terça-feira, 5 de junho de 2012

shhhhiu! : João Gilberto Live in Montreaux, 1987



Quando tinha mais ou menos a idade que meus filhos têm hoje, a garota mais gostosa da escola, do bairro todo, era a Claudinha Miss Brejão. Veja que este é o tipo da circunstância que deixa marcas indeléveis nas referências estéticas do cidadão. 

É claro que o tempo passa. Muitas vezes conseguimos aprender coisas novas e até “melhorar” em certos aspectos, mas como diz o nosso embaixador de Niterói, a pessoa pode sair de San Gonzalo, mas San Gonzalo nunca sai da pessoa...

Dito isso, diagnóstico: bossa-nova não é minha praia, nem minha montanha. Patos, lobos, barquinhos, peixinhos e beijinhos e o céu azul e o mar azul não me ganham. Harmonias complicadas, jazz e outras firulas não me ganham. Não que seja o mais rústico dos rústicos, mas frescura tem limite e as minhas não são diferentes.

Então o baiano João Gilberto pra mim não costuma passar de um evento semestral. E o melhor é que te pega distraidamente, na surpresa, e quando você percebe já tá ouvindo e tamborilando com o sonzinho daquela vozinha come-quieto e batida dindon... Vai ver ele é o elo perdido entre a Bahia e as Geraes (vai ver que é isso!) e inda foi se estender no calçadão das Ipanemas e Copacabanas, ô vidão tranquilo! E num disco como este, ao vivo, só voz e violão, temos o João Gilberto (que eu imagino) típico, sem aquela overdose de cordas que povoam, por exemplo, o clássico Amoroso, o baiano sem pressa, se estendendo nas areias (à sombra, of course), mineiramente comendo quietinho...

Onde pudesse te molhar uma garoa de monotonia pela maneira como o disco (duplo à época, são 68 minutos em CD!) soa, din-don-din-din-don-don shhhhhhh, escuto um arco-íris brilhando ao sol do repertório cuidadoso e de muito bom gosto: a economia na forma faz sobressair o conteúdo. Além dos clássicos que costumam povoar apresentações ao vivo de qualquer cantor célebre (aqui temos Garota de Ipanema, Aquarela do Brasil, Sandália de Prata, A Felicidade), João traz surpresas neste disco gravado ao vivo no festival de Montreaux em 1985 com o Menino do Rio d’outro baiano Caetano; as minhas preferidas Sem Compromisso (que abre o disco) e Pra que Discutir com Madame; Retrato em Branco e Preto, Adeus América (todas no disco 1, pra quem pensa no vinil, disco que acho mais surpreendente e mais bonito que o 2)...

Claro que João Gilberto confere sempre uma unidade harmônica em seus trabalhos (pelo menos no pouco que eu conheço) pelo simples motivo de que ele é esta unidade. Não importa o compositor, se Tom Jobim, Vinícius, Chico, Ary Barroso, Caymmi, Caetano, tudo é joãogilbertisado como se autoral. João mostra que a música é de quem canta.

E apesar da Claudinha, de quem escuta.

[M]