sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Secos e Molhados - Secos e Molhados (1973)




Uma das mais importantes bandas brasileiras dos anos setenta, os Secos e Molhados influenciam a cena local até hoje. A formação clássica do conjunto - que incluía Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad - explorou ao máximo alguns efeitos cênicos até então inéditos no Brasil, como maquiagens e figurino ousado. Nota-se, assim, uma grande sintonia dos Secos e Molhados com o cenário artístico internacional, que vivia a efervescência do glam-glitter rock (David Bowie, Alice Cooper, Kiss).


O primeiro disco, aqui resenhado, é o que se pode chamar de "clássico absoluto".

Lançado em 1973, após quinze dias de gravação, o álbum de estréia dos Secos e Molhados incorpora a músicalidade da MPB da época e à ela adiciona toques de rock, folk music, baião, fado, entre outros - uma autêntica salada sonora, que acaba dando certo (e como!). O compositor principal das canções do disco foi João Ricardo e há uma versão musicada de "Rosa de Hiroshima", de Vinícius de Moraes.

Três músicas, porém, se destacam das demais. A primeira é "Sangue Latino", que abre o disco. Balada de peso, é conduzida por violões sobrepostos e por uma linha de baixo pulsante. Logo a seguir aparece "O Vira", o maior sucesso comercial do grupo. Canção mais tocada no país em 1973, é uma espécie de sátira da música portuguesa.

A oitava faixa é a melhor de todas, em minha opinião. Com apenas 57 segundos de duração (sim, menos de um minuto), "El Rey" é das mais belas canções de protesto já compostas. Simples, apenas violão, um toque de flauta e voz. Precisa mais?

"Eu vi El Rey andar de quatro
de quatro caras diferentes.
E quatrocentas celas cheias de gente.
Eu vi El Rey andar de quatro,
de quatro patas reluzentes.
E quatrocentas mortes...

Eu vi El Rey andar de quatro,
de quatro poses atraentes.
E quatrocentas velas
feitas duendes"

A música era um claro recado para os militares. No auge da ditadura, em pleno governo Médici, era preciso muita coragem para se criticar abertamente o regime. Os Secos e Molhados tiveram essa coragem.

Por último, a capa do disco é antológica. A foto de uma mesa, com as cabeças dos quatro integrantes do conjunto "servidas" em meio a garrafas de vinho, pães, cebolas e grãos - produtos de venda de secos e molhados.

Uma obra de arte. Um trabalho fundamental.

(André Xampu)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Atrás do Porto tem uma Cidade – Rita Lee & Tutti-Frutti(1974)

Ainda que, oficialmente, este não seja o primeiro disco “solo” da Rita Lee, é o primeiro sem os Mutantes. Se dúvidas pairavam sobre o futuro da cantora/compositora sem os irmãos Dias Baptista, começaram a ser totalmente desfeitas aqui. Os Mutantes faziam parte do passado e Rita reuniu uma nova banda, o Tutti-Frutti. A Sérgio Luiz Carlini na guitarra, Lee Marcucci no baixo e batera Mamão, Rita, que se ocupou dos teclados neste disco (algo impensável nos seus tempos de Mutantes...), juntou a cilibrina do Éden, a guitarrista Lúcia Turnbull.

A sonoridade da banda é bastante diferente dos Mutantes, mostrando sim que a loira trilhava um novo rumo e bastante independente, inclusive assinando como única compositora várias das faixas. A tecladeira marca o disco, e a instrumentação usada (moderníssima na época) incluía moog, melotron e piano. As duas guitarras convivem muito bem e dão uma sonoridade um pouco mais stoniana do que se ouvia, por exemplo, nos Mutantes. E o baterista Mamão tem um estilo um pouco mais agressivo que Dinho, o que deixa o som do TF um pouco mais pesado.

Adicione-se a tudo isso, o fato de que, em 1974, o rock progressivo e outras substâncias faziam a cabeça roqueira nas terras tupiniquins... Basta uma olhadela rápida na capa que parece uma caricatura de Roger Dean (que fazia as capas do Yes).

Ah! Sim! As músicas... Rita ainda não tinha uma impecável coleção de composições como o que viria aparecer no disco seguinte, o perfeito Fruto Proibido, mas algumas pérolas estão aqui. Mamãe Natureza é talvez a maior e mais preciosa delas. O trabalho de banda é impecável, mas independente disso a música é excelente... Rockn’roll pegajoso e simples com mudanças de andamento e um solinho de guitarra irresistível, melhor impossível. Como se não bastasse, o refrão estou no colo da mamãe natureza, ela toma conta da minha cabeça... é o estado de espírito de Rita e banda. Ando Jururu vai na mesma direção e é ainda mais explícita: quero encontrar pelo caminho um cogumelo de zebu, e descansar os meus olhos no pasto, descarregar esse mundo das costas... A música inicia com um riff de baixo num andamento rápido e frenético e desacelera depois de achar o tal cogumelo, enquanto descansamos os ouvidos no pasto...

