domingo, 30 de julho de 2017

Francisco, el hombre - Soltasbruxa



Nesse ano realizei um velho desejo de conhecer o Psicodália, um festival de música independente que ocorre durante o carnaval em uma fazenda em Rio Negrinho (SC). No meio daquele ambiente de paz, amor, respeito mútuo e diversidade, um grupo até então desconhecido para mim, se destacou não apenas com suas músicas, mas também pela energia no palco e total empatia com o espírito reinante no Festival: Francisco, el hombre.
Formado pelos irmãos mexicanos-brasileiros Sebastian Piracés-Ugarte (bateria e voz) e Mateo Piracés-Ugarte (violão e voz), Juliana Strassacapa (vocal e percussão), Rafael Gomes (baixo) e Andrei Kozyreff (guitarra), Francisco, el hombre se formou quando esses amigos decidiram botar o pé na estrada e saíram para “viajar e tocar, tocar e viajar. E assim passaram um bom tempo, tocando em todo tipo de lugar, de praça a hostel, de bar a restaurante, passando o chapéu em troca de um prato de comida, de uma noite de hospedagem, de duas noites de hospedagem e, quando tinham muita sorte, três noites de hospedagem” [1].
Com a vivência que adquiriram nessa viagem, quando voltaram gravaram um disco com novas músicas. E foi assim que nasceu Soltasbruxa. Mesmo em época de streaming, fiz questão de comprar o disco em um dos show (acho legal manter esse hábito, principalmente com bandas novas). E definitivamente esse disco faz por merecer (e muito) entrar nesse blog.
Vejo que a chuva de fogo está por cair;
E ela vai cair
Cai;
Leva tudo que é vil pra bem longe daqui
Quebra essa porta, corta essa corda e fuja daqui
Isso é real (isso é real)                                                                   

O disco abre com a canção que dá nome ao disco: “SoltasBruxa”, que funciona muito bem como um cartão de visita para o que vem em seguida: “Calor da Rua”, uma música forte e que está entre as minhas prediletas. Com uma letra contundente em relação à violência contra a mulher (ou até mesmo contra a sociedade), tem um clipe muito bem produzido: https://www.youtube.com/watch?v=uFQ4WqcItJc. Em uma entrevista, Gomes (o baixista da banda) ressaltou o tom premonitório, já que foi composta antes do país virar essa grande zona no meio do calor.  
“Bolsonada” é uma espécie de grito contra aquele sujeito que nem vale a pena citar o nome. Como disse Sebástian em uma gravação, uma música “dedicada a todos os peixes grandes que nós, peixes pequeno juntos, podemos engolir”. Trata-se da melhor resposta ao fascismo que esse cara representa e, como cereja do bolo, conta ainda com a participação maravilhosa da Liniker.
(...)El frio que se vá y llega la primavera

Depois de jogar purpurina em cima daquele cara escroto em “Bolsonada”, nada melhor do que identificar que nesse furacão há muito mais além do que se pode ver. “Primavera”, pelo menos na minha leitura pessoal, aborda bem o espírito de integração latino-americana que eles carregam, com uma letra de esperança cantada partes em português, partes em espanhol. O clipe, lançado recentemente, é outra obra-prima gravada em Cuba: https://www.youtube.com/watch?v=uFQ4WqcItJc

“Não Vou Descansar” é música sem instrumentos (vocais e palmas) que traz consigo a veia política e cultural. Nos shows, costumam terminar essa canção trocando a parte final - não vou descansar, canto e sempre vou cantar - por - não vou descansar até o Temer derrubar. Que assim seja.

“Triste Louca ou Má” é um capítulo à parte. Trata-se de uma canção belíssima sobre empoderamento feminino (para resumir, já que muito mais poderia ser dito sobre a letra) na qual se destaca a voz maravilhosa da Juliana Strassacapa. O clipe dessa canção também merece ser apreciado: gravado com um balé cubano em uma casa antiga  (https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE). O disco Soltasbruxa é dedicado à memória da Bárbara Rosa, backing vocal da banda da Liniker, que deveria estar presente nessa gravação (e de certa forma está, como eles ressaltam no encarte).
“Tá com Dólar, tá com Deus” vem em ritmo de carnaval. Com uma letra bem humorada, trata-se de uma música perfeita para cantar em blocos. 
Somos humanos ou máquinas
Animais ou máquinas
Somos humanos ou máquinas
Não me enferruja a chuvaiaiá

“Como una Flor” é outro destaque bilingue (espanhol e português) que termina com a perfeita sobreposição de vozes do coro com a da Juliana Strassacapa. Escutem!
“Sincero”, a música seguinte, é a minha preferida HOJE (amanhã pode ser outra). A letra é mais densa, pesada, e que na versão original do disco nos que remete a ritmo latino. Como essa versão não combina com o ritmo alucinante que imprimem a seus shows, eles gravaram ao ivo mais recentemente de forma muito mais acelerada. Assistam essa versão: https://www.youtube.com/watch?v=ES34TrMLTtU

Depois da micromúsica “Lobolobolobo” (com mensagem que cai muito bem nos dias de hoje), vem as duas últimas, “Axê e Auê sem Fuzuê” e “Muro em Branco”, que encerram o disco.

A sensação que tive em relação a esse disco (e ao grupo como um todo) não tinha desde que descobri Chico Science: um trabalho original, autêntico, que foge de rótulos e que cria sua própria linguagem, sempre em prol de uma integração cultural da América Latina. Além do disco, recomendo também presenciar ao vivo a performance dessa galera. Não é à toa que nesses últimos meses já fui em quatro shows e uma jam no hostel quando estiveram aqui em Curitiba há poucos dias. Ocasião em que tocaram de improviso com a banda uruguaia Cuatro Pesos de Propina e que me proporcionou a oportunidade de conversar brevemente com alguns deles (e pegar autógrafo, claro).
Show da turnê Rompe Fronteiras, na última sexta-feira em Curitiba 
E tive a confirmação de mais um detalhe pessoal interessante para mim: eles moraram um tempo em Barão Geraldo, distrito de Campinas (SP), onde eu também vivi durante minha adolescência e juventude. E foi lá, no Bar do Zé, que Sebastian se apresentou pela primeira vez ao vivo tocando bateria quando tinha 14 anos.  De agora em diante, sempre que passar por lá quando estiver visitando meu pai, além das minhas memórias, lembrarei que a energia daquele lugar serviu também de inspiração para um grande grupo.
Enfim, trata-se de um som para lavar a alma, ou, melhor dizendo, para soltar as bruxas.
Paul

Nota [1] Informações obtidas em entrevista no Audio Arena, através da fala do Sebástian (https://youtu.be/Yo7rn9iGaSE)

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