O que eu gosto neste disco é o equilíbrio suave e natural apresentado na lista de canções que se não inclui aqueles super-clássicos-quarentena do baiano, traz algumas das suas mais bonitas composições. Nunca me preocupei em elencar, nem mesmo em pensamento, as minhas músicas preferidas deste mestre absoluto, mas certamente, se o fizesse, não poderia deixar de incluir Trilhos Urbanos e Oração ao Tempo.
Neste disco, temos o Caetano Zen (desde a capa!), deixando sua música fluir como uma inevitável corredeira rio abaixo. Nada de musas híbridas e suas carapinhas cúpricas. O cinema transcendental inicia a sessão saudando a Lua de São Jorge, Lua soberana, nobre porcelana sobre a seda azul. Mais zen impossível, esta música parece uma colagem de hai-cais sobre a lua. E adiante aparece Beleza Pura, não me amarra dinheiro não (bem, isso foi bem antes da Paula Lavigne). Balanço irresistível, parece um reggae, mas te pega no engano quando ele entra a contar daquela preta que começa a tratar do cabelo com as conchas do mar, com toda delícia e toda minúcia, o reggaezinho deriva pra quase um soul à (e á!) baiana, ato de pura devoção.
O Menino do Rio ganha uma versão mais lenta e arrastada e menos urgente do que aquela que ficou célebre na voz de Baby (então Consuelo. Aliás, versão definitiva, diga-se de passagem...). Seguida de uma interpretação malandra do Vampiro de Jorge Mautner, mostra um Caetano antenado em interesses menos ortodoxos...
Elegia é um poema do poeta inglês do século XVII, John Donne, traduzido por Augusto de Campos e musicado por Péricles Cavalcanti. Ainda assim, a canção passa a milhas da academia e transborda erotismo, liberto-me ficando teu escravo, nada pode ser mais preciso...
Cajuína ficou célebre, um xotezinho de improviso, simples na forma, e que mostra um Caetano já mais experimental nas palavras enquanto que Louco Por Você é o justo desfile da sensacional A Outra Banda da Terra que o acompanha neste disco maravilhoso... Aracaju, Badauê e Os Meninos Dançam não destoam, mas fecham o disco quase sem ser notadas, e não era pra menos, pois as outras canções são muito acima da média.
Voltando aos Trilhos Urbanos, o melhor o tempo esconde, e aqui Caetano mostra, leve e solto, o mestre que é, cantando e assobiando em ritmo de passeio de bonde, ora acentuando a penúltima sílaba, ora caprichando no iiiiii...
Mas aquela canção de dar inveja mesmo, de querer cobrir o cara de porrada por ser tão filhadaputamente bom, é Oração ao Tempo. O toque de Midas aqui é a percussão em ritmo de tica-tac levemente descompassado, o suficiente pra transformar o relógio e o passar contínuo e monótono do tempo em música.
Obra de um gênio. Ave caetano
[M]
ps: o post é dedicado ao Zeba e ao Xampu...
Mr. M. parabéns pela escolha! Clássico "A-BI-SO-LUTO"!
ResponderExcluirÉ um disco relaxadão e a resenha captou bem essa ideia. Ou sensação, como sempre nos ensina a mestra Andrea.
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ResponderExcluirO disco é bom mesmo. Grande indicação Mateus. Mas, Cajuina é bem mais que um xotezinho de improviso. É curta, verdade, mas poucas musicas são tão gramaticalmente agradáveis de se ouvir. Incluo no rol, "língua" do próprio, e "Noites Cariocas" de Jacob do Bandolim.
ResponderExcluirZEBA
Cinema Transcendental já mata de cara. Tudo que transcende costuma ser bom...
ResponderExcluirA resenha tá linda! Adorei os haicais de lua. Parece até um desenho, dando para imaginar os contornos.
Sem dizer no Vampiro com sua mordida lenta...
[ANDRÉA]
Ouvindo o cd no final de semana, saquei que esse redondo é cheio de homenagens: "os meninos dançam" é para os Novos Baianos - uma brincadeira com "a menina dança" e o Caetano põe todos os baianos pra dançarem.
ResponderExcluir[ANDRÉA]
Sem dúvida, o Cinema Transcendental é um disco fabuloso, um clássico, uma joia rara, músicas maravilhosas, poéticas e diversificadas, marca de Caetano! Mas essa frase foi bem fraca:"Cajuína ficou célebre, um xotezinho de improviso, simples na forma, e que mostra um Caetano já mais experimental nas palavras..." Meu chapa, Cajuína é uma obra-prima, feita em versos alexandrinhos ( versos de 12 sílabas com tônica na penúltima sílaba, desprezando-se a última, metrificação), em que Caetano fala de Torquato Neto ( o "menino infeliz"), que havia se suicidado há um certo tempo e Caetano recebeu uma flor do pai de Torquato enquanto conversavam sobre o filho/amigo na casa do pai numa excursão pelo nordeste, e bebiam cajuína. Caetano conta que se emocionou e chorou muito, depois fez a maravilhosa música ( a obra-prima)! É isso aí, genial, como não poderia deixar de ser, em se tratando de Caetano. Abraços.
ResponderExcluirCaro leitor anônimo: Valeu a explicação sobre os alexandrinos. Eu conhecia a história citada meio que por telefone sem fio. O pai teria visitado o Caetano no camarim no intervalo de um show, e contado do filho morto. No retorno ao palco, Caetano teria esta composição feita no improviso. Essa é a versão que eu conhecia, mas a sua é bem mais verossímil.
ResponderExcluirVou continuar me esforçando para agradar aos tão exigentes leitores... Grato, abraço [M]
Conheci esse disco há pouco tempo.parece uma coletânea de clássicos(apesar de não gostar de coletânea)."Trilhos urbanos" e "Cajuína" até o temível Tinhorão elogiou na época do lançamento.Não entendi a expressão:super-clássicos-quarentena,mas valeu.
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