terça-feira, 14 de junho de 2011

Uma nova volta ao passado: O rock errou, Lobão



“Dizem que o Rock andou errando
Não valia nada, alienado
E eu aqui na maior das inocências
O que fazer da minha santa inteligência?
Será que esse é o meu pecado, porque
Errou, errou, errou, errou
Eu sei que o rock errou”





Começa assim um dos álbuns mais relevantes da música brasileira dos anos 80. Lançado em 1986 em meio às mudanças político-econômicas pelas quais o Brasil passava, trata-se de um contundente retrato de sua época.



O Brasil vivia a (curta) lua-de-mel do Plano Cruzado – a euforia rapidamente deu lugar ao desespero da população. O então presidente José Sarney, que assumiu o posto “por acaso”, após o inesperado falecimento de Tancredo Neves, gozava de seus momentos de altos índices de popularidade (que jamais se repetiriam). O regime militar já era página virada de nossa História, mas um certo “Estado policialesco” ainda mostrava suas garras. E Lobão foi uma das vítimas desse estado de coisas.



João Luiz Woerdenbag Filho, o Lobão, foi preso por porte de drogas no exato momento da conclusão de “O Rock errou”. Encarcerado e com pouco acesso à defesa, o artista viu-se na situação de bode (lobo?) expiatório de uma sociedade retrógrada. Parte da grande imprensa atacou os “atos” de Lobão e defendeu sua prisão. A liberdade só veio após intensa batalha na justiça (cabe lembrar que dois Titãs, Arnaldo Antunes e Tony Belloto, passaram por situação semelhante na mesma época).



Ao final do processo, “O Rock errou” sintetiza o momento pessoal de Lobão. Também, conforme dito acima, é um pequeno instantâneo do Brasil de 1986.



A faixa título, um petardo, abre o disco. Trata-se de uma ácida crítica ao país e aos seus políticos (Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo, é apresentado como o “bruxo da vassoura”). Fala das dificuldades da transição do militar para o civil (“vivemos num país bem revistado/uma nova volta ao passado”). O vocal rascante e as camadas de guitarras tornaram a canção um pequeno hino, e hoje pode ser considerada um clássico.



Entre os demais “clássicos” do disco, podemos citar “Noite e dia” (com letra safada e sacana, “menina quer brincar de amar”) e a porrada “Moonlight paranóia”. Outras duas canções merecem atenção especial.



A primeira delas é “Canos silenciosos”. A exemplo de “O Rock errou”, trata-se de um petardo. A letra, um primor. O início é acachapante:



“Onda na madrugada, silêncio na batida
Tá todo mundo se aplicando pra festa,
Pra chegar na festa bem aplicadinho
Movimento na esquina, todo mundo entra, todo mundo sai;
sexo, drops, rock'n roll, adrenalina;
diversões eletrônicas num poderoso hi-fi”.



A letra segue falando em “homens, fardas, cassetetes, camburões/abusando da lei com suas poderosas credenciais”. Lobão tinha autoridade para tratar do assunto – ele sentirá o peso da justiça e da lei sobre ele. Os contundentes “canos silenciosos” tinham endereço certo.





A música mais emblemática, porém, é “Revanche”. A letra é, digamos, autoexplicativa:



“Eu sei que já faz muito tempo que a gente volta aos princípios
Tentando acertar o passo usando mil artifícios
Mas sempre alguém tenta um salto, e a gente é que paga por isso, oh!
Fugimos prás grandes cidades, bichos do mato em busca do mito
De uma nova sociedade, escravos de um novo rito
Mas se tudo deu errado, quem é que vai pagar por isso?
Quem é que vai pagar por isso? Quem é que vai pagar por isso?
Quem é que vai pagar por isso?



Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...



A favela é a nova senzala, correntes da velha tribo
E a sala é a nova cela, prisioneiros nas grades do vídeo
E se o sol ainda nasce quadrado, e a gente ainda paga por isso
E a gente ainda paga por isso, e a gente ainda paga por isso
E a gente ainda paga por isso



Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...



O café, um cigarro, um trago, tudo isso não é vício
São companheiros da solidão, mas isso só foi no início
Hoje em dia somos todos escravos, e quem é que vai pagar por isso
Quem é que vai pagar por isso? Quem é que vai pagar por isso?”
Quem é que vai pagar por isso?



“Revanche” sintetiza o difícil momento de Lobão atrás das grades. O bode-lobo expiatório acaba por pagar pelos erros de todos – mas não quer revanche por isso. A canção é amarga e tem melodia e harmonia soturnas. Uma pancada forte no estômago – a verdade é ou não é incômoda?



O disco com tem ao menos um momento de grande ironia, quando Lobão mostra que o rock “errou” mesmo. Trata-se da canção “A voz da razão”, que conta com a participação especial (especialíssima) de Elza Soares. Menos rock e mais samba, impossível. O velho e bom rock´n´roll, tal qual o conhecemos, não tem mais o que dizer, segundo Lobão. Estará ele certo?



O tempo passou, Lobão virou VJ da MTV (quem paga as contas dele, afinal?) e nunca mais produziu uma obra de tal envergadura. Nem precisava. “O rock errou” é definitivo.



André Xampu

3 comentários:

  1. Excelente Xamps! Cumpriu muito bem a função de instigar o leitor a buscar o velho LP na prateleira para escutá-lo novamente. Escreva mais!
    Paul

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  2. Acho que ele era casado com a moça da capa, que era sua prima tb. Moça sinistra! O melhor disco dele ainda acho que foi o vida bandida! Mas revanche foi sua obra prima.ZEBA.

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