terça-feira, 29 de março de 2011

O estranho, o bizarro, o extra-ordinário


Gangrena Gasosa,

666 EP


Como se tratam afinal de 1001 cds que postaremos aqui (assim todos esperamos), posso me dar ao luxo (palavra inadequada ao presente registro) de postar esse EP da banda carioca Gangrena Gasosa, adepta do humor escrachado dentro do estilo criado pelos próprios, o Saravá Metal, que mistura o acelerado, pesado e gutural death/black metal com uma temática ligada à Umbanda. Esporro e deboche, detonação geral da cena metal, mistura de pontos de macumba, atabaques e berimbau. ‘Se Deus é 10 Satanás é 666’ inicia com uns barulhos de vocais invertidos (mensagens subliminares?) e ruídos de guitarras metal, seguindo com atabaques e riffs from hell. A letra conta uma descrição do inferno e um som infernal, mas bem legal pra quem gosta de um metal/hardcore mais sujo e rápido. Pérolas líricas: “Lá no inferno Você é bem vindo Só tem festa, ninguém te aluga No céu tá cheio de crente Enchendo saco e oferecendo ajuda Tem sempre uma velha gorda Tocando pandeiro do teu lado Uma porrada de anjinho De saia que nem viado” ‘Chuta que é macumba’ começa mais suingada e aborda o medo que membros de outras religiões, mesmo não acreditando, tem de despachos. E faz uma crítica bem agressiva aos crentes. Mais pérolas: “PODE SER CATÓLICO, CRENTE OU JUDEU MUÇULMANO, HARE KRISHNA, BUDISTA E ATÉ ATEU QUEM TEM CÚ TEM MEDO, AS PREGUINHAS FICAM TENSAS QUANDO PASSA POR DESPACHO SEMPRE PEDE UMA LICENÇA” Aí chega a parte pra desagradar os metaleiros modernos: ‘Quem gosta de Iron Maiden também gosta do KLB’, onde eles zoam com as figuras modernas do new metal: Korn, Limp Bizkit, Linkin Park, Slipknot, Coal Chamber, Soulfly, Marilyn Manson, Evanescence “e esse monte de bichice”, comparando-os com os classic metal, principalmente os mais pesados, tipo Slayer, Venom e Sepultura. “Hoje em dia os metaleiros são uma puta pleiboyzada”. Sensacional! ‘Eu não entendi Matrix’ é engraçadíssima, com uma descrição bem tosca da estória e um som muito pesado. “Uma gostosa que andava na parede E despiroca pelo telhado Ela sumiu no telefone Isso me-me-me-me-me deixou bolado Um pleibói vai preso na parada Na federal a dura é uma pica Os cana arranca a boca do cara (e faz o quê?) Ainda lhe botam um bisôro na barriga Ele toma uma pírula Vira espelho e sai careca Com um monte de fio nas costas Numa bacia de uma bacia de meleca Ele luta caratê E vai na tia do biscoito Onde tem um di menorque empena um garfo só cum olho EU NÃO ENTENDI(3X) MATRIX!” ‘Minha sinceridade é humanitária’ também esculacha músicos ‘mudernos’, que posam de ecologistas, intelectuais e quetais, mas não tem talento nem culhões. Assim eles tocam a real, como se diz no Rio, e ainda se justificam. “Isso agrédi a natureza e não podemos incentivar Alguém escuta leva a sério e pode até querer lançar Quantas árvores o planeta ainda vai ter que perder? Quantas vão virar papel pra fazer capa de cd?” ‘Emboiolada’ claro, sacaneia a onda metrosexual, com um pezinho na homofobia, mas com humor, porque a última coisa que eles desejam também é serem politicamente corretos. Pérola derradeira: “TOME VERGONHA NA CARA NÃO DESPETALE O BOTÃO DESGOSTO ASSIM PRA FAMÍLIA SÓ QUANDO O CABRA É LADRÃO SE TU NÃO SABE SE É MACHO PROVAVELMENTE NÉ NÃO É BICHA QUASE FORMADA SÓ FALTA DAR O CAGÃO VAI EMBOIOLAR (4X) METROSSEXUAL / PANSSEXUAL HEMOSSEXUAL / RUSSOSSEXUAL” Eles ainda têm outros discos (com títulos bizarros e engraçados tipo ‘welcome to terreiro’ – este lançado pela Rock it do Dado Villa-Lobos do Legião Umabnda como eles sacaneiam - e ‘smells like tenda espírita’ - título genial!), além de versões tipo ‘Matou a galinha e foi ao cinema’, assim que eu ouvir/baixar e se valer a pena, eu posto aqui. Enquanto isso, desenvolva sua tolerância acústica abrangente e divirta-se!

