quinta-feira, 30 de outubro de 2008

LENINE IN CITÉ (parte II) - 2004

[CONTINUAÇÃO DO POST ANTERIOR]
Relampiano é uma canção de O Dia em que Faremos Contato (ver entre os posts anteriores), uma crônica da vida dos meninos de rua que trabalham nos sinais, paisagem tão típica das ruas de Recife. A esta canção segue outro dos pontos altos deste disco: Todas Elas Juntas num só Ser, de Lenine e Carlos Rennó. Canção inédita também, Lenine decide cantar a mulher amada, lembrando que não vai cantar nenhuma das musas inspiradoras de artistas consagrados que vão desde “o maior” (com ele chama Tom Jobim) até o mano xis, passando por Gil, Caetano, Luiz Gonzaga, Noel, Dinho (dos mamonas), sem esquecer referências a nomes clássicos do rock com Mick Jagger e Sting entre outros. Nesta música o Lenine incitado, vai se tornando excitado na medida em que a canção avança e a platéia o acompanha chegando ao êxtase quando Lenine chega à penúltima estrofe gritando “só você!”. Lenine ainda deixa uma brecha para uma autocrítica antes de chegar à declaração final de amor total à sua musa, dizendo que se lhe aparecesse um dia uma dessas mulheres irresistíveis,

confesso que talvez não resistisse:
mas veja bem, meu bem, minha querida,
Isso seria só por uma vez, uma só em minha vida!
Ou talvez duas... mas não mais do que três....


Mais real que o ser humano (o vivo de uma das canções anteriores), impossível. E canção reforça a unidade do disco como crônica do ser humano, suas agruras, desavenças e aventuras.

Anna e Eu é uma balada de despedida, como deveriam ser as despedidas dos nossos melhores amores:

Andei pra chegar mais longe.
E de lá de longe me ver feliz.
Andei pra valer a pena,
Olhei pra trás pro que é meu.
Nosso passado me acena.
Pelo que foi, já valeu!

O par de canções reunidas numa só, Caribenha Nação/Tuaregue Nagô e seu batuque hipnótico, foi retirada de Olho de Peixe (o que confere à música um caráter quase inédito, por este disco está desaparecido das prateleiras com foi comentado pelo Dão num dos posts anteriores).

Lá... onde o mar bebe o Capibaribe...

Caribenha nação, longe do Caribe

Tuaregue Nagô segue a descrição da colonização desta ilha fluvial incrustada no mar,

quando o grego cruzou Gibraltar,
onde o negro também navegou,
beduíno partiu de Dacar,
e o viking no mar se atirou...

Uma ilha no meio do mar
era a rota do navegador,
fortaleza, taberna e pomar,
num país tuaregue e nagô...

Duas canções encerram o disco: Sentimental, outra inédita parceria de Lula Queiroga com Arnaldo Antunes e Lenine. Quem move o mundo todo apenas sendo... sentimental?. Além da redenção de Altemar Dutra, a música lembra, mais uma vez, a natureza do ser humano. O Marco Marciano também é releitura de um disco anterior, deixada para o final do disco é a apresentação do cronista, trovador que acabou de cantar: Pelos alto-falantes do universo, vou louvar-vos aqui na minha loa. Ainda que Lenine não possa ser considerado representante do Manguebit (ver post de Da Lama ao Caos, de CSNZ), a trova mistura a viola nordestina pontuando o ritmo da caatinga com a letra de ficção científica que descreve esta “loa” como se fosse de outro planeta, típico da proposta manguebit.

O último comentário reservo para o DVD do mesmo show, que é estendido em relação ao CD: são mais oito músicas além das doze que aparecem aqui. Além de uma orem diferente na apresentação das músicas, o DVD traz clássicos do seu repertório (Paciência, Jack Soul do Brasileiro, Candeeiro Encantado) além das já aqui citadas, além de momentos especiais como Yusa cantando, de sua autoria, “Tomando el Centro” e um solo de berimbau e percussões diversas de Ramiro Mussotto. A existência deste DVD é o único defeito do CD, que poderia ter sido lançado em versão disco duplo também... [MATEUS]

LENINE IN CITÉ (parte I) - 2004


Lenine está realmente incitado neste disco. Incitado a dizer o que pensa e sente a toda a voz, descarregando toda sua energia em acordes, ritmos e melodias pra lá de inspirados. Gravado durante uma curta estadia de apenas dois dias no cité de la musique em Paris, durante a primavera e 2004, Lenine reuniu um power trio distinto para conduzir este show. A cantora e violonista cubana Yusa assumiu o baixo fretless de cinco cordas enquanto que a percussão ficou por conta do argentino “baiano aussi” Ramiro Mussotto. O formato (que consagrou entre outros, Hendrix e seu Experience, Clapton e o Cream) apesar de não ser muito usual quando se fala de MPB, se revela ideal ao longo do show, onde o trio exibe um entrosamento de veteranos. Nesta formação, ao vivo, o som fica mais cru, despido de efeitos típicos de estúdio (nada contra...) e assim a ênfase é mais nas canções. O que no caso de Lenine, convenhamos, é uma grande vantagem (eu lembro que comparei a formação de power trio com os deuses da guitarra dos anos 60, onde, apesar das ótimas canções do Cream e de Jimi, muitas vezes a ênfase era deslocada para o virtuosismo dos músicos, principalmente ao vivo). Aqui ele apresenta uma seleção de ótimas canções inéditas mescladas com alguns sucessos e releituras de discos anteriores.

Gostaria muito de escrever sobre as músicas como os posts de Infernal, Condom Black, Ao Vivo em Estúdio, Por Onde Andará Stephen Fry?...., de “dentro pra fora” e não ao contrário, mas acho que não consigo! O disco começa com uma sonoridade diferente daquela que era (então) típica em Lenine, com Do It, que é calçada num poderoso riff que Lenine leva no violão e, de cara, o power trio mostra o cartão de visitas. A letra desta música é um caso à parte:

Ta cansada? Senta
Se acredita, tenta
Se tá frio esquenta
Se tá fora entra
Se pediu agüenta...


Pode, à primeira vista, ser creditada a uma discussão de casal onde ele contra-ataca as reclamações dela, mas, ao longo da música (que não tem refrão, sendo somente uma sucessão de versos do tipo destes na primeira estrofe) esta impressão transcende a queixa em direção a todos os que costumam se queixar e apenas se queixar como se estas fossem suficientes para a resolução de seus problemas, numa atitude típica da classe média. E a advertência é clara: se foi falta, apite! Lenine começa incitado.

