitas, resumindo tudo descrito acima.

Na seqüência vem 'Miséria S. A.', de Pedro Luís (que também merece discos por aqui!). Lembro a primeira vez que prestei atenção na letra engraçada: estava numa pousada em Visconde de Mauá, RJ, pós almoço, naquela preguiça, naquele estado intermediário entre a vigília e o sono. Quando ouvi a música (com uma grande amiga), rimos tanto que o sono se foi... Pra quem não conhece, é aquele discurso de pedintes de dinheiro transformado em música.

'Vapor barato', de Waly Salomão (que em disco posterior do Rappa se envolveu mais com a produção) e Jards Macalé, já foi gravada por muita gente, mas as pessoas da minha geração (entre 30 e muitos e 40 e poucos), que não eram muito fãs de MPB, reconhecem essa como A Versão. Sempre um hit ao vivo!

'Ilê ayê', do baiano Paulinho Camafeu, também é uma versão sensacional, começando com uma guitarra com drive lindo e uma bateria atropelando tudo, cortesia dos Mestres Xandão e Yuka. Orgulho negro balançando o esqueleto.

'Hey Joe' (de Bill Roberts) é mais uma versão (de Ivo Meirelles e Marcelo Yuka). Mistura uma levada reggae (que incorpora riffs hendrixianos!, além de um break maneiríssimo) com passagens vocais rapeadas pelo Marcelo D2, parceiro e cúmplice da invasão carioca que se perpetrou na época e prossegue até hoje. A letra foi adaptada à realidade violenta e armada do Rio. 'Também morre quem atira'.

'Pescador de ilusões' é hoje uma música obrigatória nos shows do Rappa, cantada a plenos pulmões onde quer que seja tocada. E com razão, é pop, bela e cativante.

'Uma ajuda' traz o balanço pesado de volta, mesmo sendo quase romântica em sua letra. 'Como é bom te ver, é uma ajuda, se é!'

A seqüência daqui pra frente é matadora: 'Eu quero ver gol' (praia e futebol), 'Eu não sei mentir direito' (no país do futebol, o jogo de cintura ou ginga ou jeitinho brasuca podem se manifestar de muitas maneiras, e algumas positivas), 'O homem bomba' e a sensacional 'Tumulto' são, além de boas músicas, relatos cotidianos e críticas sociais muito autênticos e sem chatice, você ouve e se sente na narrativa, entendendo toda a situação, mesmo sem ser do Rio. Todas com excelentes quebradas de bateria, levadas reggae impulsionantes e aquele baixo preciso, além dos barulinhos eletrônicos.

O disco dá uma relaxada no final, que ninguém é de ferro.
'Lei da sobrevivência (palha de cana)' tem uma guitarra discretamente distorcida, mas já é mais lenta, antecipando o fim.

'Óia o rapa' (nota: rapa é um gíria carioca que significa a repressão aos vendedores de rua), de Lenine e Sergio Natureza, termina com chave de ouro, com uma bateria que parece eletrônica pela duras quebradas que não param de rolar ao fundo, além de uma voz distorcida (que parece do Lenine).
Eu já comprei o cd duas vezes, e duas vezes me roubaram. O jeito foi baixar... Espero que eles voltem a compor e tocar ao vivo em breve!!!
Ah, produção de Liminha.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O som do sim



Contundente.
Esse disco 'solo' do Herbert Vianna é anterior ao acidente que o deixou paraplégico.
Mas já tem um vigor contra a violência, que depois se mostraria mais presente nos discos dos Paralamas.
Ele convida vocalistas amigos pra dar um colorido muito legal e variado ao disco. Algumas sonoridades são bem diferentes das que estamos acostumados a ouvir com os Paralamas.

'O muro', com meu conterrâneo niteroense Black Alien (um dos artistas/poetas subestimados e menos citados por aí), começa muito bem, fugindo do som rap característico, mas com forte letra, sobre a violência cotidiana e banal, aparentemente mais visível no Rio de Janeiro.
'Será que quem puxa o gatilho
vê que são pais, irmãos e filhos
que já não sabem mais dizer
de que lado o mal está'.

'História de uma bala' continua nesse tema, com a voz sempre malandra da Fernandinha Abreu e um excelente e surpreendente solo de scratch, cortesia do mestre DJ Nuts.

'Vamos viver' traz Sandra de Sá e um clima mais positivo e cotidiano, orquestra discreta, produção de Liminha, um dos vários produtores presentes no disco, escolha inteligente que traz mais variedade à produção.
'Vamos consertar o mundo
vamos começar lavando os pratos
nos ajudar uns aos outros
me deixe amarrar os seus sapatos'

'Partir, andar' é linda. Um som mais leve, próximo do som típico da convidada Zélia Duncan. Quase uma bossa nova. Emocionante.

'Mr Scarecrow' traz a voz rasgada da Cassia Eller. Rock'n'roll!

'Hoje canções' é a mais atípica do álbum. Composta com Paulo Sérgio Valle, é uma típica bossa de beira praiana que, para coroar e ressaltar isso, traz a voz de Nana Caymmi. Ainda tem Marcos Valle no arranjo, regência, piano e vocais. Herbert só no violão e voz, provavelmente num banquinho.

'A mais', composta com Pedro Luís, traz a voz de Fernanda Takai, que é muito discreta, quase backing vocal quando canta junto com Herbert. Mistura uma base meio programada e uns slides maneiríssimos.

'Inbetween days', cover do Cure, conta com os charmosos vocais de Érica Martins. Ficou diferente, quase bossa, tipo aqueles discos rock in bossa...quem sabe não foi colaboração oculta do Emerson Nogueira...

'Eu não sei nada' é a minha preferida. Voz rouca e gaita de Luciana Pestano (quem é essa mulher? me ajude por favor), gravada e exposta até na respiração ofegante. Tecladinho Hammond e piano de Henrique Portugal (do Skank, o grupo). Letra genial. Riff criativo de Mr Vianna.

'Um truque', com Moreno Veloso acompanhado de integrantes do 'Mulheres que dizem sim' e percussão de Dado Villa-Lobos, é legalzinha, balançante e divertida.
'E o som do sim
é tudo que se ouvirá de mim'

'Une chaison triste' é dedicada a Renato Manfredini Júnior. Bem francesa e marítima, mais ainda com a voz etérea e processada de Daúde. Lembra trilhas de filmes, com uns belos sopros. Encerra o disco de modo bem leve e alto astral.

Diga Sim!

sábado, 11 de dezembro de 2010

O Canto do Cisne da Gal



Já indiquei aqui alguma coisa do Roberto Carlos, que tem como destaque em sua trajetória a sua acentuada decadência. Gênio autêntico em minha opinião, mas que imagino ter uma montanha de contas e compromissos a saldar. Só isso justifica continuar do jeito que anda.

O mesmo vale para o Titãs...e para a Gal.

Em algum momento tiveram uma chance de ouro para parar, jogar toalha e curtir seus netos ou bichinhos de estimação em paz. Comprar brinquedos pra sobrinhos ou jaquetinhas pra poodles era o que poderiam estar fazendo já há algum tempo.

Mas não! deram uma de Rocky Balboa e insistiram. Lástima.

Tudo isso para indicar o MINA D'ÁGUA DO MEU CANTO.

Diz uma antiga crença que o cisne-branco é mudo durante toda a sua vida, mas pode cantar uma bela e triste canção imediatamente antes de morrer.

Esse disco foi o canto do cisne da Gal. Naturalmente ninguém aqui tá matando a moça, por óbvio.

Disco de 1995 realmente bom. Somente com musicas de Chico e Caetano. E musicas escolhidas a dedo!

Só para ficar numa única indicação de cada um: Desalento e Milagres do Povo. As demais seguem o mesmo padrão.

Sempre acreditei que atingir o seu melhor tão cedo acaba se tornando uma maldição. Gal fez o seu "Gal Canta Caymmi - 1976" e "Gal Tropical - 1979". Ok, maravilhosos, indispensáveis mesmo. O problema é o "Gal a Todo Vapor - 1971". Simplesmente não dava para fazer coisa melhor! Já em 1971 a moça iniciou sua queda. Claro! quem não desejaria uma queda nestes termos...mas...

O "MINA D'ÁGUA DO MEU CANTO" apenas findou o processo de forma elegante. Depois dele deixei de me preocupar com a Gal.