Yo no creo em brujas, pero que las ay, las ay
... é outro ponto alto, com várias mudanças de andamento e um refrão irresistível, composição dividida entre Rita, Carlini e Marcucci, assim como Tratos à Bola. Menino Bonito é outra canção que ficou célebre, uma suave balada levada no piano, baixo e bateria acompanhados por orquestra que mostra o lado mais romântico de Rita Lee, que viria a ser muito peculiar nas suas composições, um romantismo mais malicioso e debochado, aqui parece um território recém-descoberto e que será melhor explorado adiante.

No restante do disco o destaque maior é a performance da banda do que as canções em si. Por exemplo, em Eclipse do Cometa, Carlini executa um slide havaiano impecável e em Círculo Vicioso a banda entra de cabeça no progressivo (de curta duração, graças a deus tiveram bom senso...) num andamento que passa do rock pesado ao jazz com muita naturalidade. Completam o disco De Pés no Chão, Pé de Meia, e ...Tem uma Cidade, faixa instrumental com uma sonoridade levemente sombria a la Sabbath Bloddy Sabbath.

Lamentavelmente os Mutantes pararam. Mas ainda bem que Rita Lee continuou. [MATEUS]

Os Grãos – Paralamas do Sucesso (1991)


Este é o primeiro disco de rock dos Paralamas, ainda que muito do som característico da banda ainda tenha lugar garantido. Depois de Cinema Mudo, O Passo do Lui (ver nos postos anteriores), Selvagem, Bora-Bora e Big Bang; onde predominavam ska, reggae e ritmos latinos, Os Grãos trazem os Paralamas mais roqueiros, (quase) sintonizados com o som grunge que dominava o hemisfério norte. Tribunal de Bar ainda traz resquícios dos trabalhos anteriores, apesar de alguns efeitos eletrônicos. O mesmo vale para a excelente Sábado, um skazão ainda carregado de sopros, mas que contém samples de Good Times Bad Times do Led Zeppelin e uma guitarra mais ardida que o de costume.

Tendo a Lua é uma das melhores baladas do Paralamas, a melancolia do Herbert (eu hoje joguei tanta coisa fora...) é muito bem acompanhada pela banda e ele parece ter encontrado o ponto certo de inserir comentários de guitarra que vão além da simples execução do ritmo. A faixa título, Os Grãos, é um pouco mais experimental, na linha da faixa que abre o disco e que viria a ser mais explorado no disco seguinte, O Rio Severino. Carro Velho que vem depois, é uma faixa que caberia muito bem em Big Bang e é a última música deste disco mais ao estilo dos anteriores.

Vai Valer
é uma música linda, uma balada acústica orquestrada de forma imponente que confere um crescente a música que faz lembrar o folk dos anos 60 (ou o Refavela do Gil), uma balada hippie, melancolicamente otimista.
Trac-Trac é a versão em português da música de Fito Paez (que aparece nos vocais) e foi a música de rádio do disco. Pop-rock irresistível num estilo que os Paralamas não gravavam desde Vital e sua Moto.

A minha favorita é a próxima. O Rouxinol e a Rosa abre com um riff inspirado por Keith Richards: sujo e malandro. A guitarra com a distorção no ponto certo executa uma frase simples e sincopada, mas a música que entra em seguida é uma surpresa, um r&b gostoso pra quem se deixou se enganar pelo riff de abertura. O solo também é inspirado nos stones dos 70, com jeitão de Mick Taylor (pelo jeito Stikcy Fingers andava fazendo a cabeça do Herbert nesta época).