Segue o disco com Vivo, uma balada Leniniana com uma letra lindíssima e melancólica, (se) apresentando (com)o ser humano precário, provisório, perecível... Uma suposta redenção vem no final: E apesar... o que mais vale a pena é estar vivo. Lenine volta com toda a força, inspiração, energia e transpiração em Ninguém Faz Idéia, a melhor música do disco na opinião deste que escreve. Aliás, minha música favorita de todo o repertório deste bolchevique dos trópicos.... Como Do It, esta música é parceria de Lenine com Ivan Santos, que caprichou aqui. Mais uma canção sem refrão (o que a torna menos pop e mais difícil) onde o desfile de malucos e donas de casa, putas, babalorixás, de encanados, divertidos, a vanguarda e quem fica pra trás dá um colorido especial à canção que se baseia num ritmo contagiante levado pelo trio que, aqui sim, descobre um caminho mais alternativo para o formato se afastando da melodia e harmonização típica do blues-rock. E o recado completa a descrição do “vivo” dada na canção anterior: “ninguém faz idéia de quem vem lá”. Mas esse post já se prolonga e estou apenas na terceira música, vamos em frente!

A alternância entre baladas e pegadas tem seqüência com Todos os Caminhos, que sugere deixar uma brecha para surpresas e improvisos que complementam com graça nossos projetos de vida... A primeira das releituras deste disco, nunca foi tão atual: Rosebud (ou o Verbo e a Verba), música tirada de Falange Canibal (de 2002) antecipava então o crack das bolsas de 2008:

O verbo gastou saliva de tanto falar para o nada,
a verba era fria e calada.
O verbo não soube explicar depois,
porque foi que a verba sumiu.

E o (mini-)refrão coloca precisamente: Dolores?! Dólares... Onde as interrogações e exclamações vão por minha conta e podem ser lidos perfeitamente de outras formas. O samba “Virou Areia” poderia ser apenas uma canção ecológica, mas vai além disso perguntando:

Cadê a voz que encantava a multidão?
Cadê o passado, o presente a paixão?
Cadê a muralha do imperador?
Virou...
... areia


(E curiosamente esta canção vem na seqüência de Rosebud, o que coincidentemente lembra que a verba também virou areia, e que o verbo deve ir pelo mesmo caminho). Areia que simboliza a ausência de vida e que escapa suavemente pelos dedos....

[continua no próximo post... MATEUS]

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Com a certeza que devo chorar (Cartola - 1976)



Se há discos que nasceram para ser eternos, certamente esse Cartola, gravado em 1976, é um deles. Como se não bastasse toda a genialidade do trovador do samba Agenor de Oliveira, conhecido como Cartola, o disco conta ainda com a participação de mestres como Altamiro Carrilho à flauta e Guinga ao violão. A capa também, singela e simbólica, mostra-o ao lado de sua companheira Dona Zica.

Apesar de mais de 500 composições, esse disco foi apenas o seu segundo, mas tornou-se logo uma referência, principalmente pela emoção que passa, já que é daqueles que não se escuta só com o ouvido, mas sim com o coração. O tom melódico que permeia suas canções pode resultar em lágrimas para um ouvinte mais despreparado.

Essa obra-prima já começa em alto estilo com “O Mundo é um Moinho”. Recentemente fui informado por Carolina (essa de olhos alegres) que a música teria sido feita para uma de suas filhas que queria sair de casa na adolescência. E faz sentindo:
Ouça-me bem amor

Preste atenção, o mundo é um moinho

Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos

Vai reduzir as ilusões à pó.

Fui pesquisar essa história e o que descobri é que não há comprovação de que seja isso mesmo, apesar dos rumores. De qualquer forma, fica a certeza de que lamentos podem servir como excelente fonte de inspiração.

“Minha”, a segunda música, a dor de cotovelo decola pela primeira vez no disco. Quem disse que ela foi minha, Se fosse seria a rainha, Que sempre vinha aos sonhos meus....
A mesma temática permanece na terceira canção, com certo rancor no coração a esta mulher fingida que me faz sofrer, e na quarta, outra clássica (de autoria de Candeia). “Preciso me encontrar”, interpretado anos depois também por Marisa Monte, é outra que dispensa comentários.
Deixe-me ir

Preciso andar

Vou por aí a procurar

Rir prá não chorar

E chorando com “Peito Vazio”, segue na quinta canção com a alma deserta, porém sem nunca perder o brilho. Genial.

Diante de tantas desilusões amorosas, “aconteceu” o troco: hoje ela chora tudo que perdeu...E chorando veio me pedir perdão...Fica para ela a lição. Pessoalmente considero essa a canção uma das menos inspiradas nesse disco...clarividente sinal de que para Cartola o tom vingativo não servia como fonte de inspiração. Que bom!

A próxima, segunda do lado B do antigo vinil, é um dos maiores clássicos da música brasileira: “As Rosas Não Falam”.. simplesmente exalam o perfume que roubam de ti...
Quem ainda não tinha chorado, diante dessa pérola não escapa, pois já vai terminando o verão.

Definitivamente, “Sei Chorar” vem reforçar esse sentimento, emendando com “Ensaboa”, talvez uma das menos lamuriosas do disco. Ensaboa mulata ensaboa....


Jamais pensei em minha vida, sentir tamanha emoção,... o minha senhora tentação. Interpretando de modo definitivo o clássico de Silas de Oliveira e Joaquim Ilarindo, Cartola remete àquelas tentações em forma de mulher que abalam e embriagam nossas almas.

Para encerrar, Cartola, numa espécie de agradecimento ao seu companheiro de trabalho, em "Cordas de Aço" relata que “só você violão compreende porque perdi toda alegria”, mas conclui o diálogo com seu instrumento com uma perspectiva mais otimista:

Aquela mulher

Até hoje está nos esperando

Solte o teu som da madeira

Eu você e a companheira

À madrugada iremos pra casa cantando

Enfim, voltando pra casa de madrugada cantando, fica aqui a homenagem do blog ao mestre Cartola que teria completado 100 anos no dia de 11 de outubro. Sua obra definitivamente engrandeceu nossas almas.

Segue o set-list do disco.


