Outro dia, no vício inerte da tv a cabo, vi (mais) um programa sobre os discos de 1991 - que, inclusive, coerentemente, colocava o 'Screamadelica' como número 1 à frente do 'Nevermind', prefigurando ou antecipando ou criando o futuro, ou seja, a música eletrônica como vanguarda da música/rock - que citava este disco aqui como um lançamento de rock progressivo em 1991. Fiquei pensando e quase concordando, resolvi postar esse que, atipicamente, foi o disco que mais escutei dos caras.
Há, realmente, um agradecimento no disco 'Aos anos 70' (no meu disco, que é a versão barateada sem encarte e outros 'luxos', isto não aparece). Há mesmo muitas referências/citações eruditas e um clima pra lá de sombrio.
Pelo próprio Renato: "Ih, tem umas coisas medievais, uns instrumentais. O primeiro lado é uma viagem. Vão dizer assim: 'Legião repete fórmula e lança disco progressivo (risos)..."
Só pra lembrar, já que estamos falando de Brasília, ontem, no programa Zoombido do Moska no Canal Brasil, foi entrevistado o Philippe Seabra do Plebe Rude (bom programa, recomeindo!). Quase postei hoje 'O concreto já rachou', pra mim um dos melhores dos anos 80, mas por um acordo de cavalheiros o Xampu o fará (em breve, espero), depois eu posto 'Nunca fomos tão brasileiros'.
Contexto do disco: crise econômica do governo Collor, dependência química de Renato Russo, aids de Renato (nunca assumida publicamente) e Cazuza (homenageado com a música do disco anterior 'Feedback song for a dying friend').
O argumento do disco progressivo começa forte já na primeira música, 'Love song (Cantiga de amor)', um poema do trovador português medieval do sec XIII Nuno Fernandes Torneol musicado pela banda, bela e delicadamente.
'Metal contra as nuvens' tem uma introdução também quase progressiva (afinal o que é rock progressivo? Encaminharei esse post ao amigo e especialista Leonardo Naohum, autor de um guia essencial e produtor de shows no RJ e aguardarei boas discussões...), sendo dividida em 4 partes e com mais de 11 minutos...se isto não é progressivo, porraaaaa...
Tem inclusive uma parte quase metal! Guitarras (mal) distorcidas, embolando um pouco.
"Sou metal, raio, relâmpago e trovão
Sou metal, eu sou o ouro em seu brasão
Sou metal, me sabe o sopro do dragão"
Depois volta o suave e acústico. Boa canção, mesmo enorme tem um senso de unidade, soa redondinha e completa.
'A Ordem dos Templários', que não é inspirada em nenhum livro do Dan Brown, é instrumental e bonita, mais um ponto a favor do argumento do disco de progressivo. Inclui a peça 'Douce Dame Joulie' de Guillaume da Machaut do sec XIV. Sons de vento ao final...
'A montanha mágica', provável referência ao livro de Thomas Mann, parece fazer referências a dependência química, mas seria erradamente simplificador reduzir a interpretação a só isto. No meio há uns efeitos de reverb e ecos muito legal, melhor percebidos com fones. A introdução foi adaptada da peça 'Canon' de Johann Pachelbel.
"Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia
És o que tenho de suave
E me fazes tão mal
Existe um descontrole, que corrompe e cresce
Pode até ser, mais estou pronto prá mais uma
O que é que desvirtua e ensina?
O que fizemos de nossas próprias vidas
(...)
Mas, é claro que não vamos lhe fazer mal
Nem é por isso que estamos aqui
Cada criança com seu próprio canivete
Cada líder com seu próprio 38
Chega, vou mudar a minha vida
Deixa o copo encher até a borda
Que eu quero um dia de sol
E um copo d'água"
Aqui entramos na parte mais ouvida, por mim e pelas rádios do Brazilzão de meu Deus, começando com a linda 'O teatro dos vampiros', que faz lembrar da crise econômica da época, entre outros temas tratados...tá parecendo tese acadêmica essa porra?
