
Lançado em 1973, após quinze dias de gravação, o álbum de estréia dos Secos e Molhados incorpora a músicalidade da MPB da época e à ela adiciona toques de rock, folk music, baião, fado, entre outros - uma autêntica salada sonora, que acaba dando certo (e como!). O compositor principal das canções do disco foi João Ricardo e há uma versão musicada de "Rosa de Hiroshima", de Vinícius de Moraes.
Três músicas, porém, se destacam das demais. A primeira é "Sangue Latino", que abre o disco. Balada de peso, é conduzida por violões sobrepostos e por uma linha de baixo pulsante. Logo a seguir aparece "O Vira", o maior sucesso comercial do grupo. Canção mais tocada no país em 1973, é uma espécie de sátira da música portuguesa.
A oitava faixa é a melhor de todas, em minha opinião. Com apenas 57 segundos de duração (sim, menos de um minuto), "El Rey" é das mais belas canções de protesto já compostas. Simples, apenas violão, um toque de flauta e voz. Precisa mais?
"Eu vi El Rey andar de quatro
de quatro caras diferentes.
E quatrocentas celas cheias de gente.
Eu vi El Rey andar de quatro,
de quatro patas reluzentes.
E quatrocentas mortes...
Eu vi El Rey andar de quatro,
de quatro poses atraentes.
E quatrocentas velas
feitas duendes"
A música era um claro recado para os militares. No auge da ditadura, em pleno governo Médici, era preciso muita coragem para se criticar abertamente o regime. Os Secos e Molhados tiveram essa coragem.
Por último, a capa do disco é antológica. A foto de uma mesa, com as cabeças dos quatro integrantes do conjunto "servidas" em meio a garrafas de vinho, pães, cebolas e grãos - produtos de venda de secos e molhados.
Uma obra de arte. Um trabalho fundamental.
(André Xampu)