sábado, 21 de novembro de 2009

Chega de Saudade, João Gilberto, 1959


No final da década de 1950, a música brasileira era representada basicamente por vozeirões e vibratos que se sobrepunham a melodias mais 'quadradas', quando uma certa turminha da zona sul carioca começou a se encontrar em busca de um novo som, transformando o violão em protagonista e buscando um casamento perfeito entre o arranjo e o som com com uma voz que flutuasse mais harmoniosa. Isso era bossa nova, isso era muito natural.

E foi nesse contexto que o baiano João Gilberto, depois de anos batalhando, conseguiu finalmente gravar seu primeiro LP (antes já tinha gravado alguns discos de 78 rotações). Foi difícil, mas perfeccionista como só ele, portador de um ouvido privilegiado, e contando ainda com a direção musical de Tom Jobim, o resultado não poderia ter sido melhor.

Chega de Saudade foi gravado no início de 1959 e de saída já vendeu 35 mil cópias. Nesse LP, a música-título da parceria imortal de Tom e Vinícius encontrou, na voz e no violão de João Gilberto, a sua versão definitiva (já tinha sido gravada anteriormente pela Elizeth Cardoso - com João Gilberto ao violão - ou ainda em um 78 rotações dele próprio). A partir desse momento, versos melancólicos deram lugar a passagens que se tornariam imortais como “pois há menos peixinhos a nadar no mar...do que os beijinhos que eu darei na sua boca

Se você disser que eu desafino amor... saiba que isso em mim.. provoca imensa dor...”. “Desafinado”, composta por Tom e Newton Mendonça (injustamente pouco lembrado), representa outro marco da bossa nova. Trazendo pela primeira vez o termo 'bossa nova' em uma letra (antes mesmo de esse estilo ser assim batizado), era uma espécie de brincadeira, já que sua interpretação é extremamente difícil para alguém cuja voz não seja muito afinada.

Só essas duas músicas já seriam suficientes para imortalizar qualquer disco, mas o LP apresentava preciosidades como “Lobo Bobo (de Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli que mostrava como Bôscoli se deixou fisgar pela jovem Nara Leão), “Brigas nunca mais”(mais uma de Tom e Vinícius), “Rosa Morena” (Caymmi), “Saudade fez um samba” (outra de Lyra e Bôscoli), “É luxo só” (Ary Barroso e Luís Peixoto), “Aos pés da cruz” (M. Pinto e Zé da Zilda), “Bim-bom” e Ho-ba-la-lá” (ambas de sua autoria, as primeiras que tocou quando conheceu a tal turminha).

Na capa imortal, a foto de Chico Pereira mostra João Gilberto portando um suéter de lã (emprestado por Bôscoli) em pleno verão carioca porque ele achava que sua melhor camisa não era suficientemente fotogênica. Na contra-capa, destaque para o texto de apresentação assinado por Antonio Carlos Jobim que assim começa: “João Gilberto é um baiano ‘bossa nova’, de 27 anos (...).

Enfim, se a bossa nova tivesse um RG, certamente o início de 1959 com a gravação de Chega de Saudade, seria sua data de nascimento e João Gilberto, com sua voz e jeito inovador de dedilhar o violão, o seu pai. O mundo agradeceu e, cinqüenta anos depois, continua escutando maravilhado. [Paul]


Para escutar: http://www.4shared.com/file/80911203/ba410309/Joo_Gilberto_-_Chega_de_Saudade_1959.html?s=1

2 comentários:

  1. que bom que você voltou a escrever! estava mesmo com saudades das tuas resenhas...
    [ANDRÉA]

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  2. Sobre a melancolia reinante tem a clássica de Antonio Maria "Ninguém me ama, / ninguém me quer, / ninguém me chama / de Baudelaire"

    Verbete "Bossa Nova": movimento musical soporifero, pai de passagens imortais como "o pato, vinha cantando alegremente, queim, queim...".

    Brincadeira minha Paulinho! (ZEBA

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