quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Rio Abaixo, Paulo Freire (1995)


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Não costumo ouvir música instrumental. É uma falta-de-hábito-quase-um-vício em ouvir a voz humana e o som das palavras (qualquer que seja a língua!) junto com a música. As exceções que me curam de vez quando se contam nos dedos. Miles Davis e sua música cheia de melodias belas e imediatas, Ravi Shankar e sua música além da percepção...

Mas tem uma exceção especial, e é este Paulo Freire tocando sua viola brasileira rio abaixo. O violeiro saiu em busca do som do Grande Sertão Veredas, se aventurou pelo norte de Minas, foi parar na beirada do rio Urucuia num lugar chamado Porto de Manga. Aprendeu com seu Manelim os toques de viola com nomes de sapo, lagartixa e inhuma. Outro violeiro, seu Zé Costa, habitante do Jacu levou Paulo pela Folia de Reis noites do sertão adentro.

E a música de Paulo Freire segue rio abaixo. “Vai ouvindo”. Acompanhado de Swami Jr. no violão de 7 e de Adriano Busko que toca percussão variada e alguns convidados especiais (Mario Manga, sim, ele!, o do Premê, toca violoncelo na faixa mais bela do disco além de co-produzir o trabalho). Os títulos das músicas remetem direto sem escala para o sertão, o grande: Mosquitão, Seca, Inhuma da Taboca, Fumacinha da Manga, Suíte da Lagartixa entre tantos outros. Em geral, composições do próprio Paulo Freire, algumas poucas parcerias com Seu Manelim, outra com o Swami. Aqui e ali uma composição de Tavinho Moura e um tratamento violado para Seguidilla de Bizet.

E a descida do rio na viola de Paulo Freire é extremamente honesta consigo mesmo. E a gente agradece. São-paulino e morador do Guará, o rio de Paulo Freire segue seu curso e encontra a cidade com as angústias e prazeres que ali afloram. A percussão de Busko, hora é a roça mesmo, moda e viola total, hora é surda e suave como se acompanhasse um raga indiano, ou ainda flamenca em Bizet. Outros elementos sutilmente dão um toque pessoal. Um pedal de eco ligado na viola em Chianti e nos Lundus do Urucuia (esta, na verdade é a única canção no disco). O violoncelo que o Manga toca em Seca dá a atmosfera perfeita a esta bela música. Você vai ouvindo e fica até com sede! Wandi Doratiotto lê com maestria a Receita de Pacto que fecha o disco.

Mas a estrela aqui é a viola de Paulo Freire. Música instrumental como se não fosse porque o instrumento canta. “Vai ouvindo...

[M]

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