Lado A
O Mundo É Um Moinho 3:53 (Cartola)
Minha 2:16 (Cartola)
Sala de Recepção 3:24
Não Posso Viver Sem Ela 2:40
Preciso Me Encontrar 2:57
Peito Vazio 2:50 (Cartola)
Lado B
Aconteceu 2:46 (Cartola)
As Rosas Não Falam 2:51 (Cartola)
Sei Chorar 2:26 (Cartola)
Ensaboa 3:24 (Cartola)
Senhora Tentação 3:03 (Silas de Oliveira)
Cordas de Aço 2:15 (Cartola)

[Paul]

domingo, 26 de outubro de 2008

Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus (Da Lama a Caos - CSNZ - 1994)



Em 1994 o cenário musical brasileiro não era dos mais favoráveis. Com a MPB envelhecida e um rock nacional sem novidades, o espaço na mídia era dividido entre famigeradas duplas sertanejas, axés e lambadas.

Foi quando escutei pela primeira vez “A Praieira”, do então desconhecido para mim Chico Science & Nação Zumbi - CSNZ. Dividia uma chácara com alguns amigos e um deles chegou com a novidade. Uma sonoridade diferente, criativa, que misturava rock, hip-hop e outros estilos com a batida forte do maracatu. “A Praieira” evocava o movimento revolucionário que eclodiu em Pernambuco no século XIX sem abrir mão da cerveja antes do almoço para ficar pensando melhor. Aquele som me marcou tanto que até hoje lembro onde e com quem estava na hora que escutei a música pela primeira vez.

Pouco tempo depois, fui escutar o disco inteiro (vinil) e a surpresa foi maior ainda. Estava sendo formalmente apresentado ao manguebit (ou manguebeat, como queiram). Fez-se a luz e corri para gravar uma fita K7 que guardo até hoje!

Da Lama ao Caos (nome do disco) começa com o manifesto Monólogo ao Pé do Ouvido:
Modernizar o passado é uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.


Em seguida, na mesma batida, emenda com “Bandidismo por uma questão de classe”. Olhando para suas raízes, CSNZ se apresentava como o mais novo pantera negra.

O disco segue com “Rios, Pontes e Overdrives”. O ambiente de Recife serve de inspiração para o ecletismo sonoro, mostrando ao mundo que o Brasil era muito mais do samba e futebol.
Mangue mangue mangue mangue mangue mangue manguee.

Em seguida, apresenta o boa noite do Jonas Francisco Vieira, conhecido como Velho Faceta, um criativo personagem urbano de Recife, tocador de viola e tirador de coco, para emendar com
a cidade não pára, a cidade só cresce
o de cima sobe, o debaixo desce.


Depois da já citada “A Praieira”convoca todos para celebrar com “Samba Makossa”.

Posso sair daqui pra me organizar, posso sair daqui pra desorganizar. “Da Lama ao Caos”, traz manguebit na veia, direto. Se existe genialidade em composições, certamente essa é uma. Uma das minhas músicas prediletas (não do disco, mas de todas). Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.!!

‘Urubuservando’ a situação, a violência urbana também serve de inspiração com “Maracatu de Tiro Certeiro”.
O Sol é de aço, a bala escaldante
Tem gente que é como barro
Que ao toque de uma se quebra
Outros não!


“Salustiano Song”, a primeira instrumental, serve para marcar bem a levada manguebit.
Depois, Recife, cidade do mangue, incrustada na lama dos manguezais
volta a ser fonte de inspiração com “Antene-se”. Foi uma espécie de resposta ao título de 4ª pior cidade do mundo adquirido pela capital pernambucana naquela época.
Procure antenar boas vibrações
Procure antenar boa diversão
Sou,Sou,Sou,Sou,Sou Mangueboy

Som na caixa com Risoflora, pedais nas guitarras, batidas aceleradas de um coração, mostrando que o amor também tem vez no manguebit.
Eu sou um caranguejo e estou de andada
Só por sua causa, só por você, só por você
E quando estou contigo eu quero gostar
E quando estou um pouco mais junto eu quero te amar... oh Risoflora, não me deixe só
Linda canção.. e forte!

Manguebit é metal também com “Lixo do Mangue”. Explosão de autoria de Fred Zero Quatro, do Mundo Livre S.A., outro grande expoente do movimento.

No final, Computadores fazem(ndo) arte... artistas fazem(ndo) dinheiro, de Lúcio Maia, parece profética em período pré-internet, para depois fechar com a levada eletrônica de "Coco Dub". Imprevisibilidade de comportamento,
o leito não-linear segue
Pra dentro do universo
Música quantica?

Infelizmente, antes do carnaval de 1997, um acidente de carro privou-nos precocemente de sua magia. Mas deixou-nos o manguebit como importantíssimo legado. Não é a toa que, em Recife, Chico Science tornou-se um mito, com rosto estampado em camisetas, frases em cartões e idolatrado como Bob Marley.

E para mim, pessoalmente, traz a lembrança de um período marcante da minha vida, regado com cervejas antes do almoço enquanto nos antenávamos.

[Paul]

Set list do disco, que pode ser acessado no link
http://rapidshare.com/files/11081362/1994_-_Da_Lama_Ao_Caos.rar.html

1. "Monólogo ao Pé do Ouvido / Banditismo por Uma Questão de Classe" (Chico Science)
2. "Rios, Pontes & Overdrives" (Chico Science, Fred Zero Quatro)
3. "A Cidade/Boa Noite do Velho Faceta" (Chico Science)
4. "A Praieira" (Chico Science)
5. "Samba Makossa" (Chico Science)
6. "Da Lama ao Caos" (Chico Science)
7. "Maracatu de Tiro Certeiro" (Jorge du Peixe, Chico Science)
8. "Salustiano Song" (Lúcio Maia, Chico Science)
9. "Antene-se" (Chico Science)
10. "Risoflora" (Chico Science)
11. "Lixo do Mangue" (Fred Zero Quatro)
12. "Computadores Fazem Arte" (Lúcio Maia)
13. "Coco Dub (Afrociberdelia)" (Chico Science)

sábado, 25 de outubro de 2008

Full Moon (Infernal - Nando Reis - 2002)



Todo mundo tem seu mundo secreto. Confesso que o Nando Reis é um personagem que há muito passeia pelo meu… Adoro sua voz rústica e desafinada, seu cabelo vermelho, sua barba, seus brincos e anéis, seu jeito de tocar o violão e principalmente o jeito que ele escreve e canta o mundo pra gente.

