sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sentinela - Milton Nascimento (1980)


"Sentinela" parece que veio ao mundo para celebrar a amizade. Sentinela, palavra feminina, é também o ato de preservar e de guardar - e tenho me dado conta cada vez mais que a música aperta o nó da amizade, preservando e guardando o vínculo aos que gosto. Uma onda amorosa que vai enlaçando suavemente um a um – sempre na melhor vibração.


Ganhei "Sentinela" ainda em vinil, quando terá sido isso? Sei lá, em 1984, 85? Já não me recordo mais... Mas me lembro de ter encontrado o LP na porta da frente da minha casa, encostadinho me esperando - e vinha com um bilhete escrito numa folha de caderno. Foi meu primeiro presente-musical vindo de um amigo.


Na época Caetano e Milton transitavam pelos meus ouvidos. Eram como duas ondas de rádios diferentes e elas conviviam muito bem dentro de mim. A música tem isso de nos transformar em mil – o tempo passa e cada vez mais novos canais vão se adicionando e se aninhando aos que já estão lá e todos se encaixam muito bem dentro da gente.


"Sentinela" é um disco que inspira sentimentos delicados. Com sua voz zen, Milton Nascimento vai virando as páginas do seu livro de estória musical e enreda a força da natureza com a força do homem, tentando entender esses dois mundos que se encontram inevitavelmente. Canta a solidão, a guerra, mas canta também o encontro, a comunhão. "Sentinela" aposta na irmandade, nos homens diários e nas suas minúsculas e imprenscidíveis lutas.


"Sentinela" zela pelo ser humano. É o otimismo sozinho na plataforma, esperando a fumaça e ouvindo o apito do trem.


"Sentinela" tem uma coisa única e por isso, especial: a cena musical leva minha imaginação para um lugar singelo, de poucas coisas, mas de muito sentir. É a magia da escassez.


Todas as músicas são como um sino de um mosteiro: te tocam fundo, duram dentro de você. E me lembro da surpresa que tive com a fala distante e inesperada de Leila Diniz dizendo:


"Brigam Espanha e Holanda

pelos direitos do mar

o mar é das gaivotas

que nele sabem voar

Brigam Espanha e Holanda

pelos direitos do mar

Brigam Espanha e Holanda

porque não sabem que o mar

é de quem o sabe amar"


Sentinela: Ah! Sol e chuva na sua estrada. Mas não importa não faz mal. Você ainda pensa e é melhor do que nada. Tudo que você consegue ser ou nada.

[ANDRÉA]

terça-feira, 6 de julho de 2010

Prefiro morrer de Vodka que morrer de tédio... (Essa tal de Gang 90 e Absurdettes, 1983)


Na época não dei bola. Só queria vestir minha cabeça dinossauro e invadir sua praia no passo do lui. Parece que é sempre assim, como aquela sua vizinha de óculos que de repente vira a Winnie Cooper... E o pior é que, dar essa bola que não foi dada há esses quase trinta anos atrás soa, e é, extremamente anacrônico. Da grande leva de novidades que assolou o roque tupiniquim na década de 80, este talvez seja um dos mais datados. Mas essa talvez seja até uma vantagem, pois escutar esse disco soa menos como flash-back do que os momentos clássicos daquela década.

Primeiro que as referências são demasiado óbvias: Blitz e B52’s. Uma ponte interessante entre os dois, menos teatral que o primeiro e mais pretensioso que o segundo, Essa tal de Gang 90 ainda pode ser uma audição bastante agradável, sem soar excessivamente nostálgica. O motivo é simples, basta olhar a lista de canções: são três hits memoráveis, Nosso Louco Amor, que foi tema de novela global, Telefone e Perdidos na Selva. Esta última aparece aqui em versão reggae, certamente bem menos conhecida que a original que participou de um daqueles festivais de MPB do início da década (de 80), fica devendo demais à original, mas ainda é um registro interessante.

Veja como a indústria nacional do disco vacila. Quase trinta anos depois, o disco é relançado em CD e custava nada ter Perdidos na Selva, na selva mesmo, não em nenhuma jamaican grass jungle, como faixa-bônus? O problema é de direitos autorais? Negociação com a Somlivre? Ou é má vontade mesmo? Depois a indústria fonográfica reclama dos downloads de graça...

Nem mesmo uma versão desprezível de Noite e Dia de Lobão com Júlio Barroso estraga o disco. Românticos a gô-gô, é o yin do Nome aos Bois dos titãs, lançada anos depois. Eu sei, mas eu não sei é total e deliciosamente bife com tutu, enquanto que Dada Globe Orixás e Mayacongo conferem unidade a um disco singular que marca a assimilação da Nova Onda em solo tropical, com pitadas de road movie e movimento beatnik...

A formação da banda para este disco clássico conta com a base clásssica, o vocalista Julio Barroso acompanhado de três meninas (Alice Pink Pank, May East e Lonita Renaux) ,mais o guitarrista Herman Torres que se entende muito bem com Wander Taffo (aqui não fica muito pra mim se este era da banda, ou um músico convidado que toca em mais da metade do disco) também na guitarra, as duas funcionando em contraponto, como se Richards e Wood tocassem new wave, o baterista Gigante Brasil, que viria a tocar depois com a Banda Isca de Polícia que acompanhou Itamar Assumpção, e no último disco da Céu, o tecladista Luis Paulo Simas, o baixista Otávio Fialho e o baixista tutti-frutti Lee Marcucci (provavelmente outro convidado, além de Guilherme Arantes que toca na infeliz música de Lobão). Ou seja, turma de respeito!

Como curiosidade (um tanto mórbida), em Convite ao Prazer, Julio Barroso canta:
Um sonho estranho nas paredes do prédio / Prefiro morrer de vodka do que de tédio / Acendo um cigarro e vou até a janela / Na rua umas sombras à luz do luar / Do luar, sombras à luz do luar.

Ironicamente morreria poucos anos mais tarde num acidente caindo desta mesma janela...
[M]