ZEBA

domingo, 28 de novembro de 2010

Só se for a dois



Continuando nosso tenso blog, posto hoje o segundo álbum solo do Cazuza.
Vindo de um extremamente romântico e MPB, aqui Cazuza mostra também a face romântica e lírica, mas deixa entrever uma agressividade que começava a crescer.
Assim começa o disco, com a faixa título, dedicada a vários grupos de um modo poético e contundente, alternando gritos e partes mais calmas. Tem partes lindas:
‘As possibilidades de felicidade
São egoístas, meu amor
Viver a liberdade, amar de verdade
Só se for a dois’.

Em seguida ‘Ritual’, começa só com sua voz, logo acompanhada por um violão e depois entra a banda, excelente por sinal. Essa é a primeira parceria com o antigo amigo Roberto Frejat.
‘Pra que sonhar
A vida é tão desconhecida e mágica’

‘O nosso amor a gente inventa’ é uma das clássicas do disco, faz parte de qualquer boa coletânea de boa música brasileira. Dinâmica, começa leve, ganha um corpo com uma guitarra mais drive e tem até um belo solinho (com tapping!) daqueles assobiáveis e melodiosos.
‘Culpa de estimação’ é das desconhecidas, com gaitinha. Divertida e leve, com um clarinete sinuoso. Mais uma parceria com Frejat. Boa metáfora, a namorada é a culpa...
Aí vem uma das mais belas dele, ‘Solidão que nada’, parceria com o Kid Abelha George Israel e Nilo Romero.
‘Que meu novo nome é
Um estranho que me quer
Viver é bom
Nas curvas da estrada
Solidão, que nada
Viver é bom
Partida e chegada
Solidão, que nada’
Mais uma com um belo solo, cortesia de Rogério Meanda, que também é co-autor de ‘Nosso amor...’, ‘Só se for a dois’, ‘Completamente blue’ e ‘Vai à luta’.

‘Completamente blue’ é um pop rock goxxxtoso, como diria o carioca Agenor, inclusive em sua letra ‘Sou feliz em Ipanema, Encho a cara no Leblon
Tento ver na tua cara linda
O lado bom’.

‘Vai à luta’ é alto astral, começa com uns metais bonitos. Boas frases: ‘Passa toda deslumbrada sem um tostão pra me emprestar’ e lembra um importante fato da fama ‘os fãs de hoje são os linchadores de amanhã’.

‘Quarta-feira’ é um bluesão com sax e letra viajante, psicodélica e religiosa. Estranhíssima.
‘Porque eles sabem que amar é abanar o rabo, e as mulatas sonham com sheiks alemães’...

‘Heavy love’, apesar do nome e de ser parceria com Frejat, é um funk balançado, com uma baixão slap de dar gosto. ‘Acenda as luzes todas, perca a razão’.

‘Lombo mal da Ucrânia’ é mais heavy, mais rápida, mas nada demais, tirando o nome, claro.

E pra terminar, mais um blues, dessa vez delicado, só com voz e violão. Parceria com Oswald de Andrade (?). ‘Balada do Esplanada’, que deve ser um hotal, acredito.

Algumas vezes fazem a disputa de quem seria o melhor, Cazuza ou Renato Russo. Cazuza é mais contemporâneo, mais cotidiano e local. Renato é mais lírico, artesão e universal. Mas não caia na armadilha, fique com os dois.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"Confraria da Costa", 2010...para não ficar à deriva




Quase todo mundo tem algum amigo que faz parte de uma banda local. E é muito comum que, em nome da amizade, a gente acabe indo aos shows e até comprando (ou ganhando) discos, mas não é costume dar muita atenção. Há alguns anos conheci Marcello, um arquiteto-guitarrista que tinha uma banda chamada Gato Preto. Nunca tinha escutado antes, mas arrisquei a ir a um show em Curitiba. E devo confessar que me surpreendi positivamente com a banda e o show: um som vigoroso, diferente e sobretudo, original.

Desde então, além de amigo, virei fã do grupo que há cerca de um ano passou a se chama “Confraria da Costa” e gravou um CD excelente com o mesmo nome.

Misturando sons de guitarra, baixo e bateria com bandolins, violinos e flautas, o Confraria abre o disco com “Homo Tudo Sapiens”, cuja introdução puxada pela flauta lembra o som do Jethro Tull. Letra original, irônica, cheia de trocadilhos: não há nada que homo não sapiens responder.

O ritmo pirata que caracteriza tanto esse som intensifica-se nas faixas seguintes com “Coisas piores acontecem no mar” e “À Deriva”, em que o violino do Jan não só dá o ar de sua graça, como é responsável por uma introdução matadora: Quem te deixou neste mastro à deriva sabia nada de navegação.

Na 4ª faixa, “És Cadavérico”, destaca-se, junto com a voz rouca do Ivan, o bandolim do Marcello Stancatti. Trata-se de uma das canções mais marcantes que levanta o público cativo durante seus shows, principalmente em Curitiba, onde tive oportunidade de testemunhar.

Como a vida de pirata não é só alegria, momentos de isolamento também são retratados, como em “Confidencial”: tranque a porta da minha casa..depois preguem as janelas...por um tempo eu acho ... vou me ausentar. Tempo para respirar...

A seguir, o “Canto dos Piratas” reforça mais ainda o espírito dos marujos. Difícil desassociar esse som com o balançar de um copo de rum ao ritmo de uma nau: A vida é cruel, e foge veloz, Ela vem lentamente, cala nossa voz, Cega nossos olhos, não tem pena de nós, Ela quer que nós, juntos, fiquemos tão sós. Outro detalhe interessante dessa canção, muito bem reparado pela Carol (também conhecida como minha namorada), é que as estrofes do refrão alternam-se ao melhor estilo de Construção, de Chico Buarque. Genial!

Sempre há uma carta embaixo da mesa, sempre há uma carta fora do lugar. As apostas entorno dos jogos de cartas ou de um tabuleiro de xadrez também têm vez no ritmo dos marujos, assim como as trapaças que rodeiam esses jogos em “Embaixo da Mesa”.

A letra de “Certamente a mente mente” traz consigo, ao som encorpado que além dos por trombone, trumpete e saxofone, uma mensagem mais poética.

Em “caravela estelar”, o bandolin e o violino ocupam novamente lugar de destaque com uma sonoridade que nos faz viajar pelo mares negros.

O tom (waits) lamurioso e solitário de “Confidencial” volta com força em “Réquiem”. A influência do músico americano de voz rouca e composições intrigantes fica mais aguçada com o som de Trombone de Raule Alves. Só não perguntem quando eu vou voltar.

O disco fecha com outra canção que se tornou um clássico do Confraria da Costa desde o tempo em que se chamavam Gato Preto. “Não abra essa caixa com cobras” tem talvez o refrão mais conhecido e cantado por todos os fãs que acompanham os shows dessa banda. E a flauta ao melhor estilo Ian Anderson tornou-se uma das marcas dessa música.

Pela originalidade acompanhada de um som marcante, trata-se muito mais do que um daqueles grupo de amigos. Eu me arriscaria dizer que é uma espécie de gipsy-punk-rock, que mistura influências de Gogol Bordello, Jethro Tull e Tom Waits (não é a toa que sua imagem se faz presente na bela capa) com letras em português, em uma referência aos sons de piratas. Fui claro? Não?! Ainda bem... assim quem sabe levanta mais curiosidade a respeito. Basta abrir os ouvidos para o novo e certamente qualquer ouvinte de bom gosto também se tornará um fã.

Enfim... fazendo jus ao som pirata, o Confraria da Costa disponibiliza, oficialmente em seu site, o disco para baixar gratuitamente, sem frescuras: http://www.confrariadacosta.com.br. Acesse, baixe...e boa viagem.

[Paul]

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um Zepelin de Minas Gerais, uai!


Recentemente morreu Zé Rodrix. Triste notícia que não teve muito destaque na mídia. Por um lado, uma injustiça. Por outro, uma coerência com um artista que nunca foi muito de mídia mesmo. Senão o primeiro, um dos primeiros registros da música de Zé Rodrix deve-se ao trio formado por ele, Luis Carlos Sá e Gutemberg Guarabira. Relançado recentemente pela EMI o álbum chamado simplesmente de Sá, Rodrix e Guarabira recebeu um tratamento pífio da gravadora que lançou aquela edição baratinha em digipack sem encarte nenhum. Tudo bem que você pode comprar o disco por uns 15,90 (ou esperar ele aparecer na gôndola de 9,90 das americanas). Mas pra ter a mais, só a capa, o nome das músicas e seus autores, fica realmente muito difícil simplesmente não baixar de graça. Eu pagava uns “déish pila” a mais tranquilamente para ter um disco (contextualizando: disco pra mim inclui o encarte, a arte gráfica, notas históricas no caso de um relançamento...) com o tratamento digno que esta coleção de canções merece. Mas, vamos a ela.