Me liguei no Nando através da voz da Cássia Eller em “Luz dos Olhos”. Pensei: nossa, o que é isso?! E fiquei tempos viajando naquela música, naquele fusca, naquelas malas, naquele amor tão intenso. Pirei.

Taí, o Nando é uma figura barroca, intensa, angustiada, sempre cindido, sempre buscando o amor. Transita entre o sim e o não num movimento pendular e o mais legal, entre o seu sim e o seu não, muitas estórias acontecem. Sua poesia tem temperatura, exala calor e se tivesse uma cor, seria o vermelho. NR nos toca porque ele escancara nossas dúvidas, canta com naturalidade aquilo que a gente guarda a sete chaves nas nossas gavetas.

“INFERNAL” (2001) foi meu primeiro disco do Nando. O encarte é uma obra de arte! Aquela boca cantando, aquele pé no ritmo, aquele pullover são de matar! O amarelo das paredes, o baquinho de madeira naquele canto, o sol redondo e opostamente sua alma gêmea, a lua… Bicho, eu adoro! E do outro lado, atravessando a porta sempre aberta, você se depara com a full moon… Bom, depois desse encarte a melhor coisa é logo se entregar pro recheio do disquinho. Aliás, é isso que o Nando faz com a gente, ele te convoca a mergulhar no seu mundo amoroso cheio de atalhos, de armadilhas e de prazer. Eu não sei exatamente o que mais me atrai na música dele. Será a força da realidade, será a energia estonteante dos sons, será a velocidade do seu ritmo ou será sua poesia escandalosa com a qual me identifico profundamente? Não tenho a minima idéia, talvez seja tudo isso junto, como num ímã.

Nando começa como uma bomba em “Infernal” e num reggae rasgado ele grita “Eu juro, eu te amo desde que eu nasci”. Pode alguém jurar um amor desse tamanho? O mundo que até então cabia num criado-mudo e aí chega você, estilhaçando, ampliando tudo. Infernal. O Nando canta o amor como uma possibilidade de libertação. É um abre-te sésamo! Tudo vale entre o céu e o chão.

“ECT” chega com um batuque redondo, gostoso, com umas interferências de quintal ao fundo, com uma guitarra graciosa e brincalhona. A carta é de amor, um susto! Uma carta que te convence a aparecer no mundo. Aqui estão os Tribalistas às avessas! Num jogo de cadeiras sai o Arnaldo e entra o Nando. No final um silêncio para um breve respiro. O resultado é uma música com a velocidade da luz.

“A Minha Gratidão é Uma Pessoa” canta a dor e a delícia do perdão. Começa lenta e ganha força, como se o Nando quisesse nos convencer que sim, que vale a pena tentar. A palavra mágica é a imperfeição, ele celebra a nossa condição de amar , desamar e reamar. A música fecha com a guitarra insistente, seguida de uns sons ondulares, insinuando paz.

O céu arde com “O Segundo Sol”. A invenção fica linda na voz do inventor. A guitarra ganha voz e o Nando calmamente recita a força do inesperado. Essa lindeza para mim é uma incógnita. Uma incógnita que me tira do sério, me incomoda pela sua beleza, pelas suas palavras inusitadas e amarradas numa trama impossível. "O Segundo Sol" é um knockout.

Acho o máximo a despretensão de “A Fila”! O balanço dessa música é inconfundível! A feira como um espaço de encontro delicioso: tem pastel, tem bolachinha, tem morango, tem gente trançando, tem gente gritando, tem gente experimentando. A feira tem cheiro, tem personalidade. O Nando imprime nas coisas cotidianas a poesia. Na feira “eu procuro o mais barato pra sobrar dinheiro para comprar muitas flores para você”. NR é um poeta incansável, ele não desiste do amor. Essa é a sua língua.

A mais linda de todas, “Os Cegos do Castelo”. Nessa música o Nando pede água.
“Eu cuidarei do seu jantar/ do céu de do mar/ e de você e de mim”. A potência amorosa dessa música é transcendente e de novo o Nando chega de mansinho, nos contando de como é o mundo no nosso porão e do desejo de escapar pela porta aberta, para o sol lá fora. É a esperança do reencontro, da chance, de quem tá desejando de corpo e alma, de novo, mais uma vez. O Nando é isso – essa sequência de amor e desamor, essa tensão humana dos erros e acertos. É uma música de carne e osso. Nua e crua.
O final é avassalador, NR sai de cena e deixa só a música, nos permitindo o olhar fixo para cegos que habitam a nossa escuridão.

Esse cd é sem fim! Um bumerangue, vai-volta-vai-de-novo e volta-com-mais-força. “Resposta” – “Bem mais que o tempo/ que nós perdemos/ ficou pra trás, também o que nos juntou”. É o lugar vazio do amor , do passado, daquele que continuou andando apesar dos versos seus, tão meus. Acho essa música um carinho para os ouvidos, uma cosquinha boa de ouvir. É serena. É um Nando menos desesperado, literalmente numa onda peace & love.

“Onde Você Mora” abre com uma guitarra quebrada, com uma melodia super sensual. Aqui a música e a poesia foram criadas num encaixe perfeito. Uma música feliz, “com a sorte de um amor tranquilo”, um amor inesquecível, num desses delírios que a gente não quer nunca mais esquecer. Privilégio um amor desse! Amor que não se mede/ amor que não se pede/ não se repete”… Ah, que covardia!

Em “Fiz o que Pude” e “Me Diga” o Nando volta visceral, tomado pelo desespero de ver seu amor escorrendo pelas suas mãos. É um NR dando uma chance para ele mesmo, em “Fiz o que Pude” de uma forma frenética e em “Me diga” de uma forma maior, onde todos seus amores entram em cena – o pai, os filhos e a mulher amada. “Me Diga” é linda, porque aqui Nando mais uma vez reconhece seus limites, ele canta os limites do próprio amor. É um alívio o sentimento dessa frase “E eu/ dependo do que eu não entendo/eu pretendo apenas/que você saiba que isso é o meu amor”.
Ele saca como é super não ser super-herói. Maravilhoso.

Então tá, acho impossível não ouvir o Nando e não se enxergar em sua poesia, não fantasiar um small world com suas palavras. Não tem saída: é como num espelho: ou você se enxerga na sua obsessão ou na sua paixão.

