Tem discos que são citados pela qualidade de suas músicas,
outros por marcarem época e outros ainda por trazerem consigo lembranças muito
marcantes. Uns poucos conseguem unir tudo isso, e para mim, o disco Transa,
de Caetano Veloso, encontra-se nessa categoria.
Embora gravado em 71 em Londres (lançado em 72), confesso
que me recordo dele no verão entre93/94, quando foi uma espécie de trilha
sonora durante uma viagem ao sul da Bahia com grandes amigos. Recordo-me com imensa
satisfação da chegada das noitadas naquela casa e das horas que passávamos
madrugada adentro ao lado de um modesto aparelho de som degustando cada trecho das
músicas como se fosse um gole da última cerveja gelada. Inebriávamo-nos com esse
disco, procurando fazer a mesma viagem entre Londres e Bahia que Caetano tinha
feito 21 anos antes. Chegávamos a parar e voltar as mesmas canções uma, duas,
três...várias vezes, com receio de que algo, alguma mensagem, algum som, algum
sentido passasse desapercebido por nós. Foram momentos memoráveis... e fico
feliz em constatar que isso ocorreu com um disco desse calibre.
Gravado em seus últimos dias de exílio em Londres, o título soa
como uma provocação sutil ao regime militar brasileiro, que segundo consta,
tinha sugerido que ele gravasse algo enaltecendo a transamazônica, o “cartão
postal” dos militares naquela época. Caetano simplesmente retirou a “amazônica”
da referência.
Em apenas sete canções (três das quais com mais de 6
minutos, uma ousadia na época), das quais cinco de autoria própria, Caetano
transita entre o inglês e o português para nos levar para o clima nostálgico que
estava vivenciando pessoalmente, com a perspectiva de retorno ao Brasil
naqueles anos de chumbo após três anos de exílio voluntário.
No auge de sua inspiração, Caetano foi vitorioso na sua
empreitada de transmitir pelos sons e palavras aquele contexto. O inglês
predominante na maioria de suas canções é quebrado de forma ao mesmo tempo suave
e repentina com belos versos em português de forte influência de Caymmi (pelo
menos sob a minha ótica), como em “You don’t know me” ou “It’s a long way”: A água com areia brinca na beira do mar... A
água passa e a areia fica no lugar.
Impossível não se emocionar até mesmo com os trechos
repetidos e acelerados de canções como “Neolithic
Man”, “It’s a long way” ou ainda em “Mora na Filosofia”.
As canções em português também merecem destaque especial. “Triste
Bahia” é um poema de Gregório de Matos musicado por Caetano que tem um resultado belíssimo, a começar com o som do berimbau, que para mim transmite fielmente a alma daquele momento: Triste Bahia, oh, quão
dessemelhante…Estás e estou do nosso antigo estado...Pobre te
vejo a ti, tu a mim empenhado...Rico te vejo eu, já tu a mim abundante.
Pra que rimar...amor e
dor...Por fim (sem que seja a última do disco), Caetano resgata um velho
samba de Monsueto Menezes, transformando-o em outra belíssima versão com um
arranjo totalmente diferente e novamente enriquecida de nostalgia (não por
acaso, nome da canção que encerra o disco, com letra em inglês novamente).
Enfim, optei por não descrever cada música já que não
encontraria palavras para descrevê-las
da forma como merecem. O que recomendo é simplesmente repetir a experiência
do verão de 93/94: peguem esse disco, escutem e simplesmente entrem no clima.
Talvez assim a rima de amor e dor passe a fazer outro sentido.
Obs: menção especial a todos os amigos que participaram daquela viagem no verão de 93/94, como Léo Baiano (que levou o acervo do Caetano para aquela viagem), Digão, Zedu, Valdemar e Luiz Marcelo Baiano (que organizou a viagem), entre outros.
[Paul]
Inesquecivel reveillon em arraial dajuda!
ResponderExcluirQue belo texto! Adoro o disco também.
ResponderExcluirÓtimo disco, ótimo texto. Obrigado!
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