A Outra Rota
é daquelas canções de amor tristes e arrependidas de Herbert Viana, tentando descobrir caminhos a seguir. Dainos segue com uma melancolia levemente psicodélica. As duas canções lembram que o disco é um tanto irregular, com ótimas canções e outras nem tanto. Ah, Maria! recupera o fôlego das boas canções do disco e mostra o lado mais pop e inspirado da banda. Não Adianta traz um pouco das baladas mais antigas do Paralamas (como Caleidoscópio) mas com uma produção mais bem resolvida. E o disco termina com a quase-bossa Trinta Anos, lembrando que o tempo passa, eu já não uso óculos e até mesmo o rock pode ser bom quando maduro. [MATEUS]

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Isso é Amor - Ira! (1999)









Houve uma época em que as bandas pop nacionais da década de 80 resolveram, quase todas, lançar discos de homenagens às suas influências. Assim foi com Barão Vermelho, Titãs, Kid Abelha... Se foi um movimento coordenado ou se foi apenas sinal de cansaço na virada nunca saberemos. De qualquer forma, alguns desses momentos foram deliciosos.




O disco do Ira! De ’99 vai nessa linha mas com uma pequena diferença: a seleção privilegia os temas de amor, talvez assumindo que, nessa praia, era melhor a banda dar voz a outros compositores do que se fiar na poesia excessivamente crua de Edgar Scandurra. O som típico do Ira! Inicia o disco com Bebendo Vinho de Wander Wildner (ex-Replicantes, ver um dos posts anteriores) e Teorema, da Legião Urbana.




Mas os melhores momentos do disco ficam exatamente por conta dos momentos menos típicos. E o primeiro destes momentos vem com Telefone, música da década de 80 na voz de Gang 90 e as Absurdetes. Aqui a versão é executada com um wah-wah suave do Scandurra e a voz aveludadamente deliciosa da Fernanda Takai (ó! Meu amô-or, isso é amor...) que divide o refrão com Nasi e que acabou sugerindo o nome do disco. O Ira! Volta irado em Chorando no Campo, do Lobão, passando em seguida para uma balada acústica do Dalto (é, aquele sujeito mesmo, o ‘muito estranho’...), Flash-Back cuja melodia do refrão é muito bonita.




Samuel Rosa é o convidado certo para acompanhar a banda em Um Girassol da Cor de Seu Cabelo, clássico do super disco Clube de Esquina (essa resenha é minha, ok?). Essa música de Lô e Marcio Borges é mais um dos pontos altos do disco. A versão ficou mais balada, na levada da bateria mais pop e com um guitarra limpa do Scandurra que é sen-sa-ci-o-nal... A mudança de andamento que marca a música no final aqui é mais suave que no original também é executada aqui, mas a ênfase é o som de banda do Ira (ainda que com a sutil presença de teclado).




Mudança de Comportamento e Abraços e Brigas são as duas músicas de autoria do Scandurra que fazem parte da seleção. O que me Importa não é das minhas favoritas, mas ficou muito melhor que a versão com Erasmo e Marisa Monte que andou tocando adoidado nas rádios uns tempos atrás, graças, mais uma vez ao wah-wah majestoso do Edgar. Essa música tem um solo de guitarra ao contrário a la Beatles-Hendrix, que ficou sensacional, outra cortesia do guitarrista.




Jorge Maravilha divide com as duas outras já citadas as atenções neste disco. O rockão suingado quase jorgebenniano ficou mais sensual e mais atemporal que o original. Enquanto que com o Chico cantando o recado ao general fica mais evidente, aqui, quando Nasi chega em




Ela gota do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócegas!...


Ela pega e me pisca, belisca, petisca, me arrisca e me enrosca


Fica muito mais claro que no original o quanto que sua filha gosta de mim, apesar de você não gostar...




Não poderia faltar uma do rei, que virou quase um cult no final da década e o Ira! Escolhe Sentado a Beira do Caminho que é executado de maneira tradicional. A Vida tem Dessas Coisas de Ritchie é a próxima e Bingo! ficou mais ácida, mais roquenrou... menos brega-pop anos 80, mais uma vez eles acertaram a mão nesta versão. E o disco poderia terminar, seria perfeito. Mas ainda sobram Alegria de Viver versão em português que o próprio Edgar canta, e Minha Gente Amiga de Ronnie Von, que ganhou uma versão ‘Santana’ na guitarra, ainda que entremeada sutilmente por ritmos eletrônicos. É uma canção despedida para um grande disco, de uma grande banda. [MATEUS]




No Paraíso... Céu (2004)


Que a música brasileira é cheia de grandes cantoras, belas vozes, elegantes, sensuais, e de muito bom gosto não é novidade. Mas quando uma nova cantora aparece com repertório novo, banda nova, cara nova, tudo novo, e de muito boa qualidade é sempre uma delícia. É o caso da Céu, que apareceu com este disco homônimo de 2004, onde a mistura da tradição, violão, cavaquinho, pandeiro e percussão típica do samba, com a modernidade de scratches e loops eletrônicos convive com tamanha suavidade que mal se percebe a inusitada mistura.