"Sempre precisei de um pouco de atenção
Acho que não sei quem sou
Só sei do que não gosto
(...)
Os assassinos estão livres, nós não estamos
Vamos sair - mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos estão procurando emprego
Voltamos a viver como há dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas
Vamos lá, tudo bem - eu só quero me divertir
Esquecer, dessa noite ter um lugar legal pra ir
Já entregamos o alvo e a artilharia
Comparamos nossas vidas
E esperamos que um dia
Nossas vidas possam se encontrar (...)"
Lindo, né?
'Sereníssima' começa com um ruído de público e a Legião sempre contou com fãs devotados, pro bem ou pro mal. Aqui tem até um solo de guitarra do dado Villa-Lobos!
A frase sobre o sorriso é do já citado Thomas Mann, do livro 'Tonio Kroeger'.
"Sou um animal sentimental
Me apego facilmente a quem desperta meu desejo
Tente me obrigar a fazer o que eu não quero
E cê vai logo ver o que acontece
(...)
Tenho um sorriso bobo, parecido com soluço
Enquanto o caos segue em frente
Com toda calma do mundo"
'Vento no litoral' é um música muito romântica e muito bonita, onde a canção me leva pra esse contexto de referência, o que é muito legal. Às vezes Renato parece óbvio (e às vezes ele é), mas muitas vezes isto funciona perfeitamente na canção, e é expressivo e se conecta com quem ouve. Extremamente pessoal, claro.
Já foi regravada pela saudosa Cássia Eller.
Olha que letra linda e óbvia:
"(...)
Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai:
Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção.
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?
Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você está comigo o tempo todo
Quando vejo o mar
Existe algo que diz:
- A vida continua e se entregar é uma bobagem.
Já que você não está aqui,
O que posso fazer é cuidar de mim.
Quero ser feliz ao menos.
Lembra que o plano era ficarmos bem?
- Ei, olha só o que achei: cavalos-marinhos.
Sei que faço isso para esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora"
Há variadas interpretações sobre os citados cavalos marinhos: fidelidade da espécie, o fato de só se encontrarem no fundo do mar (o que sugeriria suicídio pelo amor perdido!!), símbolo homossexual pelo fato do macho engravidar...enfim, viagens.
'O mundo anda tão complicado' (e quando não foi?) é sobre coisas cotidianas, quase banais e íntimas, mais uma boa canção.
"Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você
Quero ouvir uma canção de amor
Que fale da minha situação
De quem deixou a segurança de seu mundo
Por amor"
'L'age d'or' é pesada, trazendo guitarras e slides distorcidos, mas com um vocal suave e melódico, diferente. É também o nome de um filme surrealista de 1930 de autoria dos loucos Luis Buñuel e Salvador Dali.
"Contra minha própria vontade
Sou teimoso, sincero
Insisto em ter
Vontade própria...
(...)
Já tentei muitas coisas
De heroína a Jesus
Tudo que já fiz
Foi por vaidade
Jesus foi traído
Com um beijo
Davi teve um grande amigo
Não sei mais
Se é só questão de sorte..."
'Come share my life' termina o disco com sutileza e melancolia, só com piano e cordas. Apesar de creditada (no meu disco pelo menos) como da banda, tenho impressão que é uma canção tradicional do folclore dos EUA.
Produção da banda e de Mayrton Bahia.
Vendeu 700 mil cópias, menos da metade do que o anterior, 'As quatro estações', mesmo assim não é pouco.
Ele tava dependente do que? Heroina, alcool?
ResponderExcluirO Plebe Rude o Xampu já postou!
ResponderExcluirhttp://1001br.blogspot.com/search/label/Plebe%20Rude
braços...
[M]
PARA MIM, "V" E "O DESCOBRIMENTO DO BRASIL" SÃO, SEM DÚVIDA, OS MELHORES ÁLBUNS DA LEGIÃO, E "METAL CONTRA AS NUVENS" É A MELHOR MÚSICA...
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