quinta-feira, 17 de março de 2011

20 anos de rock brasil cd 2


Continuamos a apreciação de mais um cd dessa coleção de 4.
O cd2 inicia bem, com a zen-surfista 'Como uma onda' do hitmaker supremo Lulu Santos, em parceria com o onipresente Nelson Motta. Belíssima e cheia de boas sacadas e timbres caprichados.
'Pro dia nascer feliz' foi mais uma música de sucesso do Barão Vermelho, a princípio gravada pelo catador de pérolas Ney Matogrosso. Rock'n'roll visceral e carioca, ponto alto de shows até hoje.
'Uniforme' é uma música fraca do Kid Abelha, que poderia estar melhor representado nesse cd, mas não fui eu que fiz a seleção...
O Ultraje a Rigor aparece com um clássico da new wave brasileira, só que com bateria de verdade. Mais uma letra genial do Roger, música pra dançar nas danceterias (como se dizia nos idos dos anos 80), solinho preguiçoso e interessante. 'Rebelde sem causa': "como é que eu vou crescer sem ter com quem me rebelar?".
'Música urbana', se não me engano - e eu me engano bastante, é uma música do Aborto Elétrico, banda primitiva do trovador Renato Russo, mas aqui vem embalada pela superprodução com metais synth quase cafonas, pianos suingados e aqueles conhecidos 'ô ô ôs' do Dinho. Gosto muito! 'E essa aqui eu dedico ao amigo distante Xampu, ilustre e feliz morador da nossa capital, onde as ruas têm o cheiro de gasolina'. E onde não têm?
Aí chega o Ira!, com uma clássica deles, 'Núcleo base'. Adoro o Scandurra, mas sinceramente nunca gostei da voz do Nasi, então sou suspeito em dizer que pulo essa música.
'Tédio' é uma música interessante e, como muitas da época (como 'Lágrimas e chuva' ou 'Fixação', por exemplo), é uma letra depressiva/obsessiva que devido ao som de festa(?) passa batida. O grande sucesso(??) do Biquini Cavadão!
'Até quando esperar' é das minhas preferidas. Desde o início inusitado com violoncelo passando pelas belas guitarras e aquele riff surpreendente de baixo. Mas acho a letra panfletária e quase chata. E continuo esperando a resenha de 'O concreto já rachou', promessa do Xampu...
'Beat acelerado II' nos lembra da figura deliciosa à frente da brazilian one hit band Metrô, da qual eu infelizmente não lembro o nome.
O grupo feminino e feminista libertário Sempre Livre (ótimo nome; o absorvente é anterior ao grupo? será que elas receberam royalties pela ideia??) aparece com a divertidíssima 'Eu sou free', seu grande sucesso(?), regravada por mais alguém de quem eu não lembro o nome. Se não me engano a Dulce Quental saiu daqui. O interessante é que a música é de co-autoria da global Patrícia Travassos (acho que é isso).
'Só pro meu prazer' é uma das Muitas excelentes músicas do grande compositor Leoni (a já citada 'Uniforme' é dele e do Léo Jaime - olha ele aqui de novo, Mateus), com seu grupo pós-kid Abelha Heróis da Resistência. Poesia musicada ('é tudo real nas minhas mentiras' etc), piano bonito com violão bonito, bateria real emulando bateria eletrônica, guitarra de fundo com ebow, caprichada.
O Zero foi uma das muitas bandas injustiçadas que ficaram pelo caminho, com um bom disco e algumas boas composições esquecidas. Era uma das poucas com um bom vocalista que realmente sabia cantar (além de tocar saxofone!). Além de um guitarrista com sonzaço. 'Agora eu sei' foi bem executada nas rádios pops e rocks, alavancada pela participação especial do pop star Paulo Ricardo. Bela música.
'Tempos modernos' é mais um dos hits do Lulu Santos. Clássico absoluto, foi regravado pela Marisa Monte no disco 'Barulinho bom'.
E pra finalizar o cd duplo vem a banda multi platinada dos grandes tempos de venda de discos, RPM, com uma música do seu segundo disco ('ao vivo'!!), 'Alvorada voraz', com a letra datada e pseudo rebelde. Teria sido melhor se eles tivessem caído de avião, não é verdade? Mas o apelo pop e o sonzaço são inegáveis.
Depois completo com os cds 3 e 4.
(Dão)