Este trio ficou famoso por ter criado o rock rural tupiniquim. Veja bem que hoje, em 2010, este termo fica totalmente desprovido de sentido. Lá nos 70, comunidades alternativas, os hippies, vá lá. E a impressão de que o termo rural fica deslocado se adensa porque a música de Zé Rodrix (e ele predomina aqui) tem um ar rebuscado que lembra muito mais a cidade que o campo (claro que a música caipira pode ter lá sua sofistificação também, mas não me parece o caso aqui...). Talvez em oposição a Rita Lee e os Mutantes, Secos e Molhados e o pessoal do progressivo nacional que começava a botar suas manguinhas de fora, só tenha sobrado este nicho para o trio (bem, tem aquela história “eu quero uma casa no campo...”, e na voz da Elis tudo vira muito facilmente a mais pura expressão da verdade).
Eles começam num passeio de Zepelin, divertidíssimo que tem um som de música de quermesse como o Mr. Kite dos Beatles. Ou seja, já na abertura eles dão o recado sobre suas referências. “Eu tô doidinho por uma viola...” canta o Zé em Hoje ainda é dia de Rock uma das melhores músicas do disco com seu baixão escorregadio e xubi daun daun... Cumpadre Meu já tem o arzinho de poeira da música que seria típica, anos depois quando Zé Rodrix saiu, deixando Sá e Guarabira tocando, agora: uma dupla. E aqui já emenda a Primeira Canção da Estrada, outro clássico de seu repertório: “eu tinha apenas dezessete anos, no dia em que saí de casa... e não fazem mais de quatro semanas que eu estou na estrada...”. Aos dezessete estas quatro semanas bem vividas podem dar uma noção mais real que o rei, sobre o que é o passado e o presente.

Seguem as canções no zepelin rural, alternando títulos como Blue Riviera, Pindurado no Vapor e Juriti Butterfly. Sem jamais perder as raízes no rock como em Os Anos 60, eles entram na melhor música do disco, quiçá a melhor de todo o repertório de Zé Rodrix: Mestre Jonas. A “música do Zeba” é pontuada pelo teclado alucinante de Zé Rodrix que cria um caleidoscópio sonoro absurdo para quem mora dentro de uma baleia, quase uma contradição, mas o resultado é sublime, um dos melhores rocks brasileiros de todos os tempos não só pela música em si, mas por mostrar outra possibilidades para a nossa música. A capa também desmistifica um pouco o rock nacional. O dirigível em chamas desenhado em preto e branco no primeiro disco da banda de Mr. Jimmy Page e cia, aqui aparece colorido em meio ao jardim, flanado tranquilamento rumo aonde o vento levasse...

Zé se foi, como inevitável é. Mas sua música já é eterna.

[M]

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Rio Abaixo, Paulo Freire (1995)


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Não costumo ouvir música instrumental. É uma falta-de-hábito-quase-um-vício em ouvir a voz humana e o som das palavras (qualquer que seja a língua!) junto com a música. As exceções que me curam de vez quando se contam nos dedos. Miles Davis e sua música cheia de melodias belas e imediatas, Ravi Shankar e sua música além da percepção...

Mas tem uma exceção especial, e é este Paulo Freire tocando sua viola brasileira rio abaixo. O violeiro saiu em busca do som do Grande Sertão Veredas, se aventurou pelo norte de Minas, foi parar na beirada do rio Urucuia num lugar chamado Porto de Manga. Aprendeu com seu Manelim os toques de viola com nomes de sapo, lagartixa e inhuma. Outro violeiro, seu Zé Costa, habitante do Jacu levou Paulo pela Folia de Reis noites do sertão adentro.

E a música de Paulo Freire segue rio abaixo. “Vai ouvindo”. Acompanhado de Swami Jr. no violão de 7 e de Adriano Busko que toca percussão variada e alguns convidados especiais (Mario Manga, sim, ele!, o do Premê, toca violoncelo na faixa mais bela do disco além de co-produzir o trabalho). Os títulos das músicas remetem direto sem escala para o sertão, o grande: Mosquitão, Seca, Inhuma da Taboca, Fumacinha da Manga, Suíte da Lagartixa entre tantos outros. Em geral, composições do próprio Paulo Freire, algumas poucas parcerias com Seu Manelim, outra com o Swami. Aqui e ali uma composição de Tavinho Moura e um tratamento violado para Seguidilla de Bizet.

E a descida do rio na viola de Paulo Freire é extremamente honesta consigo mesmo. E a gente agradece. São-paulino e morador do Guará, o rio de Paulo Freire segue seu curso e encontra a cidade com as angústias e prazeres que ali afloram. A percussão de Busko, hora é a roça mesmo, moda e viola total, hora é surda e suave como se acompanhasse um raga indiano, ou ainda flamenca em Bizet. Outros elementos sutilmente dão um toque pessoal. Um pedal de eco ligado na viola em Chianti e nos Lundus do Urucuia (esta, na verdade é a única canção no disco). O violoncelo que o Manga toca em Seca dá a atmosfera perfeita a esta bela música. Você vai ouvindo e fica até com sede! Wandi Doratiotto lê com maestria a Receita de Pacto que fecha o disco.

Mas a estrela aqui é a viola de Paulo Freire. Música instrumental como se não fosse porque o instrumento canta. “Vai ouvindo...

[M]

sábado, 9 de outubro de 2010

Lero Lero - Luísa Maita (2010)


misto de tédio e mistério

meio dia / meio termo

incerto ver nesse inverno

medo que a noite tem

que o dia acorde mais cedo

e seja eterno o amanhecer

(misto de tédio e mistério – leminski)


Luísa Maita era um mistério. Lero Lero chegou nas minhas mãos no agosto gelado de 40 anos. Misto de mistério sem tédio. Uma poesia que só fui desvendar no agosto quente da Mountain Avenue.


E o cd foi se revelando devagarinho, na paz, como toda música ouvida pela primeira vez merece ser tratada. Abrindo com a sossegada Lero Lero, com voz de algodão acompanhada de um violão de batida marcante, Luísa Maita à vontade canta as coisas invisíveis e indizíveis da amizade. Uma música cantada em códigos. Códigos do olhar, da rua, da intimidade.


E assim segue, o cd todo desliza como se estivesse numa corda bamba. Os passos são lentos, mas a leveza e a graça são essenciais na travessia. É assim que eu escuto Lero Lero – a aspereza tratada com fragilidade.


O repertório é cheio de fatos cotidianos – amor, motoboys, uma pessoa andando de bici, o mar. É a simplicidade transformada em poesia do dia-a-dia: e tem um samba ali, uma música eletrônica aqui, uma cuíca lá e uma viola do outro lado. Luísa Maita em Lero Lero coloca notas musicais na rotina de São Paulo. As cores aparecem, mesmo na aparente ausência de cor. O caos gris flutua e se transforma numa viagem.


O som parece artesanal, saído de um ateliê. Lero Lero é cheio de conversas paralelas, de velocidade, de alegria, de rastros jamaicanos. “Onde é que aquilo ia dar/ E o medo vinha devagar/ Mas o desejo de sonhar tomava conta lugar”.


Lero Lero é um pedido de água, de trégua. É a poesia extraída de uma constelação nova. Supernova.

[ANDRÉA]

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mais um com Robertão!



Um amigo um dia afirmou: “O problema da Maria Bethania é que se ela canta parabéns a você, realmente você se sente envelhecendo”.

Mas também é uma virtude. Veja o caso desse disco que ela fez só com canções de Roberto e Erasmo.

A principio achei uma heresia. Ninguém canta Roberto, como Roberto. E essa verdadeira tentativa infeliz de esquecer o fato não deve cair bem.

Mas, basta uma conferida superficial para concluir-se que a Bethania está para o Roberto nas suas intimistas, como a Ternurinha para a Jovem Guarda. Parceria tardia.