Esse pequeno texto é dedicado ao PQ, linda fantasia que virou realidade, ao Obama, fantasia de mudança por que torço com todas as minhas forças para que também se torne realidade e ao Mateus, que há muito tempo me disse assim: escuta o Nando, acho que você vai gostar. Ele tinha razão!
[ANDRÉA]

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Não é coletânea não!!!!!! (Pai Herói - 1979)




A última novela que acompanhei com certo prazer foi “a última vítima”. Poxa, isso já faz tempo! Esta indicação é de uma novela de 1979, há mais tempo ainda.

É do tempo em que as trilhas sonoras das novelas não vinham com atores estampando as capas. É do tempo de Janete Clair. Não é preciso dizer mais sobre a novela propriamente dita.

É do tempo que os discos anuais do Roberto Carlos eram ansiosamente aguardados...e valiam a espera. Mas estou digredindo.

Mas, é do tempo em que as seleções musicais eram realmente ótimas. Esse disco é um exemplo.

Imagino que todos aqui que tenham mais ou menos a mesma idade viam os pais, religiosamente, comprarem não só as trilhas sonoras nacionais, como as internacionais das novelas. Sempre uma delícia!

“Pai” e “14 anos” são as melhores músicas do repertório de Fábio Jr e Guilherme Arantes, respectivamente. Singularmente autorais; ímpares. Sem pensar muito não consigo indicar outras tão boas na mesma linha.

“Homem Calado” é triste de doer. Linda. Música tema do personagem de Dionizio Azevedo.

“Pode Esperar” e “Meu Drama” sambas indispensáveis em qualquer discoteca básica sobre o ritmo.

Era com “Passarinho” que eu tentava fazer Nana voltar a dormir nas madrugadas insones de novo pai. Não tendo nem sombra do talento de Beth Carvalho, as tentativas não eram tão bem sucedidas.

“Espírito Esportivo” é uma das músicas mais deliciosas que conheci. A relação entre futebol e os riscos do amor é sensacional.

Mais umas três ou quatro trilhas de novelas não fariam feio por aqui. Mas Pai Herói tem que ser a primeira e ponto final.

Ah. Um comentário final: para os que, como eu, tem severas restrições a coletâneas, defendo que trilhas musicais não se enquadram na espécie. Possuem uma história, um começo, meio e fim.

(ZEBA)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Contato, contato (O dia em que faremos contato - Lenine - 1997)


Começamos aqui a falar sobre a obra de um artista não ligado a nenhum movimento, assim como, ele mesmo gosta de citar, Djavan, Tim Maia, Jards Macalé etc. Ele prefere a palavra movimentação.
Lenine é o nome dele, e ‘O dia em que faremos contato’ o nome do disco. Não é o primeiro, mas ‘Olho de peixe’, com Marcos Suzano (que também participa desse disco aqui comentado), é dificílimo de encontrar, pra quem ainda compra cds como eu. ‘Baque solto’ é um disco coletivo que pouquíssimo tem a ver com este aqui.
O disco começa com ruídos não musicais, um fax conectando, uns meninos (Caju e Castanha) contando sobre sua vida de artista de rua – que depois são sampleados no meio da música. De repente, por trás de um barulho sintetizado rítmico, surge a voz poderosa de Lenine, cantando e ‘rapeando’. ‘A ponte’ não podia ser melhor pra iniciar o disco, impressionante, moderna e com pressão.
Já li ele dizendo em algum lugar que se aproximou da música não pela MPB, e sim pelo rock (Led Zeppelin foi o nome que li). Talvez por isso eu goste tanto do seu trabalho. A pegada é rock, a sonoridade é caprichada, mas tem balanço, vozes agradáveis e letras belas.
Como é a pop ‘Hoje eu quero sair só’, com uma harmonia que se repete a música toda (mas não é repetitiva), um solinho de guitarra wah-wah esperto (cortesia do sempre preciso Fernando Vidal), um pandeiro meio escondido, uma guitarra eventual suingada e aquele violão excelente que marca muitas de suas músicas, além de várias vozes sobrepostas.
Depois, a minha favorita, o baião heavy ‘Candeeiro encantado’. Mesmo sem guitarras pesadas (que eu teria colocado), tem a pegada e a estrutura inspirada em blues, mas com a rítmica e letra de repente. Mistura bem timbres eletrônicos, violão legal e vozes sampleadas de ‘Deus e o Diabo na terra do sol’, de Glauber Rocha. Demais.
Liminha, mesmo sem produzir, toca baixo em quase todas as faixas. Participação especialíssima. Na faixa seguinte (‘Etnia caduca’) desenvolve uma linha muito legal.
‘Distante demais’ apresenta a face lírica, de belíssimas canções e letras lindas. Co-autoria de Dudu Falcão.
Na seqüência vem a faixa-título, com a idéia original que a paz surgiu aqui na terra, mais especificamente no morro, pois ‘vive perto do espaço sideral’. ‘Essa coisa de riso e de festa só tem aqui’. Mais uma com uma mistura de pandeiro, sons eletrônicos, um violãozaço e outros ruídos. Funciona muito bem, principalmente porque as canções são excelentes composições, que funcionariam mesmo só com voz e violão. Mas Lenine capricha no aspecto mais essencial da música, o Som.
Em ‘A balada do cachorro louco’, mais uma vez Lenine brinca com suas vozes, canta e contra-canta, dobra e se multiplica, com uma bateria reta sobre uma música tipicamente nordestina, com pifes do Carlos Malta. Mais uma que se ouve com muitos mais detalhes no fone de ouvido, que ainda vai me ensurdecer...
Segue ‘Aboio avoado’, só na voz, ‘um aboio para trazer de volta ao curral as paixões que se desgarraram’.
‘Dois olhos negros’, música sobre uma mulher, pop, redondinha, dançante e divertida, uma letra meio Carlinhos Brown, um violão tipicamente bem tocado. Essa foi até pra alguma novela. Termina com um solo curto e hendrixiano do Fernandinho Vidal.
‘O marco marciano’ destoa não pela qualidade, mas por ser totalmente acústica, com voz(es) e viola de 10 cordas. E a letra nada tem de regional, misturando ficção científica, paisagens amplas, tom épico e outras cositas más.
Vozes percussivas, uma guitarra com timbre estranhíssimo, uma bateria de fundo. Falando assim não deveria combinar. Mas depois começa a música, com aquele violão, vozes, uma baixo subterrâneo do produtor Chico Neves e vários saxofones. ‘Que baque é esse?’, ele se pergunta. Eu me pergunto também, mas que porra é uma guitarra Chelpa??
Segue um pout pourri com 4 músicas, amarradas pelo violão e pandeiro: ‘Pernambuco falando para o mundo’, ‘Voltei Recife’, ‘Frevo ciranda’, ‘Sol e chuva’ e ‘Rios pontes e overdrives’ do genial e saudoso Chico Science e Fred Zero Quatro (do mundo livre s.a.).
‘Bundalelê’ é o lado carnavalesco e carioca do disco, inclusive gravada com o bloco Suvaco de Cristo.E vamos nos despedindo com ‘Mote do navio’, com um coral de várias vozes e agradecimentos em profusão. Nem precisava, Lenine, nós é que agradecemos!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Delicado? Infernal?... (Sim e não - Nando Reis - 2006)


