sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Caetano Veloso - Transa



Tem discos que são citados pela qualidade de suas músicas, outros por marcarem época e outros ainda por trazerem consigo lembranças muito marcantes. Uns poucos conseguem unir tudo isso, e para mim, o disco Transa, de Caetano Veloso, encontra-se nessa categoria.

Embora gravado em 71 em Londres (lançado em 72), confesso que me recordo dele no verão entre93/94, quando foi uma espécie de trilha sonora durante uma viagem ao sul da Bahia com grandes amigos. Recordo-me com imensa satisfação da chegada das noitadas naquela casa e das horas que passávamos madrugada adentro ao lado de um modesto aparelho de som degustando cada trecho das músicas como se fosse um gole da última cerveja gelada. Inebriávamo-nos com esse disco, procurando fazer a mesma viagem entre Londres e Bahia que Caetano tinha feito 21 anos antes. Chegávamos a parar e voltar as mesmas canções uma, duas, três...várias vezes, com receio de que algo, alguma mensagem, algum som, algum sentido passasse desapercebido por nós. Foram momentos memoráveis... e fico feliz em constatar que isso ocorreu com um disco desse calibre.

Gravado em seus últimos dias de exílio em Londres, o título soa como uma provocação sutil ao regime militar brasileiro, que segundo consta, tinha sugerido que ele gravasse algo enaltecendo a transamazônica, o “cartão postal” dos militares naquela época. Caetano simplesmente retirou a “amazônica” da referência.
Em apenas sete canções (três das quais com mais de 6 minutos, uma ousadia na época), das quais cinco de autoria própria, Caetano transita entre o inglês e o português para nos levar para o clima nostálgico que estava vivenciando pessoalmente, com a perspectiva de retorno ao Brasil naqueles anos de chumbo após três anos de exílio voluntário.

No auge de sua inspiração, Caetano foi vitorioso na sua empreitada de transmitir pelos sons e palavras aquele contexto. O inglês predominante na maioria de suas canções é quebrado de forma ao mesmo tempo suave e repentina com belos versos em português de forte influência de Caymmi (pelo menos sob a minha ótica), como em “You don’t know me” ou “It’s a long way”: A água com areia brinca na beira do mar... A água passa e a areia fica no lugar.

Impossível não se emocionar até mesmo com os trechos repetidos e acelerados de canções como “Neolithic Man”, “It’s a long way” ou ainda em “Mora na Filosofia”.

As canções em português também merecem destaque especial. “Triste Bahia” é um poema de Gregório de Matos musicado por Caetano que tem um resultado belíssimo, a começar com o som do berimbau, que para mim transmite fielmente a alma daquele momento: Triste Bahia, oh, quão dessemelhante…Estás e estou do nosso antigo estado...Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado...Rico te vejo eu, já tu a mim abundante.

Pra que rimar...amor e dor...Por fim (sem que seja a última do disco), Caetano resgata um velho samba de Monsueto Menezes, transformando-o em outra belíssima versão com um arranjo totalmente diferente e novamente enriquecida de nostalgia (não por acaso, nome da canção que encerra o disco, com letra em inglês novamente).

Enfim, optei por não descrever cada música já que não encontraria palavras para descrevê-las  da forma como merecem. O que recomendo é simplesmente repetir a experiência do verão de 93/94: peguem esse disco, escutem e simplesmente entrem no clima. Talvez assim a rima de amor e dor passe a fazer outro sentido.

Obs: menção especial a todos os amigos que participaram daquela viagem no verão de 93/94, como Léo Baiano (que levou o acervo do Caetano para aquela viagem), Digão, Zedu, Valdemar e Luiz Marcelo Baiano (que organizou a viagem), entre outros. 
[Paul]

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