E bota tardia nisso. O disco é de 1993. Nesta época Roberto era o mesmo de hoje, só não andava de navio por aí. Fico pensando. Se essa parceria fosse mais constante, talvez o Robertão não pagasse o mico que andou pagando com musica pra gordinha, caminhoneiro...rimando Amazônia com insônia e, sonho dos sonhos, talvez Baleias não fosse sequer intuída.

Imagino assim: um belo dia Roberto Carlos acordaria suando, tremendo, cutuca a esposa e fala que teve um sonho estranho com mar, Moby Diky, arpões, coisas do gênero. Em vez da mulher falar ciosas do tipo “que os pesadelos são algum problema adormecido, durante o dia a gente tenta com sorrisos disfarçar alguma coisa que na alma conseguimos sufocar”, mandaria ele ouvir um Bethania qualquer, sugerisse uma bela muqueca baiana e mandava ele não mais encher o saco com essas bobagens que ela queria dormir.

Seja como for, as baleias sobreviveram.

Mesmo sendo de 1993, temos aí uma Maria Bethanea que tomou o cuidado de só escolher musicas da velha fase. Naturalmente, excluindo tudo da Jovem Guarda, por Deus!

As musicas do Roberto e Erasmo que se situam entre a Jovem Guarda e o Guerra dos Meninos (essa eu gosto, fazer o que?) são geniais e sempre foram as minhas prediletas de toda MPB. Esse disco resgata o que há de melhor desse interim. Pena que não é duplo!

Fera Ferida e Olha são, de longe, as minhas prediletas de toda obra da dupla. E estão no disco.

Essa obra com suas musicas só é comparável em sua biografia com o seansacional show que ele acaba de fazer para o centenário do TIMÃO!

ZEBA

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Meia lã com linha (Los Hermanos - 4, 2005)

Esqueça o Maracanã lotado em festa para um Fla-Flu decisivo. Esqueça todas aquelas bundinhas maravilhosas espalhadas sobre as areias de Ipanema e Copacabana. Esqueça o eterno bom-humor e joie de vivre do carioca. Los Hermanos é outra parada. É tão outra que, não fosse o sotaque, passaria a certeira impressão de ser da terra da garoa, do túmulo do samba. Ou ainda além: é tanta milonga que, como o nome mesmo sugere, Los Hermanos soa como música porteña...


4 parece ter sido seu disco de despedida (provisoriamente definitivo). E tem ares mesmo de missa de Réquiem:


É de lágrima que eu faço o mar pra navegar...


Canta o Marcelo Camelo na última faixa (É de Lágrima). Isso deve ser mesmo uma das frases mais triste de toda a música brasileira... E o disco todo é assim. A capa em tons de rabecão, as vozes cansadas, o ritmo arrastado...


O mar é tema. Mas nada de dia de luz, festa do sol, barquinhos a deslizar, peixinhos e beijinhos e outras frescuras. Aqui a coisa está mais pra Hemingway do que pra João Gilberto. Se termina em mar, assim começa também o disco. Em Dois Barcos o verso inicia-se...


Quem bater primeiro a dobra do mar / dá de lá bandeira qualquer / aponta pra fé... e rema


E adiante, o que parece ser a chave deste 4. Los Hermanos olham para o mar, e não para a areia. E o mar é solidão, é tristeza e medo do desconhecido:


Fez-se mar, senhora, o meu penar / Demora não, demora não / Vai ver o acaso entregou alguém pra lhe dizer / O que qualquer dirá...


Rodrigo Amarante também acompanha a onda do mar de Camelo, e traz do mar o parceiro, o Vento:


Posso ouvir o vento passar / Assistir à onda bater / Mas o estrago que faz / A vida é curta para dizer


E também dele é o melhor momento deste disco, Condicional. Num ritmo de baile de quermesse (ou marchinha, como prefere a banda), a melodia é cantada como uma partida de tênis, num bate e volta emendando o fim de um verso com o começo do próximo, deixando o miolo suspenso no ar...


Quis nunca te perder / Tanto que demais / Via em tudo o céu / Fiz de tudo o cais / Dei-te pra ancorar / Doces deletérios

Eu quis ter os pés no chão / Tanto eu abri mão / Que hoje eu entendi / Sonho não se dá / É botão de flor / O sabor de fel / É de cortar.

Eu sei é um doce te amar / O amargo é querer-te pra mim / O que eu preciso é lembrar, me ver / Antes de te ter e de ser teu, muito bem


Em seu quarto disco, que poderia muito bem se chamar (a)mar, Los Hermanos aprofundam a melancolia que já assolava os trabalhos anteriores. Fazendo lembrar que a alegria é um estado interior e que, mesmo em condições exteriores ideais, às vezes ela não bate.


Os dias que eu me vejo só / São dias que eu me encontro mais / E mesmo assim eu sei tão bem / existe alguém pra me libertar


Finaliza o Amarante esta belíssima canção. Mesmo na cidade maravilhosa, quente e ensolarada, dá pra ficar solitário e triste de vez em quando. Mas há de passar, viu? Depois da tormenta vem a calmaria, e, no mais


a gente quer ver...

o horizonte distante!


[M]

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Exagerado!!!!

Esse post é dedicado ao Ezequiel Neves, que ‘conseguiu’ morrer no mesmo dia - 20 anos depois – do Cazuza, 7 de julho de 2010 e de 1990, respectivamente.
Ezequiel, junto com Nico Resende (também tecladista no disco), produziu esse primeiro disco solo de Cazuza, chamado de Cazuza, mas conhecido como Exagerado.
Exagerado seria um excelente nome de disco, mais ainda sendo de quem é.
A essa altura, não preciso explicar quem é, o que fez antes, de quem ele é filho etc. Aqui vamos escutar e comentar esse disco de estréia, muito muito bom.
O gosto de Caju extrapolava o blues/rock’n’roll do Barão Vermelho e, conseqüentemente, o levou à carreira solo, onde poderia flertar com a MPB, o samba, Dolores Duran, Lupicío Rodrigues, Cartola, bossa-nova etc.
Agenor de Miranda Araújo Neto lançou 5 discos em 4 anos, alguns dos quais serão resenhados aqui. Conta muito a urgência de saber-se soropositivo, numa época em que a ‘sobrevida’ era bem menor.
O disco tem uma sonoridade mais limpa, menos rock do que os do Barão, mas ainda não tão MPB quanto os posteriores.
Começa bem, ‘Exagerado’ é um clássico, parceria brilhante com Ezequiel e Leoni. Também tem um solo belíssimo, curto e expressivo, do pra mim desconhecido Rogério Meanda. Nada que o Google não resolva: atualmente é guitarrista da Blitz, parceiro de composição da minha ex-colega de Direito na UFF Vanessa Rangel. Ah, também presente no disco ‘Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço’...
E também é co-autor da radiofônica (tocou bem, eu lembro, meninos, eu ouvi) ‘Medieval II’. Muitas guitarrinhas bonitas. ‘Será que sou medieval?/ Eu que me acho um cara tão atual/ na moda da nova idade média/ na mídia da novidade média’.
‘Cúmplice’ é a canção seguinte, pop, legal.
‘Mal nenhum’ é das melhores, parceria com Lobão. ‘Eu não posso causar mal nenhum, a não ser a mim mesmo’, o óbvio eventualmente parece genial, principalmente em certas matérias sensíveis, tendentes à histeria, como aqui no caso, As Drogas.
‘Balada de um vagabundo’, parceria de Frejat e Waly Salomão, legal também, pop também. Destaques: ‘maracujá de gaveta num prédio vazio num terreno baldio’, ‘um vício só pra mim não basta/ é uma inflação de amor incontrolável’.
Segue a belíssima e açucarada ‘Codinome Beija Flor’, parceria com Ezequiel e Reinaldo Arias. Conhecidíssima, mas ainda boa de ouvir. ‘Prendia o choro e aguava o bom do amor’.
‘Desastre mental’ tem uns timbres de guitarra mais pesados no começo, alternando com uma calma nos versos. Legal.
Seguem 3 parcerias com Frejat: ‘Boa vida’, pop nada demais; ‘Só as mães são felizes’, bluesaço censurado (‘você nunca sonhou ser currada por animais/ nem transou com cadáveres/ nem quis comer a sua mãe’) e muito legal – mesmo que eu prefira a versão do Barão; e ‘Rock da descerebração’, que também foi gravada pelo Barão num ao vivo excelente.
Viva Cazuza e Ezequiel!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sentinela - Milton Nascimento (1980)


"Sentinela" parece que veio ao mundo para celebrar a amizade. Sentinela, palavra feminina, é também o ato de preservar e de guardar - e tenho me dado conta cada vez mais que a música aperta o nó da amizade, preservando e guardando o vínculo aos que gosto. Uma onda amorosa que vai enlaçando suavemente um a um – sempre na melhor vibração.