Em Lenda, Céu canta suavemente uma ameaça a príncipe encantado: num instante você vira sapo. É ela quem manda, e já avisa de saída. O choro Malemolência é executado com scratches acompanhando cavaquinho, e em Roda ela adverte caiu na roda ou acorda ou vai rodar... Lúcio Maia (ver posts anteriores, sobre o Futura da Nação Zumbi) é convidado para tocar guitarra nesta faixa. Rainha é minha música predileta, coincidentemente é a única que ela assina sozinha a composição. A música é levada por um baixo hipnótico que comanda o ritmo da seção percussiva e o naipe de metais. O refrão em forma de pergunta-resposta é um primor e na música toda, Céu contrapõe força e suavidade magistralmente.


10 Contados é um lamento acústico (na harmonia, porque o ritmo é recheado de loops eletrônicos) de saudade, bem-humorado e Céu faz voz e contracanto, ficou lindo! Segue Mais um Lamento, de saudade como o anterior, só que mais sóbrio. Neste “mais um lamento entre tantos já feitos”, Céu é mais mulher que a criança-adolescente do anterior. Concrete Jungle é um dos dois covers do disco, e ficou sensacional. Céu mais uma vez suaviza a Selva de Concreto e a ginga lenta do reggae fica mais suingada, mais abrasileirada aqui. Lúcio Maia, de novo, ajuda nas guitarras ao lado parceiro e produtor Beto Villares.


Véu da Noite é quase um jam session da banda já que o verso da música é mínimo. Uma concessão justa, já que a música ficou excelente, muito bem temperada na seção rítmica e com o balanço certo de guitarra, teclado e sopros. O chorinho Valsa pra Biu Roque vem em seguida, apresentando um formato mais tradicional só de voz, violão e bandolim. Ave Cruz é uma queixa, meu deus faça o favor de retornar o recado... o meu cabelo insiste em acordar despenteado. Até pra se queixar ela mantém o bom-humor. Essa aparentemente foi a música de rádio do disco, que apesar da roupagem eletrônica é um samba.


De João Bosco e Aldir Blanc vem O Ronco da Cuíca, que ficou excelente nesta roupagem moderna, mostrando que o caminho que seu som indica encaixa muito bem na tradição da MPB. O disco termina com o sambinha Bobagem e o delicioso Samba na Sola, um elogio ao povo brasileiro, antes de uma versão remix de Malemolência. A foto da capa ilustra o primeiro verso de Bobagem: minha beleza não é efêmera como o que eu vejo em bancas por aí... Só essa foto já vale o disco. [MATEUS]


terça-feira, 18 de novembro de 2008

O Futuro é Vórtex - Os Replicantes (1986)


Entramos na segunda metade da década de oitenta e o rock nacional (BRock, segundo alguns) já é um fenômeno de massas. Gravadoras e bandas ganham muito dinheiro. Blitz, Barão Vermelho, Kid Abelha, Ultraje a Rigor, RPM, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, todos têm grande espaço na mídia e dominam corações e mentes. Mas o que fazer se você e sua banda estão fora do eixo Rio-São Paulo, onde "tudo acontece"?

Simples. Mude-se para o eixo. Foi exatamente isso que fizeram quatro jovens gaúchos na virada de 1985 para 1986. Com um contrato recém-assinado com a RCA, Os Replicantes (Wander Wildner, Cláudio Heinz, Heron Heinz e Carlos Gerbase) instalam-se em São Paulo e gravam o seminal "O Futuro é Vórtex". Um disco fundamental, cru, uma aula de punk rock brasileiro.

Rápida explicação - o nome da banda é uma referência aos andróides do filme "Blade Runner" (1982), de Ridley Scott, no qual os replicantes do filme eram uma cópia fiel dos seres humanos, porém mais fortes e ágeis. O filme, por sua vez, baseou-se na obra "Do androids dream of eletric sheep?" (1968), de Phillip K. Dick.

"O Futuro é Vórtex" contém quatorze faixas. É nítida a influência de Sex Pistols, dos Ramones e da cena hardcore californiana. Rock cru, sem frescuras. Dentre as faixas, uma se destaca - um clássico na mais perfeita acepção da palavra. Uma música definitiva. O punk rock total - a canção que eu queria ter composto e gravado. Duvida? Então ouça. Sem preconceitos ou esnobismos, por favor.