Seu nome responde a qualquer tentativa de classificar o disco de Nando Reis e os Infernais lançado em 2006: Afinal, este é um disco de rock? Sim e não. É um disco de baladas de amor? Sim e não.

É o primeiro disco do compositor sem a sombra de Cássia Eller, que foi sua voz em "Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo" (ver entre as postagens anteriores) e no póstumo "Dez de Dezembro", disco onde a cantora gravou as canções mais célebres do compositor. Cássia se foi, mas Nando segue em frente.

Também é o primeiro disco que marca a fase "clean" de Nando Reis, afastado do álcool e de outras drogas. De alguma forma, essa nova fase transparece no álbum, ao mesmo tempo em que também estão presentes referências à sua vida "anterior", tornando este o seu mais autobiográfico trabalho.

Estranhamente o disco abre com sua música mais fraca, Sim, uma melancólica declaração de amor que será totalmente esquecida quando chegar ao final da audição. Em seguida, vem o hit deste disco: Sou Dela. A levada da música é irrestível, "grudenta" sem ser pegajosa, o pop-rock perfeito. O refrão traz uma sutil referência sobre seu momento: "Estava tão longe, num outro lugar, trancado e distante, na esfera lunar...". Mas agora, o Nando é dela e a música transborda a alegria desta descoberta e celebra este amor renovado.

N é uma balada de saudade. Uma saudade de quem fica menos de uma semana sem ver a mulher amada. Parece um exagero, mas quem já viveu uma história de amor quinzenal, de rodoviária, sabe bem como é essa saudade e a intensidade do encontro. A introdução traz um Carlos Pontual tocando um lick simples e intenso na strato, lembrando o lado mais sentimental de Clapton. Monóico é o primeiro rock'n'roll stoniano deste disco. Baita música com uma poesia um pouco diferente daquela que é a clássica do Nando Reis. No jogo de palavras há uma troca de papéis e é a mulher que o penetra. Nos Meus Olhos é outra balada, mais uma vez, um pouco diferente também da poesia típica do NR. Aqui ele mistura frases curtas e suas clássicas frases longas.

Santa Maria é um rock'n'roll stoniano de estrada, que conta a história de um amor inesquecível, marcado pelo calçar e descalçar das botas de uma mulher amada. Espatódea é simplesmente, a mais linda canção de amor de pai pra filha já escrita em português. A música dedicada à caçula Zoé diz: "não sei se o mundo é bão, mas ele está melhor desde que você chegou e explicou o mundo pra mim". O arranjo é delicado como a flor, e a gente vai percebendo o sim e não, o yin e yang se alternando ao longo do disco.

Pra Luzir o Dia é uma canção folk de poesia curta que se concentra em temas do dia-a-dia, celebrando as coisa simples desta vida: “bolo pra comer, bola pra bater”, “som para ouvir, sono pra dormir”. Uma bela e suave orquestração acompanha o arranjo. Como se o Mar é uma canção de amor que lembra os aranjos típicos da soul music brasileira dos anos 70, a la Tim Maia. Pena que a letra não seja tão boa quanto a música. Nando volta com mais uma canção de amor, pra um amor que se despede em Pra Ela Voltar, e reclama: "desde que ela foi embora nada mais funcionou".

Caneco 70 é o mais stoniano dos rocks deste disco. Desde as guitarras, até um "uh uh!" que lembra Sympathy for the Devil. Porque será que eu gosto tanto deste disco? Outra canção de estrada, conta uma história de amor real, com suas delícias e cagadas. “Teríamos futuro de eu não fosse um selvagem”. No final, uma micro autobiografia: canta seu amor pela sua São Paulo natal, pelo seu São Paulo Futebol Clube, time do coração, os pais, os filhos... Meio que justificando seu comportamento, se apresentando, sei lá...

“Não sei quantas vezes te deixei bem triste, Não sei se comigo foi feliz ou não. Não sou exatamente o cara mais fácil que existe. Mas posso te dizer que para sempre te trarei dentro do meu coração”. Não, não, não. E sim.

O disco termina com Ti Amo, um raga a la George Harrison, onde a melodia da música toda é cantada por um "ti amo", com se entoasse um mantra. Um sim. Sim de amor não só pela sua amada (aquela de Sou Dela), mas pela sua "nova" vida e os prazeres que estão por vir (como cantado em Pra Luzir o Dia). [MATEUS]

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Papel de Bala Colorido (Por onde andará Stephen Fry? - Zeca Baleiro - 1997)




Há tempos queria escrever algo sobre a música do Zeca Baleiro… O difícil era escolher por onde começar… Resolvi então começar pelo começo, pelo filho mais velho “POR ONDE ANDARÁ STEPHEN FRY? ” (1997). Na verdade acho que tem um outro motivo – eu adoro especialmente algumas músicas desse cd.
E o Zeca tem uma voz deliciosa de ouvir, uma imagem única e criativa de ver e uma poesia pra lá de boa de sonhar…
Ele é um alquimista musical! No seu caldeirão estão os melhores ritmos nordestinos com pitadas de outras influências não só musicais como poéticas.

“O melhor futuro este hoje escuro/o maior desejo da boca é o beijo/ eu não quero ter o tejo me escorrendo das mãos". “Bandeira” chega arrasando com o desencontro de palavras que mais encontradas não poderiam ser! E o violão que de tão manso, te conquista. “Bandeira” te faz parar, te capta por vários canais, entra por todos os poros.
Em seguida vem “Mamãe Oxum”com uma alegria e ingenuidade contagiante! Zeca Baleiro canta junto com Chico César, numa combinação perfeita, sem dizer na percussão de Ramiro Mussoto.