Ganhei "Sentinela" ainda em vinil, quando terá sido isso? Sei lá, em 1984, 85? Já não me recordo mais... Mas me lembro de ter encontrado o LP na porta da frente da minha casa, encostadinho me esperando - e vinha com um bilhete escrito numa folha de caderno. Foi meu primeiro presente-musical vindo de um amigo.


Na época Caetano e Milton transitavam pelos meus ouvidos. Eram como duas ondas de rádios diferentes e elas conviviam muito bem dentro de mim. A música tem isso de nos transformar em mil – o tempo passa e cada vez mais novos canais vão se adicionando e se aninhando aos que já estão lá e todos se encaixam muito bem dentro da gente.


"Sentinela" é um disco que inspira sentimentos delicados. Com sua voz zen, Milton Nascimento vai virando as páginas do seu livro de estória musical e enreda a força da natureza com a força do homem, tentando entender esses dois mundos que se encontram inevitavelmente. Canta a solidão, a guerra, mas canta também o encontro, a comunhão. "Sentinela" aposta na irmandade, nos homens diários e nas suas minúsculas e imprenscidíveis lutas.


"Sentinela" zela pelo ser humano. É o otimismo sozinho na plataforma, esperando a fumaça e ouvindo o apito do trem.


"Sentinela" tem uma coisa única e por isso, especial: a cena musical leva minha imaginação para um lugar singelo, de poucas coisas, mas de muito sentir. É a magia da escassez.


Todas as músicas são como um sino de um mosteiro: te tocam fundo, duram dentro de você. E me lembro da surpresa que tive com a fala distante e inesperada de Leila Diniz dizendo:


"Brigam Espanha e Holanda

pelos direitos do mar

o mar é das gaivotas

que nele sabem voar

Brigam Espanha e Holanda

pelos direitos do mar

Brigam Espanha e Holanda

porque não sabem que o mar

é de quem o sabe amar"


Sentinela: Ah! Sol e chuva na sua estrada. Mas não importa não faz mal. Você ainda pensa e é melhor do que nada. Tudo que você consegue ser ou nada.

[ANDRÉA]

terça-feira, 6 de julho de 2010

Prefiro morrer de Vodka que morrer de tédio... (Essa tal de Gang 90 e Absurdettes, 1983)


Na época não dei bola. Só queria vestir minha cabeça dinossauro e invadir sua praia no passo do lui. Parece que é sempre assim, como aquela sua vizinha de óculos que de repente vira a Winnie Cooper... E o pior é que, dar essa bola que não foi dada há esses quase trinta anos atrás soa, e é, extremamente anacrônico. Da grande leva de novidades que assolou o roque tupiniquim na década de 80, este talvez seja um dos mais datados. Mas essa talvez seja até uma vantagem, pois escutar esse disco soa menos como flash-back do que os momentos clássicos daquela década.

Primeiro que as referências são demasiado óbvias: Blitz e B52’s. Uma ponte interessante entre os dois, menos teatral que o primeiro e mais pretensioso que o segundo, Essa tal de Gang 90 ainda pode ser uma audição bastante agradável, sem soar excessivamente nostálgica. O motivo é simples, basta olhar a lista de canções: são três hits memoráveis, Nosso Louco Amor, que foi tema de novela global, Telefone e Perdidos na Selva. Esta última aparece aqui em versão reggae, certamente bem menos conhecida que a original que participou de um daqueles festivais de MPB do início da década (de 80), fica devendo demais à original, mas ainda é um registro interessante.

Veja como a indústria nacional do disco vacila. Quase trinta anos depois, o disco é relançado em CD e custava nada ter Perdidos na Selva, na selva mesmo, não em nenhuma jamaican grass jungle, como faixa-bônus? O problema é de direitos autorais? Negociação com a Somlivre? Ou é má vontade mesmo? Depois a indústria fonográfica reclama dos downloads de graça...

Nem mesmo uma versão desprezível de Noite e Dia de Lobão com Júlio Barroso estraga o disco. Românticos a gô-gô, é o yin do Nome aos Bois dos titãs, lançada anos depois. Eu sei, mas eu não sei é total e deliciosamente bife com tutu, enquanto que Dada Globe Orixás e Mayacongo conferem unidade a um disco singular que marca a assimilação da Nova Onda em solo tropical, com pitadas de road movie e movimento beatnik...

A formação da banda para este disco clássico conta com a base clásssica, o vocalista Julio Barroso acompanhado de três meninas (Alice Pink Pank, May East e Lonita Renaux) ,mais o guitarrista Herman Torres que se entende muito bem com Wander Taffo (aqui não fica muito pra mim se este era da banda, ou um músico convidado que toca em mais da metade do disco) também na guitarra, as duas funcionando em contraponto, como se Richards e Wood tocassem new wave, o baterista Gigante Brasil, que viria a tocar depois com a Banda Isca de Polícia que acompanhou Itamar Assumpção, e no último disco da Céu, o tecladista Luis Paulo Simas, o baixista Otávio Fialho e o baixista tutti-frutti Lee Marcucci (provavelmente outro convidado, além de Guilherme Arantes que toca na infeliz música de Lobão). Ou seja, turma de respeito!

Como curiosidade (um tanto mórbida), em Convite ao Prazer, Julio Barroso canta:
Um sonho estranho nas paredes do prédio / Prefiro morrer de vodka do que de tédio / Acendo um cigarro e vou até a janela / Na rua umas sombras à luz do luar / Do luar, sombras à luz do luar.

Ironicamente morreria poucos anos mais tarde num acidente caindo desta mesma janela...
[M]

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pérolas ao poucos - Zé Miguel Wisnik (2003)


“Pérolas aos poucos” rouba a gente pelo feixe de Hiss: aquele delicado sistema elétrico do coração que nosso corpo utiliza de tomada, entre outras coisas, para nos plugar às coisas bonitas da vida. A conexão aqui é pelo coração e não pelo cérebro. É amor e não razão.


“Pérolas aos poucos” entra pela tua esquina, em frases cristalinas – efeito circular que te envolve na roda. São enlaces sonoros, a voz, o piano, as rimas, as não rimas, a dor, o tempo e a cura. E tudo termina numa concha de cor escura, onde o sol se despede.


Tudo é macio, suave, música que pede calma, que te toma pela mão. A cadência das frases, as palavras cantofaladas, as vírgulas, o canto é alegre, de alma viva. Se a gente pudesse ver o som, “Pérolas aos poucos” teria os olhos brilhantes e curiosos.


É também um cd em que cabe o mundo – que se estica entre o campo e a cidade. Há a magia da escuridão em “Anoitecer”, a hora de se a ver com a verdade, que parece estar lá fora, mas não, ela está lá dentro, dentro da gente. Dessa hora tenho medo.


Adoro a “Tempo sem Tempo”! Gosto porque celebra o encontro. O verdadeiro – com todos os ingredientes. Comemora o desejo, o pedido e o risco. O risco das feridas e das despedidas. Mas ora! Só há despedidas depois dos encontros…

Arco-íris que espalha cristais sexuais! Delícia total.


“Sem Receita” – Música de amor temperável e comestível, como mesmo deve ser o melhor amor. E a lembrança é aquela hora em que a gente lambe os lábios com saudades de tudo o que rolou. Porque amor não tem receita, é inédito a cada vez!


O “Pérolas aos poucos” é todo gracioso! Com uma malandragem aqui e outra ali, o disco é cheio de pequenos prazeres escondidos no tom da voz de Zé Miguel, nas parcerias, nas percussões e nas palmas. “Presente” é aquela que só é realmente sentida depois que teus pés entram no compasso e levam teu corpo inteiro ao movimento. Gozo sem fundo.


“Perólas aos poucos” é a certeza de que no amor não há nem nunca haverá culpado. Sem palavras.

