
Mestre do suingue fácil, de voz malandra, interpretação experta, forte, nordestina, daquele jeito pernambucano de tornar seu sotaque universal. É só ouvir esse seu único disco pra sacar o que eu tô falando. Tem suingue pra todo lado, bem na linha black brasileira, q se misturava com samba, funk, xaxado, MPB, soul, reggae, sem preconceitos.
Ele tem também aquela onda nordestina dos anos 1970 que veio com Fagner, Ednardo, Ze Ramalho, Alceu, aquelas misturas lisérgico-sertanejas, viajandonas, engajadas, surrealistas, Bob Dylan no sertão. Confesso que me empolguei tanto com o balanço que achava chata a parte lenta. Bobagem. Até porque, elas são metade do disco. É que o ritmo é tão gostoso que toma conta.
É questão de humor. Questão apenas de separar lado A e B, coisa q aliás ele num faz, mas deveria. Porque tem uma sequência dançante matadora que deveria estar definitivamente junta, pra galera poder tocar em festa sem preocupação de mudar a música. Ainda mais nos tempos dos LPs. E até faria mais justiça à parte MPB que acaba passando despercebida.
Mas ao que interessa...
O disco já chega chegando, com o baixo chamando a gente pra dançar Kilariô, convite aceito de cara pelos metais.
A poesia já é cheia de ritmo:
“Kilariô! Raiou o dia eu vi chover em minha horta.
Ai, ai meu deus do céu quanto eu sofria ao ver a natureza morta.
Tinha mandioca pra farinha e o milho pra galinha e o capim para vaquinha e o feijão quem compra gosta.”
Mas não é por causa letra que tô dançando enquanto escrevo essa resenha. A banda é um caso a parte, encontro de cobra criada: Heraldo do Monte, Violas e Violões; Cláudio Beltrame no contrabaixo (clap clap clap clap clap um monstro! Um dos baixos mais suingados e criativos que já dancei); Ubirajara, pai de Taiguara, no bandoneon; Dirceu, na bateria; Bolão, no sax; arranjos e violão, do maestro Miguel Briamonte; e o grande Hermeto Paschoal, nas flautas, teclados suingadissimos, arranjos e produção. Ou seja, num tem menino amarelo na parada.
A isso Di Melo junta sua divisão rítmica personalíssima, rara, contagiante, que deixaria Jackson do Pandeiro orgulhoso do pupilo. Lá pelas tantas, a(s) vocalista(s) (Eloá, você tava sozinha nessa ou tinha mais gente?) soltam um uuuuuuuuuuuu q se não te der tesão pode ter certeza que seu negócio não é mulher.
A segunda música é pura filosofia de vida, riponga, zen. Mas hedonista, como é que não, com esse ritmo? Os grngos sacaram e volta e meia ela aparece em alguma coletânea pelo mundo:
"A Vida em Seus Métodos Diz Calma
Vai com calma você vai chegar.
Se existe desespero é contra a calma
E sem ter calma nada você vai encontrar".
Anti-stress pra ouvir e dançar no trânsito:
“Calmas nas oficinas
nos postos de gasolina,
Principalmente nas maternidades,
hospitais e escolas”.
A terceira é Aceito Tudo, a bateria quebrando tudo.
Daí pula pra 7a música, pra manter a pista cheia. Pernalonga começa com um violãozinho jorgebeniano safado, preguicoso, pra logo atacar os metais e o baixo ir carregando a preguiça.
Depois, Minha Estrela:
“Minha Estrela, vi tua imagem refletida em meu espelho.
Parei no ar com teu jeitão frio e matreiro
E fiz voltar o teu sorriso prateado”.
Pra completar esse quarto de hora de alegria e diversão, Se o Mundo Acabasse em Mel deixa um recado pra galera estressada, desaceleraê, galera, e vamos curtir:
“Deu pane no nervo do cérebro.
Taquicardia e revertério.
Momentos trágicos e instantes sórdidos.
(...)
A ele eu dizia que queria morrer doce quando o mundo acabasse em mel.”
Como ele diz, coberto de razão: “Meu som não deixa nada a desejar para o que houve, há, e, haverá no mercado musical. Digo, repito, atesto, e, assino embaixo, sem medo de errar e sem falsa modéstia. É muito swing, balanço, molho, charme e malemolência, pois nem Santo Antonio com gancho consegue segurar.”
Esse disco deveria estar naquelas cápsulas cheias de coisas especiais que o ser humano faz e que de tempos em tempos são lançadas no espaço, de presente para alguma civilização “perdida” por aí, para eles saberem que apesar das merdas que a gente faz, de vez em quando manda bem. Se algum dia algum extraterrestre abrir a cápsula com esse disco, vai ter um monte de marciano chacoalhando as antenas, dançando, felizões, loucos pra pegar o primeiro bonde pro planeta Terra.