terça-feira, 1 de março de 2011

Veneno AntiMonotonia - Cássia Eller (1997)



"Olhar o mundo
Com a coragem do cego
Ler da tua boca as palavras
Com a atenção de um surdo
Falar com os olho e as mãos
Como fazem os mudos"
(Diário de Cazuza – 1978)


Veneno AntiMonotonia.
É claro que Cássia vestia muito bem os versos de Cazuza. Os dois tinham a mesma gana de morder a vida, a mesma intensidade. Falavam a mesma língua.

Em Veneno AntiMonotonia Cássia dá o seu tom para as músicas de Cazuza – a eleição das canções, o jeito único e explosivo de cantar deixando claro a força dele sobre ela. As releituras têm isso de fascinante, porque estamos falando de amor, de escolha e de identificação com o outro.
CÁSSIACAZUZACÁSSIA

O som do cd é cheio, encorpado, roque’enrou gritado do tipo que beira o desespero. Cássia tem isso: ela é capaz de habitar o volume dez angustiado com a mesma potência que habita tranquilamente as canções mais doces de Nando Reis.
Ela é mestra, sabe viajar no outro, incorpora a fantasia e dá uma cor própria na interpretação.

Veneno AntiMonotonia é raivoso. É que não é fácil mesmo se desvencilhar da monotonia-cola que conhecemos bastante bem. Nessa onda “Blues da Piedade”, com um dos seus versos de que mais gosto, chega dilacerando:
“Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como inseto em volta da lâmpada”

Em “Obrigado” Cássia continua envenenada com a pequenez e as dores do amor. E a música ganha ou perde velocidade, como se tivesse lendo o funcionamento do amor dentro da gente.

A opção nesse cd foi pela escuridão, pela madrugada,. É música de rua. Tudo muito à la Cazuza. Adoro a “Billy Negão” com seus sopros, meio blues, azul escuro. Estória de sangue para acabar com a monotonia.

“Todo Amor que Houver Nessa Vida” não podia faltar. É o fôlego, o encontro do náufrago com o resto de madeira em alto mar. Do mesmo jeito a charmosa “ Preciso Dizer que te Amo”, que vem se arrastando, já cansada. É o grito já sem voz.
Mas a vala tá ali com “Mal Nenhum”. Nem todo o amor é antidoto para a dor e para realidade. “Me deixem bicho acuado/ Por inimigo imaginário”…
A escolha de Cássia é por um Cazuza rasgado, nublado e nada mais natural que o cd tenha sido produzido por Wally Salomão, que como ninguém soube fazer e ver poesia a partir dos restos.
E os restos me interessam.
[ANDRÉA]