[ANDRÉA]

sábado, 12 de junho de 2010

A Voz e o melhor Piano


Pô, isso aqui é um site de comentários, mas esse aqui é o disco mais 'sem comentário' da história.

Tom Jobim, Frank Sinatra, Claus Ogerman nos arranjos e condução, um repertório impecável - incluindo algumas das melhores de Tom (difícil isso também: o que seria o pior do Tom???) mais 3 standards do chamado American Great Songbook, e o que mais? Não precisa de mais nada.

Seria perfeito se alguém tivesse dito ao Tom que NINGUÉM deveria cantar depois de Sinatra, sob risco do contraste avassalador.

Tom na verdade tocou violão ('imagem mais latina') e ficou dias esperando num hotel Frank voltar de Barbados devido a uma crise conjugal com Mia Farrow (momento Caras). Mas depois...como diz o lugar comum, o resto é história.

Gravado em 3 dias! Dizem que o cantor declarou só ter cantado tão baixo quando teve faringite...

'O disco do ano' (qualquer ano, acrescento) pela crítica americana, só perdeu em vendas no ano para o 'Sgt Peppers'.

Se é um disco brasileiro? É um disco de bossa nova, com o Maestro Soberano Tom Jobim. And The Voice. Contém todos os 'conceitos' do gênero, ouvindo você consegue imaginar perfeitamente um dia de sol em Copacabana, um chopp à beira mar ou uma água de côco com aquela maresia (do mar mesmo), moças e mulheres se bronzeando, o barulho das ondas. Ou eu viajei demais?

Mas não é cantado em português, exceto nos momentos infelizes em que Tom canta. E foi gravado nos EUA.

Além de tudo é um disco sobre amor, mesmo quando a ótica é a da insensatez, com culpa, perdão, orgulho e tudo o mais envolvido. As versões em inglês são excelentes, em alguns casos mudando sutilmente o sentido original, como em 'Insensatez' que, em sua english version, ao invés de culpar o coração do poeta pelo término do romance, lamenta sua frieza.

Olha aqui:
1- The girl from Ipanema (Garota de Ipanema)
Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes / Norman Gimbel
2- Dindi
Antonio Carlos Jobim / Aloysio de Oliveira / Ray Gilbert
3- Change Partners
Irving Berlin
4- Quiet nights of quiet stars (Corcovado)
Antonio Carlos Jobim / Gene Lees
5- Meditation (Meditação)
Antonio Carlos Jobim / Newton Mendonça / Norman Gimbel
6- If you never come to me
Antonio Carlos Jobim / Aloysio de Oliveira / Ray Gilbert
7- How insensitive
Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes / Norman Gimbel
8- I concentrate on you
Cole Porter
9- Baubles, bangles and beads
Wright / Forrest
10- Once I loved (O amor em paz)
Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes / Ray Gilbert


Ou melhor, não olha não.

Ouça.

Compre, baixe, pegue emprestado, copie, roube.

Mas ouça.
(Dão)

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Transfiguração - Cordel do Fogo Encantado (2006)


Transfiguração: ato ou efeito de transfigurar-se; transformação; metamorfose.

Transfiguração: mudança na maneira de proceder, de pensar, de sentir.

Transfiguração: Cordel do Fogo Encantado.


Transfiguração é um cenário musical único e exigente. A cadência da fala, a poesia, o sotaque, o timbre da voz, os instrumentos de alguma forma conspiram contra você. Seu ouvido e sua atenção se conectam fielmente ao som, que te agrada, que te perturba, mas que sobretudo, te magnetiza.

É um som-cênico. O Cordel do Fogo Encantado canta o facilmente imaginável, uma música-concreta, poesia-(en)cantada. Herança clara de um passado no palco.

Mas acho que além desse vínculo forte com o teatro, o Cordel tem também uma ligação, que é quase umbilical, com a literatura. A forma de cantar de Lirinha – palavra por palavra, como se ele estivesse sentindo o gosto das vogais, das consoantes - é mistura viva entre música e poesia, camaleônico labirinto. Na verdade é um rio: numa margem a poesia, na outra a música e no meio, no leito, corre a mistura inventiva do Cordel do Fogo Encantado. Fogo que nem água apaga.


O cd começa com o barulho de uma porta de prisão: som pesado, eco, palavras sombrias e sem fôlego. “Aqui” conversa com a literatura e com o cárcere: elementos quase irmãos de uma viagem solitária – mas a música transforma a literatura numa experiência quase corporal:


“vou riscar no meu braço

um pedaço de mar

que você me deixou

e criar outra recordação do primeiro lugar

que acordei pra te ver”


“O Sinal ficou Verde” é escandalosa. É uma invasão, uma coisa meio cangaço, uma conquista. Mas se olhar de perto, grudar teu ouvido, você vai perceber que é da melhor guerra que estão falando. É sobre o domínio do corpo amado.


E vai indo… Transfiguração canta estórias - estória de um homem que sobe numa árvore e que anda mil léguas sobre as folhas e beija sua mulher perto das nuvens…

“Preta” é uma das coisas mais cuidadosas e delicadas que eu já ouvi. A leveza da seda mesclada com o aconchego do xale e a chuva vem pequena, com o seu sonho de água, para lavar o que passou…

“Louco de Deus” . Deus como uma sensação que te faz bem – Transfiguração: mudança na maneira de proceder, de pensar, de sentir – Louco de algo que te faz bem sentir, uma coisa meio colorida, que dá barato.


“O sol rodando vermelho

O sol pregado no azul

O sol redondo no céu

O sol suspenso no ar”


Em “Trans-fi-gu-ra-ção” a gente escuta as palavras deixando os lábios do cantor. A palavra saindo ainda molhada, deixando calmamente a boca para explodir lá fora e ganhar um outro corpo. A paixão é estrada que dói. Metamorfose.

“Lamento das Águas Sagradas” trazendo a brincadeira da cabra-cega: as crianças, a percussão e as palmas. Misteriosa, confusa, linda e sedutora. A mais mangue-beat de todas!

“Morte e Vida Stanley” é um pedaço de cada um de nós: nossos recados sem voz, recôncavo do sol, garras do mundo sem guia.


Transfiguração é um universo desconhecido para mim: um mundo longe, agreste, árido, de sol cor de laranja, mas que estoura em flor e me conquista pelo seu lirismo em carne viva.

[ANDRÉA]

domingo, 9 de maio de 2010

Punk da periferia


Pois é, tem choro, tem rock, tem mpb, tem de tudo por aqui.

Hoje chegou o punk - se bem que já tinha Ratos do Porão. Da periferia, ou melhor das periferias, origem do movimento de massa, depois de devidamente 'criado' a partir de uma boutique inglesa...

O Gil cometeu poucos erros; que eu me lembre, essa música (Punk da periferia) é o pior: apesar da letra realista (mas excessivamente pedagógica), a música em si não tem nada a ver com qualquer tipo de sonoridade ligada ao multifacetado movimento punk.

Mas vamos parar de criticar e começar a celebrar um discão.

Inocentes!!! Até hoje na ativa, pioneiros e íntegros (palavra muito querida, ops, aos punks).

Como já dizia o Clemente (atualmente tocando tb com a Plebe Rude), guitarra/vocal/líder da banda: “Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer". Enfim, punk serve pra incomodar, entre outras coisas. Que o diga meu caro amigo Mateus...

Em 1982, saiu o primeiro registro do punk paulistano (tirando os Replicantes, gaúchos, o punk relevante é paulistano): 'Grito Suburbano', com Inocentes, Cólera e Olho Seco, tosco, primitivo, punk, depois relançado na Alemanha como 'Volks grito'.

Os Inocentes estiveram 2 documentários na época(1982): 'Garotos do subúrbio' de Fernando Meirelles e 'Pânico em SP' de Mário Dalcêndio Jr. Esse título foi utilizado depois (1986) pela banda no disco aqui resenhado.

Antes disso, lançou um disco, 'Miséria e fome', que teve dez de suas treze músicas censuradas e acabou saindo como compacto...

