sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Rock'n'roll! (Cê - Caetano Veloso 2006)


Quem disse que o clássico tem que ser velho? Quem criou a diferença entre rock e mpb? Quem foi que disse que os melhores discos do Caetano são os mais antigos?
Bullshit.
Em 2006 Caê lançou esse petardo (termo sempre usado no rock, mas que merece aqui sua presença). Rock, mpb, excelentes composições, timbres surpreendentes, vozes e melodias marcantes, espaços e silêncios entre os sons. Um clássico quase instantâneo. Quase porque o disco merece várias audições antes de se apegar a ele.
Eu não tenho muito saudosismo. Gosto de discos mais recentes do Caetano, como Noites do norte, A foreign sound, Fina estampa, Circuladô. Até compro os cds...
Claro que também admiro muito o trabalho dos anos 70 (que claro que também têm clássicos do próprio a serem postados aqui), mas em geral os timbres, principalmente os de guitarra, são sofríveis. Que me desculpe o Genial Lenny. Nos anos 80, pós-Liminha produzindo o Gil e depois do BRock, os sons melhoraram muito. E o Caetano continuou a lançar excelentes discos.
Mas discordo, por exemplo, do disco de 1968, auto-entitulado, constar no livro '1001 discos pra ouvir antes de morrer' (que obviamente serve de inspiração para este blog que vos posta), juntamente com o Circuladô, que eu adoro.
Preferiria ver o Araçá azul, mais experimental que o citado, sem nenhuma composição top e com aqueles timbres horrendos de guitarra. Mas eu acho mais merecedor da citação.
Eu tenho uma viagem recorrente matinal, naquele estado sonâmbulo quase lisérgico ao despertar: eu ouço discos que não foram lançados, tipo Hendrix com Miles, Hermeto com Tom, Janis com Lennon, Gil com Jorge (ops, esse existe...). E às vezes eu ouço o ‘Araçá blues, agora com pro-tools’, com vozes de Carmen sobrepostas a loops de Timbalada, o silêncio de João mixado ao virtuosismo de Pepeu, vozes de Orlando Silva e Caymmi fundidas com a de Janis Joplin, um cd com 128 canais barrocamente trabalhados... Será que ainda ouvirei esse neofonismo? (Adoro essa palavra! Vale uma música).
Mas vamos ao disco: inicia com ‘outro’, com um riff básico e forte, como um bom rock tem que ser; traz ainda a excelente frase ‘feliz e mau como um pau duro’! Tem um solo de guitarra excelente e atípico nos discos do Caê.
Na seqüência muda o clima, ‘minhas lágrimas’ é cheia de espaços e silêncios, com uma guitarra presente e discreta. Bonita.
Aí vem o primeiro orgasmo (cedo demais?): ‘Rocks’, reta e poderosa, com solo ‘mete o dedo na guitarra’ com feedback e tudo. ‘Você foi mor rata comigo’ é um excelente grito inimigo. Será que o Caetano pagou royalties ao Zeca?
‘Deusa urbana’ pertence a linhagem de músicas inspiradas em fêmeas. Belo é ver o medo exposto, a mucosa roxa citada, uma guitarra com trêmolo e overdrive.
‘Waly Salomão’ é mais uma marca que os poetas (o homenageado e o cantor) deixaram pra nós, música tribal e boa.
‘Não me arrependo’ inicia com uma citação de ‘Walking on the wild side’ do Lou Reed e uma bateria que lembra a música anterior. Linda letra, sobre bons sentimentos em fins de relacionamentos (tema sempre inspirador). Há aqui, e em todo o disco talvez, uma tendência a interpretar a arte como auto-biográfica (Caetano vinha de uma separação). Acho irrelevante, além de inútil e desinteressante. Talvez seja trabalho pra seu biógrafo...
‘Musa híbrida’, dançante, com uma guitarrinha safada (não sei se há um wha-wha ou um auto-wha). Tem uma levada de bateria quase axé, uns falsetes quase gays, uma letra quase Carlinhos Brown. Mas afinal o que significa ‘cúprica’? Estou sem dicionário por aqui...
Mais um orgasmo: ‘Odeio’, rockão, guitarra obsessiva e insistente, riff primal. Mas a música muda, oscila, acalma. Tem alguns dos melhores versos do disco: ‘todas mucosas pra mim’, ‘forte e feliz feito um deus, feito um diabo’, ‘só eu, velho, sou feio e ninguém’, ‘veio e não veio quem eu desejaria se dependesse de mim’, ‘São Paulo em cheio nas luzes da Bahia / tudo de bom e ruim / era o fim, é o fim, mas o fim é demais também’. Uma guitarra esquizofrênica com filtro encerra com chave de Hendrix.
‘Homem’ diz o orgulho de sê-lo, e diz tudo e diz bem. Mas fica a inveja dos orgasmos múltiplos. Fazer o quê? Gozar? O que é o tema da música seguinte, ‘porquê?’. ‘Estar-se a vir’ seria algo como ‘estou gozando’ em Portugal. Vem acompanhada de um sotaque lusitano. Se eu fosse produtor teria limado essa.
‘Um sonho’ parece que traz Morelembaum de volta, mas é uma guitarra em stacatto, bela música.‘O herói’ é uma das minhas preferidas, tema épico, dinâmica, temática bandida, narrativa que se aproxima do rap, vozes em dissonância de microtons no fim. Encerra irritando. Rock’n’roll!!!!

4 comentários:

  1. Perfeito! Tambem sou fã desse disco. Realmente não dá pra entender a inclusão do primeiro dele nos 1001 internacional enquanto deixa tantos outros melhores de fora.

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  2. É gringo falando, os caras têm uma visão diferente e, em alguns, casos não entendem direito que estão ouvindo. E aí rolam essas falhas.

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  3. Se alguém postar o Araçá Azul, eu também paro de brincar.

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  4. O disco de 68 do Caetano é lindo.Essa do orgasmo com sotaque lusitano foi boa.

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