domingo, 26 de outubro de 2008

Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus (Da Lama a Caos - CSNZ - 1994)



Em 1994 o cenário musical brasileiro não era dos mais favoráveis. Com a MPB envelhecida e um rock nacional sem novidades, o espaço na mídia era dividido entre famigeradas duplas sertanejas, axés e lambadas.

Foi quando escutei pela primeira vez “A Praieira”, do então desconhecido para mim Chico Science & Nação Zumbi - CSNZ. Dividia uma chácara com alguns amigos e um deles chegou com a novidade. Uma sonoridade diferente, criativa, que misturava rock, hip-hop e outros estilos com a batida forte do maracatu. “A Praieira” evocava o movimento revolucionário que eclodiu em Pernambuco no século XIX sem abrir mão da cerveja antes do almoço para ficar pensando melhor. Aquele som me marcou tanto que até hoje lembro onde e com quem estava na hora que escutei a música pela primeira vez.

Pouco tempo depois, fui escutar o disco inteiro (vinil) e a surpresa foi maior ainda. Estava sendo formalmente apresentado ao manguebit (ou manguebeat, como queiram). Fez-se a luz e corri para gravar uma fita K7 que guardo até hoje!

Da Lama ao Caos (nome do disco) começa com o manifesto Monólogo ao Pé do Ouvido:
Modernizar o passado é uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.


Em seguida, na mesma batida, emenda com “Bandidismo por uma questão de classe”. Olhando para suas raízes, CSNZ se apresentava como o mais novo pantera negra.

O disco segue com “Rios, Pontes e Overdrives”. O ambiente de Recife serve de inspiração para o ecletismo sonoro, mostrando ao mundo que o Brasil era muito mais do samba e futebol.
Mangue mangue mangue mangue mangue mangue manguee.

Em seguida, apresenta o boa noite do Jonas Francisco Vieira, conhecido como Velho Faceta, um criativo personagem urbano de Recife, tocador de viola e tirador de coco, para emendar com
a cidade não pára, a cidade só cresce
o de cima sobe, o debaixo desce.


Depois da já citada “A Praieira”convoca todos para celebrar com “Samba Makossa”.

Posso sair daqui pra me organizar, posso sair daqui pra desorganizar. “Da Lama ao Caos”, traz manguebit na veia, direto. Se existe genialidade em composições, certamente essa é uma. Uma das minhas músicas prediletas (não do disco, mas de todas). Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.!!

‘Urubuservando’ a situação, a violência urbana também serve de inspiração com “Maracatu de Tiro Certeiro”.
O Sol é de aço, a bala escaldante
Tem gente que é como barro
Que ao toque de uma se quebra
Outros não!


“Salustiano Song”, a primeira instrumental, serve para marcar bem a levada manguebit.
Depois, Recife, cidade do mangue, incrustada na lama dos manguezais
volta a ser fonte de inspiração com “Antene-se”. Foi uma espécie de resposta ao título de 4ª pior cidade do mundo adquirido pela capital pernambucana naquela época.
Procure antenar boas vibrações
Procure antenar boa diversão
Sou,Sou,Sou,Sou,Sou Mangueboy

Som na caixa com Risoflora, pedais nas guitarras, batidas aceleradas de um coração, mostrando que o amor também tem vez no manguebit.
Eu sou um caranguejo e estou de andada
Só por sua causa, só por você, só por você
E quando estou contigo eu quero gostar
E quando estou um pouco mais junto eu quero te amar... oh Risoflora, não me deixe só
Linda canção.. e forte!

Manguebit é metal também com “Lixo do Mangue”. Explosão de autoria de Fred Zero Quatro, do Mundo Livre S.A., outro grande expoente do movimento.

No final, Computadores fazem(ndo) arte... artistas fazem(ndo) dinheiro, de Lúcio Maia, parece profética em período pré-internet, para depois fechar com a levada eletrônica de "Coco Dub". Imprevisibilidade de comportamento,
o leito não-linear segue
Pra dentro do universo
Música quantica?

Infelizmente, antes do carnaval de 1997, um acidente de carro privou-nos precocemente de sua magia. Mas deixou-nos o manguebit como importantíssimo legado. Não é a toa que, em Recife, Chico Science tornou-se um mito, com rosto estampado em camisetas, frases em cartões e idolatrado como Bob Marley.

E para mim, pessoalmente, traz a lembrança de um período marcante da minha vida, regado com cervejas antes do almoço enquanto nos antenávamos.

[Paul]

Set list do disco, que pode ser acessado no link
http://rapidshare.com/files/11081362/1994_-_Da_Lama_Ao_Caos.rar.html

1. "Monólogo ao Pé do Ouvido / Banditismo por Uma Questão de Classe" (Chico Science)
2. "Rios, Pontes & Overdrives" (Chico Science, Fred Zero Quatro)
3. "A Cidade/Boa Noite do Velho Faceta" (Chico Science)
4. "A Praieira" (Chico Science)
5. "Samba Makossa" (Chico Science)
6. "Da Lama ao Caos" (Chico Science)
7. "Maracatu de Tiro Certeiro" (Jorge du Peixe, Chico Science)
8. "Salustiano Song" (Lúcio Maia, Chico Science)
9. "Antene-se" (Chico Science)
10. "Risoflora" (Chico Science)
11. "Lixo do Mangue" (Fred Zero Quatro)
12. "Computadores Fazem Arte" (Lúcio Maia)
13. "Coco Dub (Afrociberdelia)" (Chico Science)

Um comentário:

  1. "uma cerveja antes do almoço é muito pra ficar pensando melhor".
    é a tua cara mesmo!
    lembro de você paul, cantando isso na cantina do IFCH, antes da gente encarar o bandejão!
    tempos divertidos aqueles! [ANDRÉA]

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