segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Vinte anos depois... Mais um de 91!

É na rua Paulo que me sinto bem
Pois meus amigos estão la também
Já faz algum tempo que não sei como é que estão
Advogados, bêbados, dentistas eu faço canção

Da esquerda para direita não consigo encontrar
Um lugar para residir um lugar para descansar
Sou menino da rua Paulo de um bairro em Budapeste
Sou menino de São Paulo lá da Vila Mariana


Os Meninos da Rua Paulo é um clássico húngaro de Ferenc Molnár datado de 1906, relatando a luta de gangues de Budapeste pelo controle de um terreno baldio. Do outro lado do oceano, quase um século depois, este outro Os Meninos da Rua Paulo é o sexto álbum do Ira! Fã da banda não sou, nem nunca fui, nem mesmo nos áureos tempos. E a escolha deste disco mostra isso.


Mas basta que o lick de abertura da Rua Paulo comece a circular pela minha corrente sanguínea... bing! Já era... Scandurra é foda. Scandurra é o cara, ele e a guitarra são uma coisa só. O Ira! é a banda do Edgard, eu vejo as coisas desse jeito, ainda que ele não tenha de maneira nenhuma esta postura, e, o mais importante, ainda que as canções da banda raramente orbitem em torno da sua guitarra, e sim o contrário: ele geralmente tem o contraponto inteligente, de muito bom gosto e, como não poderia deixar de ser, inspiradíssimo.


O disco veio à tona no emblemático ano de 1991 (ó aí, Dão! Mais um...). Ano dos Nevermind, Ten, Black Album, Blood Sugar Sex Magik (to cite a few...). Da maneira como eu vejo o rock nacional entretanto, isso não passa de mera coincidência. O ponto aqui é uma banda pioneira do movimento de renovação do pop nacional que assolou o país junto com a Nova República e o Rock in Rio (o I!) que busca novos caminhos. O que mais me interessa aqui é o que faz uma banda de garotos que cresceram, amadureceram e ainda amam o rock’n’roll, o bom e velho rock’n’roll... A faixa de abertura dá bem este tom, os garotos da Rua Paulo estão à procura do velho bando, que terá virado dele?



Eu entendo isso mais na psiquê do que na geografia. A grande encruzilhada do rock’n’roll: envelhecer. Os rebolados de Elvis, os cabelos longos de John, Paul e sua turma, você deixaria sua filha se casar com um Rolling Stone? Pra quem assistiu trechos dos mascarados Slipknot ontem, isso soa como música de câmara!


Eu já sou um homem, mas mereço umas palmadas
Ó amor te peço, só não batas na minha cara


Voltando ao Ira!, este o álbum de uma banda que lançou seu primeiro disco em 83, naquela onda toda positiva. Oito anos depois, não dá mais pra assustar ninguém, não é? Bem, e nem parece ser a intenção. O legal é que esse disco me parece muito honesto e extremamente bem equilibrado entre novas idéias, novos ares e o som original da banda, que aqui aparece bem em O Ladrão Era Eu, Um Dia Como Hoje, e da qual Amor Impossível é o melhor exemplar, uma bela canção para um imaginário amor impossível que sempre é possível no universo das canções.


Pense na mistura de We Will Rock You com Lucy in the Sky with Diamonds... Parece meio fora de sincronia, não? Mas aquie eles revisam a iiteressante versão (que eu desconheço...) de Raulzito para a clássica dos Beatles, que aqui vira Você Ainda Pode Sonhar, mensagem otimista com gostinho de nostalgia. Na abertura é usado o clássico ritmo de bateria-e-muro-de-palmas que costuma não deixar poeira sentada no hiperclássico da Rainha. Mistura improvável que funciona de maneira magistral: a versão ficou psicoheavyca.


O blues Prisão das Ruas e baladas como Cavalos Selvagens ou O Tolo dos Tolos (essas duas últimas na voz do Edgard) são mais sintomas da transição do garoto que está virando homem. Enquanto que a levada de Imagens de Você sugere o uso de ritmos eletrônicos (simulados de maneira inteligente por André Jung? Ou foram usados mesmo? Bem, não sei dizer...), coisa que poderia destoar e seria meio proibido nos discos primitivos da banda. E: o resultado ficou muito legal! Não Matarás é curiosa porque tem uma levada meio disco com guitarras country, wah-wah... outra mistura improvável que funciona bem. E o mandamento é claro:


Não matarás, não matarás, não matarás a ti mesmo...

Nosso mundo é tão pequeno... não matarás teus desejos...


Mas nada é tão bom neste disco como A Etiópia e Meus Problemas (thanx, Paul!). Aliás, ouso dizer, nada é tão bom na discografia inteira da banda!!! Menos pela letra (muito menos, diga-se, mas, cá pra nós, quem se importa com as letras do Ira!? Nunca foi seu ponto forte). Edgard toca a guitarra dos sonhos de qualquer guitarrista: limpa, estalada e estrelada. Um golpe de ousadia na discografia de uma banda que costuma(va) ser bastante “conservadora” em relação à sonoridade original de seu rock’n’roll. Acompanhada de um violão el justiciero, percussão da península ibérica árabe, e um coro simulado, ahn, ahn, ahn... que me lembra a música do sertão nordestino. Um primor, a obra-prima do Ira!...


O disco termina na marcha instrumental Meninos da Rua Paulo, assobiada como a ponte do rio Kwai, lembrando que os meninos vão à batalha (ou a batalha vem aos meninos?), mas (quase) sempre há o retorno pra casa. E, musicalmente, este retorno é glorioso.


[M]


ps: refiz o post de ontem, que me deixava meio insatisfeito, mas mudei pouca coisa. Hoje no rádio tava ouvindo Guitar Man:


Who draws the crowd and plays so loud,
Baby it's the guitar man
Who's gonna steal the show, you know
Baby it's the guitar man,

He can make you laugh, he can make you cry
He will bring you down, then he'll get you high...


pra mim não há dúvidas: eles estão falando do Scandura...


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