Se por um lado Sonífera Ilha, o primeiro disco dos Titãs,
teve como mérito o fato de que sua pouca inspiração não tenha sido suficiente
para que aquele ótimo grupo desistisse da carreira (como foi resenhado nesse
blog), de forma invertida, algo semelhante aplica-se ao último trabalho do
Cazuza: Burguesia, que se insere nessa lista não por sua excelência, mas por um contexto maior.
Com a voz notadamente debilitada, decorrente de sua luta contra os efeitos devastadores da AIDS, Cazuza fez questão de acelerar o processo de criação, gravando em ritmo cada vez maior. Como resultado dessa pressa em produzir, o artista optou por lançar um LP duplo de inéditas (algo raro na época para músicos nacionais), que terminou por ser seu último trabalho em 1989.
Com a voz notadamente debilitada, decorrente de sua luta contra os efeitos devastadores da AIDS, Cazuza fez questão de acelerar o processo de criação, gravando em ritmo cada vez maior. Como resultado dessa pressa em produzir, o artista optou por lançar um LP duplo de inéditas (algo raro na época para músicos nacionais), que terminou por ser seu último trabalho em 1989.
Fazendo uso do formato de LP duplo, Cazuza optou por separar
claramente os estilos. Enquanto no primeiro disco predomina o ritmo de rock
nacional, semelhantes aos seus primeiros trabalhos ainda como Barão Vermelho, no
segundo disco ele optou por um som que se aproximam mais da MPB ou da Bossa
Nova.
Logicamente, no afã de produzir muito em pouco tempo e com a
saúde abalada fortemente, há canções de qualidade discutível que não servem para
retratar a sua carreira, como, por exemplo, o single utilizado para divulgar o
disco, “Burguesia”, composta com versos pobres demais (A burguesia fede, a burguesia quer ficar rica, enquanto houver
burguesia, não vai haver poesia....) para quem deixou como legado músicas
tão brilhantes.
Após abrir o disco com “Burguesia”, vem “Nabucodonosor”,
outra canção pouco representativa, mas que serviu para dar o tom biográfico bastante
presente ao longo do disco, como em “Tudo é Amor”, canção que eu
particularmente gosto mais nesse primeiro disco (Mesmo se for pra transformar...Num inferno um céu conformista...Mesmo
se for pra guerrear...Escolha as armas mais bonitas).
As músicas subsequentes “Garota de Bauru”, “Eu Agradeço”, “Eu
quero alguém” e “Baby Lonest” também não deixaram muitas saudades. Em “Como já
dizia Djavan” recuperou sua velha parceria com Frejat em um som com a cara do
Barão Vermelho: E as estrelas ainda vão nos
mostrar...Que o amor não é inviável..Num mundo inacreditável...Dois homens
apaixonados.
O primeiro LP finaliza com “Perto do Fogo”, um blues
selecionado especialmente para fazer a ponte com o segundo LP, com todo seu
inconformismo: “Quando tudo explodir... Mas
não vai explodir nada...Vão ficar os homens se olhando....Dizendo: ‘O momento
está chegando’...2000, é ano 2000...E não vai mudar nada”.
No segundo LP, as angústias vividas por Cazuza ficam mais
evidentes, inclusive nas canções que não são de sua autoria, mas que parecem
que foram feitas especialmente para esse último trabalho dele, como a ótima
versão de “Quase um Segundo” (de Hebert Vianna), “Esse Cara” (Caetano Velloso),
“Cartão Postal” (Rita Lee e Paulo Coelho) e “Preconceito” (Antonio Maria e
Fernando Lobo), uma espécie de tango que valoriza o lado intérprete do Cazuza: “Se as nossas vidas juntas vão ter sempre um
triste fim... Se existe um preconceito muito forte separando você de mim”.
O tom biográfico que já se fez presente no primeiro LP fica
mais enfático nesse segundo LP, principalmente em canções como as belas “Cobaias
de Deus” (Se você quer saber como eu me
sinto...Vá a um laboratório ou um labirinto...Seja atropelado por
esse trem da morte...), “Filho Único” (Estou na mais completa solidão...Do ser que é amado e não ama...Me
ajude a conhecer a verdade...).
A respeitar meus irmãos...E a amar quem me ama), e Manhatã (Agora eu vivo no dentista...Como um bom capitalista...Só tenho visto de turista...Mas sou tratado como artista...E até garçon me chama de sir...Oh! Baby, baby, só vendo pra crer).
A respeitar meus irmãos...E a amar quem me ama), e Manhatã (Agora eu vivo no dentista...Como um bom capitalista...Só tenho visto de turista...Mas sou tratado como artista...E até garçon me chama de sir...Oh! Baby, baby, só vendo pra crer).
O disco ainda conta com as sensíveis “Bruma” e “Azul e
Amarelo” (em co-autoria com Lobão e Cartola) para finalizar com “Quando eu
estiver cantando” (Porque o meu canto
redime o meu lado mau...Porque o meu canto é pra quem me ama).
Enfim, esse disco merece ser lembrado não por sua qualidade
técnica ou momento de extrema inspiração, já que o resultado final, tecnicamente
falando, deixou a desejar. Mas certamente pode ser um disco-símbolo da luta contra
a AIDS, que teve o mérito de traduzir toda sua angústia, tristeza,
inconformismo e incertezas pessoais, e que certamente compunham o cenário vigente
no Brasil no final da década de 1980.
Eu mesmo confesso que me desiludi logo que comprei esse disco
naquela época, mas depois de um tempo percebi que o seu valor não devia ser
procurado simplesmente nas canções, mas sim sob outra ótica: um trabalho de um
artista que tinha pressa para produzir, para deixar um legado maior na sua luta
contra o tempo. E se errou com a canção de trabalho (Burguesia), certamente
acertou com outras, como a bela interpretação de “Cartão Postal”, afinal o adeus traz a esperança escondida
Pra que sofrer com despedida?
[Paul]
Pra que sofrer com despedida?
[Paul]
O Cazuza foi um maldito. O maior da sua geração.
ResponderExcluir"obrigado por esculhambar meu coração antiquado e careta"
[A]