Depois de participar do média metragem 'Punks' de Sarah Yakni e Alberto Gieco, de tocar no antológico festival 'O começo do fim do mundo' (que virou disco coletânea e faz parte do documentário bem posterior do ex-vj Gastão Moreira), de invadir o Circo Voador-RJ com 7 bandas paulistas e mais Paralamas do Sucesso (!!!) e Coquetel Molotov, acabar e voltar com uma proposta de som mais pós-punk (junto com outras bandas do cenário rock Patife Band, Ira!, Mercenárias, Voluntários da Pátria etc), abrirem o primeiro show da Legião no Rio (sempre o Circo Voador, que inclusive passou muito tempo fechado pelo incidente de xingamento do Conde pelo Gordo do RxDxPx, depois da péssima ideia de algum estúpido assessor de comemorar a eleição num show punk), de tocar muito, finalmente em 1986, Branco Mello dos Titãs leva uma demo para a Warner. Ah, a eterna necessidade de padrinhos na música brasileira...

Produzido (muito bem inclusive, gerando como sempre reações dos mais tradicionais punks paulistanos) pelo próprio Branco e Pena Schmidt, sai em 86 'Pânico em SP', na forma de mini-LP, com 6 excelentes músicas. Aliás por que esse formato foi extinto? A Plebe tb lançou 'O concreto já rachou' em EP. Mas o preço era de Lp, claro...

Enfim as músicas:

1. Rotina: começa bem, num crássico q tocam até hoje, riff de guitarra muito legal, 'até quando ele vai aguentar?', tem até um solinho de guitarra no final, heresia punk;

2. Ele disse não: sonoridade bem rock paulista anos 80, fora a 'pronuiincia' de Clemente, sonzaço, tb com solinho;

3. Não acordem a cidade: mais frenética, meio ska, descritiva da noite e de suas criaturas que 'tem vida curta, não importa o que façam, sonhando com Deus e tudo mais', mais uma com solo de guitarra!

4. Salvem El Salvador: não sei se eles ouviram Sandinista do Clash, mas é bem provável, né? Panfletária a música, começa meio climática, depois fica mais rápida, mais um libelo anti-guerra, anti-eua e pró-américa latina. Vcs já ouviram isso antes. Genial é um riff no meio da música simulando uma metralhadora!

5. Expresso oriente: com um riff oriental (dãããã), convida ao passeio pelo oriente. Sem um hummer nem colete eu não vou! A Palestina estava em guerra.

6. Pânico em SP: crássico absoluto, começa com aquele drum'n'bass tipicamente punk fazendo a cama pra guitarra entrar mordendo, o tema antecipa o caos que pode acontecer a qualquer momento (e acabou por acontecer recentemente). 'Pânico em SP', até hoje cantamos a plenos pulmões, 'ô ô ô ô'!!!

Discaço, causou na mídia, como se diria hoje. A banda excursionou bem pelo Brasil, mas as vendas não foram as esperadas pela gravadora. Se alguém quiser, mando pro 4shared!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Carlos, ERASMO... (1971)


Tem coisa na vida que a gente não entende, mas pelo menos a gente pode tomar como um sinal: domingo de manhã acordei com um email super legal do Baiano pra gente dividir uma resenha do Carlos, Erasmo.
Tudo isso culpa do Mateus.
Bem, o domingo passou e naquela noite eu fui ao concerto da Céu e no meio do show ela começa a cantar uma música do Tremendão - daquele jeito bonito dela de cantar. A música era linda, forte e eu não a conhecia: “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”.
E aí pensei: se essa música estiver no Carlos, Erasmo, tá decidido! Resenho total.
E aqui estamos, Baiano e eu nessa viagem. Porque ao ouvir Carlos, Erasmo a primeira reação é essa: que viagem! Sem dúvida ele estava embarcando total numa viagem única, experimentando aqui e ali. Um Erasmo on the road com muita química percorrendo suas veias…
Naquela época a Jovem Guarda fazia parte do passado, o que o havia relegado ao ostracismo, que veio acompanhado por um processo por porte de drogas. Mas no ano anterior “Sentado à Beira do Caminho” havia estourado na voz de seu parceiro, que estava assumindo de vez o papel de grande cantor romântico brasileiro. Por outro lado a Tropicália havia bagunçado a MPB, misturando rock com samba, hino religioso com hino de time de futebol, guitarra com bossa nova. E Erasmo, que nunca deixou de ser roqueiro, no sentido filosófico, ficou meio perdidão, ali, sem saber direito o que fazer. Tava difícil entender alguma coisa.
Mas precisava? Talvez não. Erasmo deu dois e fez um disco de alma tropicalista, onde coubesse tudo o que sentia e quisesse, sem obrigações, sem precisar assumir falsos papéis ou imagens que não eram a dele. Não queria provar nada a ninguém, apenas fazer um disco honesto, franco, despido (“Eu não nasci pra viver mentindo. Sorrir em troca e morrer fingindo”). E já começa pela capa, uma foto de chapéu, camiseta velha sem mangas, bem hippie, rompendo totalmente com o passado Jovem Guarda. A luz é avermelhada de pôr de sol escaldante, ele sério, inconformado?, preocupado?, perdido?, ou tudo isso? E o nome - Carlos, Erasmo (essa vírgula é um charme!) – daquela maneira acadêmica de citar uma obra, só reforça o lado autoral.
O disco é bem diversificado, com letras e temas incomuns. Tem um pouco de tudo: tem rock, tem soul, funk (Mundo Deserto), contestação (É Preciso dar um Jeito Meu Amigo), tema de novela (Ciça, Cecília - Tema de Cecília), Jorge Ben (Agora Ninguém Chora Mais), Caetano Veloso (De Noite na Cama), Marcos e Paulo Cesar Valle (26 Anos de Vida Normal), Taiguara (na riponga Dois Animais na Selva da Rua Suja), Roberto e Erasmo (Gente Aberta), feminismo (Não Te Quero Santa), apologia à maconha (Maria Joana) ao lado de uma religiosa e curiosamente ambas em parceria com Roberto (Sodoma e Gomorra). Parece que ele estava perdidão e jogou todas as suas contradições no disco.
Como era um momento pessoal, Erasmo se cercou de amigos, não só nas composições, que foram fundamentais pro resultado do disco. Lanny Gordin, guitarrista onipresente entre os Tropicalistas; os Mutantes Sergio Dias, Liminha e Dinho, se multiplicam nas guitarras em riffs pesados, batida pop até solos totalmente blues, da maneira mais triste que se pode ser. Nos arranjos de Rogério Duprat e Chiquinho de Moraes, dão riqueza e diversidade. E nessa onda muitas vezes a percussão fala mais alto que a guitarra e as letras falam mais alto que a música. Muito bom!
Começa com “De Noite Na Cama”, que seduz pela bagunça, pelo tom festivo e pela graça que Erasmo imprime à música – colocou berimbau, surdo, chamou a Narinha e até a Dedé! Malandraço, ele transforma a música num soul-samba-rock delicioso! Cheia de malícia, na melhor linha da pilantragem e que chega a ser mais suingada que a do próprio Simonal, o que, convenhamos, não é uma tarefa das mais fáceis. Sem falar que a letra é um baita convite…
“É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo” tem a melhor vibe Roberto-Erasmo. Um deslumbre - a música, a letra, a voz, a viagem, a amizade, e também o inconformismo, a contestação:
“Mas estou envergonhado

Com as coisas que eu vi.

Mas não vou ficar calado

No conforto acomodado,

Como tantos por ai.

Descansar não adianta.

Quando a gente se levanta,

Tanta coisa aconteceu.

É preciso dar um jeito meu amigo”.
Clama ele, convocando todo mundo. A liga rock-blues é escandalosa e me desculpe, aqui você não tem outra alternativa a não ser se tornar um escravo voluntário dessa trip.
Muito boa também é “Dois Animais na Selva da Rua” – rockão! – Tem aí uma vontade de reinventar, começar do zero, numa espécie de instinto misturado com sonho, completamente na onda on the road, hippie mesmo. E a música é gostosa , contagiante e te carrega longe…
“Eu vou fazer de você

A ponte erguida pro outro lado da vida.

Eu vou fazer de você

Clareira aberta na selva suja da rua.

Eu não nasci pra viver mentindo,

Sorrir em troca e morrer fugindo.

Por isso somos iguais,

Nós somos dois animais que se aninham, que se amigam...”
E tome mais contestação. Amigar, casar sem a benção da igreja ou autorização do Estado, pecadores ilegais. E daí?, perguntava ele, se na essência somos puro instinto.
E o disco vai rolando, e Carlos, Erasmo vai crescendo, tomando conta dos quatro cantos da casa. E agora tô na curtição do “Mundo Deserto”. Arraso gritado, visceral.
O disco tem potência, tem vigor, tem tesão.
Presente de 2010!

