segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Meia lã com linha (Los Hermanos - 4, 2005)

Esqueça o Maracanã lotado em festa para um Fla-Flu decisivo. Esqueça todas aquelas bundinhas maravilhosas espalhadas sobre as areias de Ipanema e Copacabana. Esqueça o eterno bom-humor e joie de vivre do carioca. Los Hermanos é outra parada. É tão outra que, não fosse o sotaque, passaria a certeira impressão de ser da terra da garoa, do túmulo do samba. Ou ainda além: é tanta milonga que, como o nome mesmo sugere, Los Hermanos soa como música porteña...


4 parece ter sido seu disco de despedida (provisoriamente definitivo). E tem ares mesmo de missa de Réquiem:


É de lágrima que eu faço o mar pra navegar...


Canta o Marcelo Camelo na última faixa (É de Lágrima). Isso deve ser mesmo uma das frases mais triste de toda a música brasileira... E o disco todo é assim. A capa em tons de rabecão, as vozes cansadas, o ritmo arrastado...


O mar é tema. Mas nada de dia de luz, festa do sol, barquinhos a deslizar, peixinhos e beijinhos e outras frescuras. Aqui a coisa está mais pra Hemingway do que pra João Gilberto. Se termina em mar, assim começa também o disco. Em Dois Barcos o verso inicia-se...


Quem bater primeiro a dobra do mar / dá de lá bandeira qualquer / aponta pra fé... e rema


E adiante, o que parece ser a chave deste 4. Los Hermanos olham para o mar, e não para a areia. E o mar é solidão, é tristeza e medo do desconhecido:


Fez-se mar, senhora, o meu penar / Demora não, demora não / Vai ver o acaso entregou alguém pra lhe dizer / O que qualquer dirá...


Rodrigo Amarante também acompanha a onda do mar de Camelo, e traz do mar o parceiro, o Vento:


Posso ouvir o vento passar / Assistir à onda bater / Mas o estrago que faz / A vida é curta para dizer


E também dele é o melhor momento deste disco, Condicional. Num ritmo de baile de quermesse (ou marchinha, como prefere a banda), a melodia é cantada como uma partida de tênis, num bate e volta emendando o fim de um verso com o começo do próximo, deixando o miolo suspenso no ar...


Quis nunca te perder / Tanto que demais / Via em tudo o céu / Fiz de tudo o cais / Dei-te pra ancorar / Doces deletérios

Eu quis ter os pés no chão / Tanto eu abri mão / Que hoje eu entendi / Sonho não se dá / É botão de flor / O sabor de fel / É de cortar.

Eu sei é um doce te amar / O amargo é querer-te pra mim / O que eu preciso é lembrar, me ver / Antes de te ter e de ser teu, muito bem


Em seu quarto disco, que poderia muito bem se chamar (a)mar, Los Hermanos aprofundam a melancolia que já assolava os trabalhos anteriores. Fazendo lembrar que a alegria é um estado interior e que, mesmo em condições exteriores ideais, às vezes ela não bate.


Os dias que eu me vejo só / São dias que eu me encontro mais / E mesmo assim eu sei tão bem / existe alguém pra me libertar


Finaliza o Amarante esta belíssima canção. Mesmo na cidade maravilhosa, quente e ensolarada, dá pra ficar solitário e triste de vez em quando. Mas há de passar, viu? Depois da tormenta vem a calmaria, e, no mais


a gente quer ver...

o horizonte distante!


[M]

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Exagerado!!!!

Esse post é dedicado ao Ezequiel Neves, que ‘conseguiu’ morrer no mesmo dia - 20 anos depois – do Cazuza, 7 de julho de 2010 e de 1990, respectivamente.
Ezequiel, junto com Nico Resende (também tecladista no disco), produziu esse primeiro disco solo de Cazuza, chamado de Cazuza, mas conhecido como Exagerado.
Exagerado seria um excelente nome de disco, mais ainda sendo de quem é.
A essa altura, não preciso explicar quem é, o que fez antes, de quem ele é filho etc. Aqui vamos escutar e comentar esse disco de estréia, muito muito bom.
O gosto de Caju extrapolava o blues/rock’n’roll do Barão Vermelho e, conseqüentemente, o levou à carreira solo, onde poderia flertar com a MPB, o samba, Dolores Duran, Lupicío Rodrigues, Cartola, bossa-nova etc.
Agenor de Miranda Araújo Neto lançou 5 discos em 4 anos, alguns dos quais serão resenhados aqui. Conta muito a urgência de saber-se soropositivo, numa época em que a ‘sobrevida’ era bem menor.
O disco tem uma sonoridade mais limpa, menos rock do que os do Barão, mas ainda não tão MPB quanto os posteriores.
Começa bem, ‘Exagerado’ é um clássico, parceria brilhante com Ezequiel e Leoni. Também tem um solo belíssimo, curto e expressivo, do pra mim desconhecido Rogério Meanda. Nada que o Google não resolva: atualmente é guitarrista da Blitz, parceiro de composição da minha ex-colega de Direito na UFF Vanessa Rangel. Ah, também presente no disco ‘Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço’...
E também é co-autor da radiofônica (tocou bem, eu lembro, meninos, eu ouvi) ‘Medieval II’. Muitas guitarrinhas bonitas. ‘Será que sou medieval?/ Eu que me acho um cara tão atual/ na moda da nova idade média/ na mídia da novidade média’.
‘Cúmplice’ é a canção seguinte, pop, legal.
‘Mal nenhum’ é das melhores, parceria com Lobão. ‘Eu não posso causar mal nenhum, a não ser a mim mesmo’, o óbvio eventualmente parece genial, principalmente em certas matérias sensíveis, tendentes à histeria, como aqui no caso, As Drogas.
‘Balada de um vagabundo’, parceria de Frejat e Waly Salomão, legal também, pop também. Destaques: ‘maracujá de gaveta num prédio vazio num terreno baldio’, ‘um vício só pra mim não basta/ é uma inflação de amor incontrolável’.
Segue a belíssima e açucarada ‘Codinome Beija Flor’, parceria com Ezequiel e Reinaldo Arias. Conhecidíssima, mas ainda boa de ouvir. ‘Prendia o choro e aguava o bom do amor’.
‘Desastre mental’ tem uns timbres de guitarra mais pesados no começo, alternando com uma calma nos versos. Legal.
Seguem 3 parcerias com Frejat: ‘Boa vida’, pop nada demais; ‘Só as mães são felizes’, bluesaço censurado (‘você nunca sonhou ser currada por animais/ nem transou com cadáveres/ nem quis comer a sua mãe’) e muito legal – mesmo que eu prefira a versão do Barão; e ‘Rock da descerebração’, que também foi gravada pelo Barão num ao vivo excelente.
Viva Cazuza e Ezequiel!