segunda-feira, 3 de maio de 2010

Carlos, ERASMO... (1971)


Tem coisa na vida que a gente não entende, mas pelo menos a gente pode tomar como um sinal: domingo de manhã acordei com um email super legal do Baiano pra gente dividir uma resenha do Carlos, Erasmo.
Tudo isso culpa do Mateus.
Bem, o domingo passou e naquela noite eu fui ao concerto da Céu e no meio do show ela começa a cantar uma música do Tremendão - daquele jeito bonito dela de cantar. A música era linda, forte e eu não a conhecia: “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”.
E aí pensei: se essa música estiver no Carlos, Erasmo, tá decidido! Resenho total.
E aqui estamos, Baiano e eu nessa viagem. Porque ao ouvir Carlos, Erasmo a primeira reação é essa: que viagem! Sem dúvida ele estava embarcando total numa viagem única, experimentando aqui e ali. Um Erasmo on the road com muita química percorrendo suas veias…
Naquela época a Jovem Guarda fazia parte do passado, o que o havia relegado ao ostracismo, que veio acompanhado por um processo por porte de drogas. Mas no ano anterior “Sentado à Beira do Caminho” havia estourado na voz de seu parceiro, que estava assumindo de vez o papel de grande cantor romântico brasileiro. Por outro lado a Tropicália havia bagunçado a MPB, misturando rock com samba, hino religioso com hino de time de futebol, guitarra com bossa nova. E Erasmo, que nunca deixou de ser roqueiro, no sentido filosófico, ficou meio perdidão, ali, sem saber direito o que fazer. Tava difícil entender alguma coisa.
Mas precisava? Talvez não. Erasmo deu dois e fez um disco de alma tropicalista, onde coubesse tudo o que sentia e quisesse, sem obrigações, sem precisar assumir falsos papéis ou imagens que não eram a dele. Não queria provar nada a ninguém, apenas fazer um disco honesto, franco, despido (“Eu não nasci pra viver mentindo. Sorrir em troca e morrer fingindo”). E já começa pela capa, uma foto de chapéu, camiseta velha sem mangas, bem hippie, rompendo totalmente com o passado Jovem Guarda. A luz é avermelhada de pôr de sol escaldante, ele sério, inconformado?, preocupado?, perdido?, ou tudo isso? E o nome - Carlos, Erasmo (essa vírgula é um charme!) – daquela maneira acadêmica de citar uma obra, só reforça o lado autoral.
O disco é bem diversificado, com letras e temas incomuns. Tem um pouco de tudo: tem rock, tem soul, funk (Mundo Deserto), contestação (É Preciso dar um Jeito Meu Amigo), tema de novela (Ciça, Cecília - Tema de Cecília), Jorge Ben (Agora Ninguém Chora Mais), Caetano Veloso (De Noite na Cama), Marcos e Paulo Cesar Valle (26 Anos de Vida Normal), Taiguara (na riponga Dois Animais na Selva da Rua Suja), Roberto e Erasmo (Gente Aberta), feminismo (Não Te Quero Santa), apologia à maconha (Maria Joana) ao lado de uma religiosa e curiosamente ambas em parceria com Roberto (Sodoma e Gomorra). Parece que ele estava perdidão e jogou todas as suas contradições no disco.
Como era um momento pessoal, Erasmo se cercou de amigos, não só nas composições, que foram fundamentais pro resultado do disco. Lanny Gordin, guitarrista onipresente entre os Tropicalistas; os Mutantes Sergio Dias, Liminha e Dinho, se multiplicam nas guitarras em riffs pesados, batida pop até solos totalmente blues, da maneira mais triste que se pode ser. Nos arranjos de Rogério Duprat e Chiquinho de Moraes, dão riqueza e diversidade. E nessa onda muitas vezes a percussão fala mais alto que a guitarra e as letras falam mais alto que a música. Muito bom!
Começa com “De Noite Na Cama”, que seduz pela bagunça, pelo tom festivo e pela graça que Erasmo imprime à música – colocou berimbau, surdo, chamou a Narinha e até a Dedé! Malandraço, ele transforma a música num soul-samba-rock delicioso! Cheia de malícia, na melhor linha da pilantragem e que chega a ser mais suingada que a do próprio Simonal, o que, convenhamos, não é uma tarefa das mais fáceis. Sem falar que a letra é um baita convite…
“É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo” tem a melhor vibe Roberto-Erasmo. Um deslumbre - a música, a letra, a voz, a viagem, a amizade, e também o inconformismo, a contestação:
“Mas estou envergonhado