E aí a gente chega numa das minhas favoritas: “Salão de Beleza”. Acho um barato um salão de beleza virar tema de música! Só mesmo a cabeça colorida e aguda do Zeca para escolher o salão de beleza como metáfora para a a nossa busca tão incansável e cotidiana pela beleza (no seu sentido mais amplo). Perfeito!
Ele vai cantando e vem chegando os coros, os bongôs, e o nosso corpo estranhamente começa a entrar em sintonia com aquela linda melodia . "Salão de Beleza” tem uma onda contagiante, faz a cabeça pensar e o corpo dançar! É tão bom…

“Vapor Barato”. Para essa eu fecho os olhos e brindo a existência de Wally Salomão! Tudo é lindo: a letra, a melodia, todas as vozes que já cantaram, todas as viagens viajadas pelas nossas cabeças. Se só existisse o título, já seria uma obra de arte: Vapor barato.
No words.

Outra coisa que me encanta no Zeca Baleiro é a sua curiosidade pelo ser humano (acho que é porque eu também sou bem interessada nesse bicho raro!). Digo isso porque Stephen Fry foi um ator londrino desconhecido que sumiu depois de sua estréia, por ter se achado um fracasso no palco.
Zeca Baleiro leu essa pequena nota no jornal e escreveu “Stephen Fry”. Essa música é tão humana, tão simples e completamente profunda. O que também me toca na poesia e na música do Zeca Baleiro é essa antena que capta essas pequenas estórias e através delas nos permitimos nos emocionar. E o Zeca é um mago para encontrar a beleza nas coisas simples.
E arranjos são delicadamente feitos sob medida para alguém que resolveu trilhar outros paradeiros.

Outra favorita… Tenho várias favoritas! Ainda bem! "Skap”- adoro música onde a presença do violão é marcante.
Depois de um soneto de Shakespeare recitado por Wanderléa, Zeca Baleiro entra discreto, suave, como quem não quer atrapalhar. Essa música é um balé de tão leve, é um caleidoscópio das letras, que em cada fim de frase você tem um desenho diferente - uma surpresa. Os verbos ganham novas vozes e o piano arremata tudo isso com uma magia que arrebata.

“Dodói”! Favorita total também… Com um balanço que não deixa ninguém no sossêgo, Zeca canta um xeque-mate! “Se você não me quer mas eu quero”. Bicho, você não tem saída, porque senão eu piro e aí vou pro Juqueri ou pra Bangú!
Essa é a voz louca de amor, aquela que de tão louca, já tá mansa.
E quem não tem essa voz dentro de si?
[ANDRÉA]

Um Anticomputador Sentimental (Caetano Veloso 1969)



Selecionar um ou outro disco do Caetano Veloso para compor essa seleta lista não é das tarefas mais fáceis. Entre tantas obras primas, já foram citados o “petardo” Cê (Dão) e Cores Nomes, um “caetano sem gelo e limão” (Mateus).

Como bom gosto não se discute, mas se compartilha, vou dar minha contribuição, incentivado pelo recente show que tive o prazer de assistir no Municipal na semana passada.
Trata-se de “Caetano Veloso”, de 1969, disco que conheci ainda na infância graças ao bom gosto musical da Nati, minha irmã.

Pessoalmente, creio que foi uma versão tropical do conhecido “álbum branco” dos Beatles, lançado menos de um ano antes desse, a começar pela capa igualmente branca (apenas assinatura do músico - pode não parecer, mas a capa está no início do post), passando pela ausência de um nome, até sua própria configuração, com músicas aparentemente contraditórias que travam um interessante diálogo. Mais do que influência, o disco do quarteto de Liverpool pode ter servido como inspiração.

O disco abre com a irreverente “Irene”, que de modo perspicaz, reproduz, ao som da guitarra, a famosa risada que ele tanto queria ver (homenagem à sua irmã). Reparem...

Depois, a melancólica “Empty Boat”, talvez uma das primeiras composições de Caetano em inglês. Embora pouco conhecida, seu belo arranjo consegue transmitir um vazio existencial que tão bem se encaixa em certos momentos da vida (duvido que alguém já não tenha sentido).

O ritmo volta a ficar alegre com o faceiro “Marinheiro Só” com seu bonezinho, repetindo a fórmula nas músicas seguintes: “Lost in Paradise” (outra composição em inglês, na sua preparação para o exílio) seguida pela carnavalesca “Atrás do Trio Elétrico” que dispensa comentários. Só não vai quem já morreu.

O fado lusitano se faz presente com “Argonautas”, que trouxe para camisetas do Brasil todo a frase Navegar é Preciso Viver não é preciso. Ao contrário de que muita gente pensa, o sentido que Fernando Pessoa empresta ao termo “preciso” não tem nada a ver com necessário, mas sim com exatidão. Seria a contraposição da navegação (com regras da ciência exata) com a vida (cujo fim ninguém conhece). Era Caetano às vésperas do exílio.

Na seqüência, interpretação da bela “Carolina” de autoria de Chico Buarque.
Eu bem que avisei, vai acabar, de tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar, agora não sei como explicar... só Carolina não viu.

Sensivelmente bela e ao mesmo tempo triste, parece que essa música serviu de inspiração para o batismo de tantas “Carolinas”, que certamente procuram outro destino.

O disco segue com tempero argentino no tango “Cambalache” para emendar com a belíssima “Não Identificado”, uma canção dizendo tudo a ela, que ainda está(ou) sozinho, apaixonado... uma canção de amor! De tão linda, essa música foi gravada e regravada várias vezes (Gal, Bethânia, etc), cada um com uma levada diferente, mas igualmente líricas. No youtube tem um depoimento da mana do Caetano seguida de uma interpretação que faz marear os olhos (http://www.youtube.com/watch?v=sJN_a8dy7kU),

E caso canção de amor não identificado não fosse suficiente para abrir olhos de Carolinas, Caetano não poderia ter se saído melhor na seqüência: Podemos ser amigos simplesmente... coisas do amor nunca mais, interpretando Chuvas de Verão, de Fernando Lobo. Momento sublime.
Para finalizar, quero o que não mereço....o começo, a poesia “Acrilírico”, com a participação do maestro do tropicalismo Rogério Duprat, seguida de “Alfômega”, do amigo Gilberto Gil, que deve ter servido de inspiração para que outro baiano – Carlinhos Brown - fizesse o também elogiado “alfagamabetizado” cerca de 25 anos depois.