[Marcelo, LUIZ e Melloni, ANDRÉA]

domingo, 2 de maio de 2010

A Letra A - Nando Reis (2003)


“Você pediu

Pra qu’eu fizesse

Um poema

Por você

Como é que eu vou saber

O que você quer me dizer?

Eu quero que você me conte”


Nando Reis. A LETRA A. Uma capa tatuada: a cor, o nome, as letras negras batidas à máquina.

E a vida deu um montão de volta e esse cd veio parar aqui na 22 Mountain Avenue, doce presente.


A letra A é um disco feito sob a minha medida: puro rock viajante, um rápido-lento delicioso, que pede o aconchego do ouvido e movimentos lentos dos ombros e da cabeça num balanço combinado e suave. A letra A captura tua atenção para as letras, para cada palavra, para poesia longa e embaraçada de prosa.


Sabe? É um disco de amor. Mais um disco de amor. É assim que o Nando parece estar confortável, e aí que é o legal! E tudo ele transforma em estória, num mini-cotidiano: o gramado, a casa, a bolsa a tiracolo, a cor do esmalte, os pés nus nas sandálias, as miçangas, os lábios e os olhos.


Nando Reis nesse disco é pontual, olha para um mundo que só os seus olhos alcançam, está à procura das coisas simples ao redor. Ele trata daquele pequeno que é grande. Grande porque está em todos nós.


“Apenas os automóveis

Sem penas se movem, inventam

Certeza é o chão de um imóvel

Prefiro as pernas que me movimentam”


[ANDRÉA]

ps: para NB, mesmo desconfiando de que rock não era sua praia!

sábado, 1 de maio de 2010

Café fresco e quentinho...

Pois é, um disco de chorinho pelo menos dentro de 1001... é o mínimo não? Este Café Brasil pode ser taxado de coletânea (o que na verdade não é), for export (o disco foi encomendado para ser lançado no mercado germânico/europeu) ou seja lá o quê. Pouco importa. Ou talvez até seja for export mesmo para ouvidos brasileiros mais acostumados à avalanche pop-rock que veio nos anos 80.

Não entendo lhufas de chorinho e gosto muito pouco de música instrumental. Uma das poucas exceções é justamente o chorinho. O nome também parece não combinar com a música que sugere alegria ao invés de tristeza, talvez sejam os tons agudos do bandolim e do cavaquinho. (while my guitar gently weeps...). Chorinho que tem gosto de manhã ensolarada de domingo no coreto da praça. Acho mesmo o chorinho mais interessante que o samba e, infinitamente superior a tal da bossa nova. Se o samba fosse uma feijoada, o chorinho seria a couve.

Em Café Brasil o nome pode parecer, cá pra nós, infeliz, mas para os gringos lá faz todo o sentido. Se o chorinho for café, é aquele passado em coador de pano, no fogão à lenha na casa da vó. E servido com rosquinha de polvilho bem fresquinha e broa de fubá no meio da tarde, naquela hora em que você ainda nem percebia que estava com fome...

Ah, o disco. A idéia é simples. Uma seleção de clássicos do choro (e não parece que qualquer chorinho é realmente clássico?) representado por seus maiores compositores, Jacob do Bandolim, Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Benedito Lacerda, Waldir Azevedo, Chiquinha Gonzaga, Paulinho da Viola... E de quebra uma seleção de intérpretes que não deixa dúvidas, misturando a virtuose instrumental de Altamiro Carrilho na flauta, Henrique Cazes no cavaquinho, Joel do Nascimento no bandolim, Rildo Hora na harmônica, Maria Teresa Madeira ao piano e claro, e nem poderia deixar de ser diferente, o Conjunto Época de Ouro; artistas que vão se revezando entre as faixas e que são acompanhados aqui e ali por intérpretes que não são tipicamente ligados ao choro como Marisa Monte, Martinho da Vila, João Bosco, Leila Pinheiro e Sivuca.

Os destaques são muitos. Onde sopra Altamiro Carrilho a felicidade é plena, e aqui ele toca em duas faixas. Especialmente em 1 x 0, choro do velho Pixinga, o dueto com o sax de Carlos Malta é de tirar o fôlego. Sarau para Radamés, choro de Paulinho com o próprio no cavaco e Rildo Hora na harmônica; Onde Andarás, de Caetano Veloso e Ferreira Gullar traz Marisa Monte fazendo o que sabe melhor: cantar. Mas o que ficou o chantilly deste café (se a vó fizesse chantilly pra pôr no café) é Sivuca sanfonando em Noites Cariocas, meu choro favorito. Sem açúcar. Mas com muito afeto.

[M]

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Roquenrrou!!!!


Tenha em mente que trata-se de um disco do Erasmo Carlos. Isso ninguém pode tirar dele. É o Tremendão, dá um close nele. Como na história do copo com água pela metade, falta muita coisa aqui, mas é possível olhar para a parte cheia do copo. Dito isso, o nome não mente: é um disco de rock and roll honesto e coeso, tanto quanto possível para quem está no ramo musical já há tanto tempo, e transitou pelos mais diversos ritmos. Diria que com a chegada furacônica da Tropicália que catalisou o som dos baianos, dos Mutantes, e o rock tupiniquim que viria a se firmar na década de 70, Raul, Rita, Secos e Molhados e bandas mais ou menos obscuras, o pessoal pioneiro da jovem guarda foi colocado pra escanteio e acabou encontrando um nicho acolhedor na chamada “música brega”. Se foi bom ou ruim não vem ao caso. Aconteceu e pronto.

Pra quem conhece a fase psicodélica do Ronnie Von e também do Tremendão (e o baiano tem que postar este disco, que é maravilhoso!) é um alívio tê-lo de volta. Em grande estilo, ele trouxe Liminha para produzir o disco que trouxe Dadi (o time que fez o Hein? da Ana Cañas que gostaríamos de ver em breve por aqui, postado pela musa do blogue), com quem divide guitarras e baixo (entre alguns convidados eventuais) e o baterista das antigas Cesinha. Os timbres são todos setentistas, a escolha dos instrumentos, amplificação e ambientação foi cuidadosa e o resultado é ótimo. Erasmo divide as composições com diversos parceiros, entre eles o próprio Liminha, Nelson Motta, Chico Amaral (do Skank e não “o prefeito ideal”) e Nando Reis (uma música boa e outra decepcionante).

O fato é que você não vai encontrar aqui canções que possam aparecer no especial de final de ano do outro Carlos, o Roberto. Dentro da medida do possível, até mesmo as baladas são um pouco mais agressivas do que o que se espera do Grande Tremendo, e predomina no disco, de fato, Rock. A música brasileira costuma ser muito apoiada nas letras, mas, se você relevar este fato e gostar do bom (e velho, bem velho) rock and roll... [M]

ps: o disco foi dica do Dão, o rei da tolerância elástica...

sábado, 20 de março de 2010

Ouvidos Uni-vos - Luiz Tatit (2005)


Há dias venho pensando em escrever uma resenha-homenagem-musical para o Glauco e para Ozetês. Queria que a música combinasse com o olhar do Glauco, com seu par de olhos serenos e redondos.
E hoje, ouvindo “Ouvidos Uni-vos”, o Luiz Tatit com aquele jeito dele de cantar claro, com sua poesia única, com sua voz que raspa o metálico e com seus sons delicados, me veio o Glauco.
E os fios entre o músico-poeta e o cartunista-músico se conectaram! Nas suas simplicidades, nas suas formas onde não cabem o resíduo, onde o mínimo é o máximo - o mínimo forte e indivisível.
Glauco economiza nos traços a nanquim, zanza pelos seus mil personagens e se reatualiza mantendo seu coração nos anos 60/70 e a cabeça no século XXI. Luiz Tatit zanza entre cantigas e baião e com seu sotaque paulistano, carrega tons vindos de uma escola musical mambembe, privilegiando a voz como instrumento.
“Ouvidos Uni-vos” é muito bonito! É um disco alegre, que rola numa espécie de galope. Um CD cheio de pequenas estórias: trata de coisinhas, como as asinhas de um pernilongo, trata de coisas grandiosas, como as dores da alma - dores que viajam da libido ao pomo-de-adão.
Luiz Tatit inventa um disco humano. Canta a gente de maneira espiral, com vida e morte.
E Glauco se foi nessa espiral.
[ANDRÉA]