Com cerca de três minutos e meio de duração, "Surfista Calhorda" tornou-se uma espécie de "hino punk nacional". Ela representa para o rock nacional o mesmo que "Anarchy in the UK", dos Pistols, para o rock mundial. No caso brazuca, foi a gênese de uma revolução que jamais aconteceu.

"Rack na caranga muito louca pra dar banda,
Cheque na carteira recheada de paranga,
Prancha importada assombrando a meninada,
Corpo de atleta e rosto de Baby Johnson.

É, mas quando entra na água.
É, na primeira braçada.
É, ele não vale uma naba.
Ele não surfa nada, ele não surfa nada!

Tem duas Surf Shops que só abrem meio dia,
Vive da herança milionária de uma tia,
Vai pra Nova Iorque estudar... advocacia!
Ah, Surfista Calhorda,
Vai surfar noutra borda"

Adolescente, muito adolescente, dizem os críticos (e até mesmo os não tão críticos assim). De fato, não há como discordar dessa constatação. Mas o rock´n´roll não passa disso, não? Energia adolescente feita para adolescentes de todas as idades. Dos 8 aos 80.

É isso. Long live rock´n´roll.

André Xampu, fã d´Os Replicantes

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Futura - Nação Zumbi (2005)


Uma das piores coisas que podem acontecer a uma banda é perder seu líder, seja cantor, guitarrista, compositor. Poucas conseguiram sobreviver ou se reinventar. Rapidamente cito Barão Vermelho e Rolling Stones (sim, o líder era Brian Jones, que era a principal cabeça da banda no seu início e que fez uma viagem sem volta), mas para quem tinha Jagger/Richards, era até covardia. Com o lançamento de Futura, a Nação Zumbi também pode ser incluída nesta lista.

Era difícil ver vida após a morte de Chico Science. Um dos idealizadores do movimento Mangue Beat, grupo de artistas recifenses, músicos, cineastas, agitadores culturais, que aplicavam o que havia de melhor da autofagia. De fato, a banda passou uns anos curtindo a dor, labendo a ferida, e tocando e gravando sempre, vivos acima de tudo.

Mas também, convenhamos, a tarefa também não foi assim tão complicada para uma banda que tem Lucio Maia, um dos guitarristas mais injustiçados do rock brasileiro. A crítica, que não se furta em endeusar “gênios” a todo momento, panelinha fácil, comprada ou na brodagem, devia reconhecer mais explicitamente o valor desse cara. Lucio Maia é o homem do riff certeiro, memorável, sempre criativo, surpreendente, ainda mais agora que está com mais liberdade para arriscar, com mais espaço para criar.

A percussão também ainda está lá, mas na falta do líder, foi obrigada a repensar seu papel. Antes base das músicas, porradão, passou a compor, incorporou novos instrumentos, dialoga melhor com a bateria e explora a música eletrônica sem medo de ser feliz. O vocal de Jorge Du Peixe lembra muito o de Chico Science e se houve perda de carisma no palco, fica um ar de familiaridade.

Sua herança indubitavelmente está lá, assim como as tradições nordestinas e a urbanidade recifense, mas de maneira mais sutil que antes. Como toda revolução, no início tudo era mais explícito, panfletário, escancarado. Agora eles sabem que isso não precisa mais ser dito, se reconstruíram e se tornaram uma banda que não nega nem um centímetro do que já foi, mas deixa claro que está olhando pra frente.

Há dois anos fui a um show da turnê do Futura, que no nome já denunciava o que pensava a banda, e fiquei hipnotizado desde o primeiro riff, meio stoniano, meio surf music, de Hoje, Amanhã e Depois. São os mesmos que abrem o disco e depois é uma viagem só: “Correndo atrás do amanhã e depois”; “Outro endereço desse mesmo lugar”; “Sempre daqui pro depois, já tenho o que quero pra chegar onde vou”; termina com Futura, e no meio tem Na Hora de Ir, Respirando, e Vai Buscar, todas indicando movimento, apontando pra frente. Mas tem também “Zumbi era Lampião, Lampião era Zumbi”, de Memorando, pra mostrar que eles não esquecem quem são, de onde vieram. Futura é o testemunho de uma banda que sabe quem é, o que quer e onde quer chegar.

Faixas:
1. "Hoje, Amanhã e Depois"
2. "Na Hora de Ir"
3. "Memorando"
4. "A Ilha"
5. "Respirando"
6. "Voyager"
7. "O Expresso da Elétrica Avenida"
8. "Nebulosa"
9. "Sem Preço"
10. "Vai Buscar"
11. "Pode Acreditar"
12. "Futura"

Luiz Marcelo, Baiano, Luma, LM