Com as coisas que eu vi.

Mas não vou ficar calado

No conforto acomodado,

Como tantos por ai.

Descansar não adianta.

Quando a gente se levanta,

Tanta coisa aconteceu.

É preciso dar um jeito meu amigo”.
Clama ele, convocando todo mundo. A liga rock-blues é escandalosa e me desculpe, aqui você não tem outra alternativa a não ser se tornar um escravo voluntário dessa trip.
Muito boa também é “Dois Animais na Selva da Rua” – rockão! – Tem aí uma vontade de reinventar, começar do zero, numa espécie de instinto misturado com sonho, completamente na onda on the road, hippie mesmo. E a música é gostosa , contagiante e te carrega longe…
“Eu vou fazer de você

A ponte erguida pro outro lado da vida.

Eu vou fazer de você

Clareira aberta na selva suja da rua.

Eu não nasci pra viver mentindo,

Sorrir em troca e morrer fugindo.

Por isso somos iguais,

Nós somos dois animais que se aninham, que se amigam...”
E tome mais contestação. Amigar, casar sem a benção da igreja ou autorização do Estado, pecadores ilegais. E daí?, perguntava ele, se na essência somos puro instinto.
E o disco vai rolando, e Carlos, Erasmo vai crescendo, tomando conta dos quatro cantos da casa. E agora tô na curtição do “Mundo Deserto”. Arraso gritado, visceral.
O disco tem potência, tem vigor, tem tesão.
Presente de 2010!

[Marcelo, LUIZ e Melloni, ANDRÉA]

13 comentários:

  1. viva erasmo!
    [ANDRÉA]

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  2. Parabéns pela parceria...Ficou fantástico, é muito difícil saber quem escreveu o quê... Ficou unificado, já me apaixonei pelo post... [M]

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  3. Pra quem quiser conhecer o disco, que ta fora de catalogo ha decadas, segue o link...
    http://www.4shared.com/file/eP0TX5wy/Carlos_Erasmo.html

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  4. Que bom que vc gostou, ja q foi quem encomendou. Foi muito legal fazer. Misturamos legal!
    Abs, LM

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  5. gostei do Marcelo, LUIZ e Melloni, ANDRÉA!
    [ANDRÉA]

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  6. Eu tenho uma outra interpretação pra esse título, nada acadêmica por sinal. É tipo avisando,

    CARLOS,

    mas

    ERASMO...

    [M]

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  7. eu não tinha pensado muito nessa coisa do título, mas de cara achei essa vírgula um charme.
    gostei da interpretação do mateus! é bem sacada, é a cara do disco! é meio avisa lá que eu tô chegando.
    [ANDRÉA]

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  8. Me sugere algo autoral.
    E também pra diferenciar de seu parceiro: Carlos, mas não o Roberto.
    Não confundam.

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  9. Ta na mao, Marcia:
    http://sacundinbenblog.blogspot.co.uk/2007/09/erasmo-carlos-carlos-erasmo.html

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  10. Esse disco tem no youtube.Muito bom!tem uma atmosfera toda de uma época

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  11. Ouvi (de novo) esse vinil lá em Matilde, nas montanhas capixabas.
    Esse disco é demais. Você vai ouvindo e, por muitas vezes, você se pega assustado, toda vez que a atenção vai pra outro caminho, com todas as cores que aparecem.
    Um obra prima de um gênio.
    Erasmo é o cara.

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