Enfim.... só escutando mesmo todo o disco para sentir como essa profusão de estilos, ritmos e línguas que interliga um ie-ie-ie romântico com Carolina dos olhos fundos, passa de trio elétrico para o empty boat e mistura tango com fado produz um resultado tão genial.
[PAUL]

Segue link para baixar o disco: http://link-protector.com/176329/

domingo, 19 de outubro de 2008

modnoC kcalB (Condom Black - Otto - 2001)





O branco que se pinta de preto, o branco que se emaranha nos sons negros. Esse é o Otto no CONDOM BLACK (2001).

Não dá pra começar a falar do cd sem falar do encarte: é um visual meio vermelho-preto-esfumaçado, meio sex shop, meio demoníaco, meio candomblé, meio cidade do Recife. E com muita inspiração e batuque de primeira, ele transforma essas imagens em música.

As músicas falam também de amor, mas no Condom Black não tem espaço para o amor puro, no Condom Black só cabe o amor carnal, aquele que dilata, aquele que procria.

O cd abre com “Dilata”, música com batida e vocabulário eletrônicos que com o vocal de Luciana Mello e um trompete discreto e delicado dão ao som um suingue e um charme todo especial.

Aí os Orixás começam a entrar em cena em “Anjos do Asfalto”, com o aviso de Exu dizendo que é melhor você se salvar! Música gostosa de ouvir, com um batuque manso e constante. Girando para a próxima, caímos na “Armadura”. O que eu adoro nessa música são as rimas, as palavras não convencionais para contar a busca da felicidade e do amor - “Armadura buracos de fechadura/ não tape mais, mulher/ a tua alma nua”. E sempre com um fundo eletrônico, melodioso, circular.

Aterrissamos em Cuba. Os sopros nessa música dão um sotaque caribenho incrível! Aqui mistura tudo: América do Sul, Caribe, Brasil, Cuba, rap, Xangô, Iemanjá, Papa. Um caldeirão tão familiar pra gente. E Cuba foi o nosso grande amor… A Babilônia e que se tudo aquilo é uma farsa, então disfarça…

Em “Dias de Janeiro”, “Londres”, “Por que” e “Retratista” (minha favorita...) o Otto acalma e volta a falar do amor de uma forma dilacerada, com uma poética maliciosa, quente, musical, ritmada, aérea e com perfume de rosa. Sempre com vozes femininas abafadas, porém muito vivas. É de uma sensibilidade muito masculina essa insistência do Otto em usar vozes femininas na música dele. E isso é uma característica também do “Sem Gravidade”, seu último disco (2003). Ele parece não conseguir falar de amor sem ter a contrapartida da mulher, como num jogo erótico.

O Otto vai pra rua com “Street Cannabis Street” e quando escuto essa música imediatamente me vem à cabeça a versão de um Bob Marley do século XXI, algo ligado ao futuro e que a gente deve perder o medo. É uma celebração de coisas que podem trazer prazer - cannabis, sêmem e as crianças. Tudo isso de uma maneira bem da rua, de sarjeta. Lindo!

E termino aqui falando de “Condom Black”, - resultado de todo o amor que o Otto foi cantando, batucando e nos eletrizando ao longo do cd. De tudo que é gostoso - do pau, do cu e da boceta, alguns dos personagens que habitam nossas vidas e nossas fantasias. E ele dá o último respiro e canta o maior presente: “o filhim” dele com a preta, fruto do amor das misturas: do preto com branco, do eletrônico com batuque, da natureza com a cidade e do homem com a mulher. Isso é o condom black!
[ANDRÉA]

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Diamante Verdadeiro (Álibi - Maria Bethânia - 1978)


Lembro bem deste LP com as cores fortes da capa contrastando com o ar levemente entristecido da Bethania. Na época, eu não dava a mínima pra este LP, e ele rodava um monte no aparelho lá de casa. Isso foi há uns trinta anos atrás. Hoje, sou fã. Dizer que o disco é maravilhoso ainda é pouco! A produção combina de maneira magistral, orquestração suave com o som da banda de bethania, destacando nessa salada, é claro, a voz privilegiada da cantora. Por onde começamos? O disco abre com Diamante Verdadeiro, choro do irmão Caetano, belíssimo por sinal. A faixa título vem em seguida, Bethania grava pela primeira vez um então pouco conhecido compositor alagoano, Djavan. A música não é das minhas preferidas nem do repertório dela, nem entre as composições dele, ainda assim é um daqueles tipicos "blues do Djavan". Depois vem um dueto com Alcione em O Meu Amor, composição magistral de Chico que na voz das duas cantoras é insuperável, transbordando sensualidade... Segue A Voz de uma Pessoa Vitoriosa, composição de Caetano com letra de Wally Salomão (uma parceria que, até onde eu saiba, se restringe a esta única canção), sambinha que começa suave e que Bethania trata de eletrizar à medida que se aproxima do refrão (repare na sutileza do solinho de guitarra). Bethania gravou ainda dois super clássicos, Ronda, de Paulo Vanzolini e Negue (Adelino Moreira e Enzo Passos), duas versões que também ficaram imbatíveis em sua voz. Explode Coração foi o hit deste disco, composição de Gonzaguinha, tocou até furar o vinil. Sonho Meu de Dona Yvonne Lara é um samba delicioso que conta com a participação mais do que especial de Gal Costa. Mais uma canção do Chico aparece aqui, De Todas as Maneiras. Outro momento caprichadíssimo. Depois vem Cálice de Chico e Gil, o que dizer? Você vai perdendo o fôlego porque o disco realmente é de arrebentar... Essa música recebe um tratamento diferenciado do restante do disco. Começa só com violão e suave percussão. A banda só vai entrando aos poucos e a orquestração fica em terceiro plano. O disco finaliza com uma deliciosa composição de Rosinha de Valença. Aliás, Rosinha de Valença (que me foi apresentada pelo Paulinho seguindo uma sugestão do Zédu) é um capítulo à parte. Ela toca todos os violões e cavaquinhos no disco. Seu estilo é bastante sutil, mas essencial (principalmente nas duas últimas faixas onde a produção é mais econômica). A música, que se chama Interior, é levada só no violão e gaita e a voz de Bethania. Perfeita.

O fato de ter sido campeão de vendas em 1978 é só um sintoma, ainda que não seja o motivo de estar aqui. A verdade é que este disco é um verdadeiro diamante. [MATEUS]