sábado, 13 de junho de 2009
Sim - Vanessa da Mata (2007)
SIM, o disco vermelho de Vanessa da Mata é um disco feminino. Começando pela capa, com aquela manta que parece uma mancha de esmalte sobre a areia, e que voa quando abrimos o encarte. Sua voz é bonita e cristalina, num balanço na medida entre a delicadeza e a braveza. Um pêndulo que só existe dentro de uma mulher.
Vanessa da Mata constrói um disco de sensações e sentimentos, que poderiam ser contados e cantados em grandes clichês, mas não, ela captura a magia do simples e o transforma em leveza. Deixa escorrer o desejo.
Seu disco tem um encaixe redondo, os fios se encontram numa poesia tranquila sem grandes surpresas no caminho. Talvez a surpresa esteja aí, nesse rio que corre manso. Seus sons são bons de ouvir, tem algo nisso tudo de misterioso, de atraente.
“Vermelho” abre num crescente, com uma voz que vem de longe e vai chegando pertinho. Lânguida face. Os sons se misturam com barulhos de bolhas explodindo. Vermelho é o sangue: o quente que arde, o quente que queima, o calor que pede o aconchego, mas que traz o vazio, que deixa a alma na solidão. E a voz vai como veio, desaparecendo, sumindo, enquanto o mundo roda em vão.
Vermelho de pepper sauce.
“Fugiu com a novela” é um charme! Gostosa até de ouvir com esse som de triângulo, com essa percussão melindrosa… Gosto muito da inversão de papéis: Vanessa da Mata canta um homem que reclama a perda de sua mulher para a novela das oito e bem agora que o caso tava no tom! Perfeito! Esse homem que parece mais um gato, que gostava de ser alisado, que contava piada e ela gargalhava, foi abandonado…
A letra é uma crônica conhecida e capta justamente um lapso: o vão entre os dois lados de um mesmo homem – o que acariciava e às vezes nem tanto. Com graça e sem alarde, Vanessa toma da voz masculina para dar o recado: “A vida era boa ela não reclamava/ Agora vive longe, não sei mais nada/ Fugiu da nossa casa com a televisão”…
Acho que já sei! “Vermelho” é feminino nos temas, é discreto nos tons e isso já é uma super novidade!
“Baú” é o lado do pêndulo bravo da estória. Num ritmo mais rápido, com um órgão que traz uma sonoridade ácida à música, Vanessa numa imagem linda de morrer, quer jogar o moço no seu baú vivo e mágico, cheio de desenhos herméticos, livrinhos de receita e palavras de Dalai Lama. Tá louca pra transformar seu sapo em príncipe.
Essa música somos nós naquele desespero total quando a gente vê que o nosso moço tá enguiçado, patinando… É bem aquela coisa de mulher, que vai dando nos nervos… E lá vem um chocalho à la cascavel. Típico! Quem tem uma mulher em casa sabe do que eu estou falando!
Mas claro, a estória poderia ser cantada ao contrário… Essa música é meio como búzios quando jogados na mesa, é tudo uma questão de encaixe, de interpretação…
“Boa Sorte/ Good Luck” é um encontro de dois tecidos transparentes. Gosto muito. Acho super legal essa idéia de sobrepor a mesma idéia em duas línguas diferentes: como se a tradução não fosse possível quando estamos falando de sentimento, então temos a necessidade das duas vozes. Estamos aqui falando da riqueza das línguas, como se fosse um concentrado de cultura e um código que tenta colocar pra fora tudo isso. Cada língua com suas nuances, com suas palavras ora mais carregadas, ora menos, e, como se tivessem vidas próprias, elas conversam entre si, e a música é só um pretexto onde todas essas idéias deslizam. É super lindo! E o Ben Harper é um parceiro mais que perfeito! Ele, na sua bagagem musical, esbanja liberdade, encontros e poesia.
Os dedos percorrem os pretos e os brancos do piano que abre “Amado” e com a voz mais doce do mundo, Vanessa da Mata mata já de cara: “Fico desejando nós gastando o mar/ Pôr-do-sol, postal, mais ninguém”…
Que música de amor linda, cheia de um amor seguro, em paz e arrebatado de desejo. Todo mundo de bem merece um amor desse…
E essa música me lembra uma estrofe do Nando Reis, numa de suas milhões de melhores estrofes: “Corre a lua, por que longe vai?/ Sobe o dia tão vertical/ O horizonte anuncia com o seu vitral/ Que eu trocaria a eternidade por essa noite? Por que está amanhecendo?/ Peço o contrário, ver o sol se pôr/ Por que está amanhecendo/ Se não vou beijar teus lábios quando você se for?”. O Nando com o seu jeito de cantar o amor onde todas as células do corpo amam juntas e num tom muito mais louco de amor, tem a mesma vibração que Vanessa em “Amado”. Os dois estão hipnotizados pelo desejo.
Em “Amado”, onde até a sonoridade respira e transpira num movimento único, Vanessa da Mata canta um amor livre: no mesmo espaço onde lá fora passa o tempo sem você, é o espaço sim, onde tudo pode acontecer. Sem prisão.
Quero dançar com você…
“Paçoca, suspiro, cocada, jujuba/ Quindim, bombom, churros, bomba”
Quindins, churros, bombons…
A única coisa que me vem à cabeça nessa música é esse monte de doces brilhantes e deliciosos. Pirraça é uma música visual! Eu juro que eu tô vendo um quindim bem amarelo aqui na minha frente…
Um sonho! Só de pirraça!
“Pensando em te matar de amor ou de dor/ Eu te espero calada”.
Em “Você vai me destruir”, Vanessa da Mata canta o que a gente também sente: o nó no peito do fim do amor. O som é dançante, feito mesmo para disfarçar a raiva, todo o desdém. A fúria dessa música também é bem feminina: a fúria que se mistura com a vontade de perdoar, de esquecer e de continuar amando com a potência do amor envolvente, aquele mesmo, aquele que te come, aquele cheio de contradição.
Gosto muito da bateria em “Absurdo”. A bateria leva a música, abre o caminho, marca o trilho.
“Absurdo” é uma música muito bonita, mas triste… “Cores, tantas cores/ Tais belezas/ Foram-se/ Versos e estrelas/ Tantas fadas que eu não vi”. Vanessa com tranquilidade, e escolhendo as melhores perguntas numa poética verde, deixa aqui seu recado.
“Ilegais” é a minha música favorita! É malandrinha, com balanço, com malícia. Me gusta!
Os backing vocals são discretos como devem ser, o eletronicozinho no fundo dando o tom, o trombone que aparece de curioso, enche um espaço e faz bonito, Vanessa da Mata funde tudo isso muito bem com sua letra dengosa.
É que não dá mesmo pra amar sem um dengo, né? Sem uma manha… Amar na legalidade? Tudo muito previsível? Demodé…
Eu adoro quando ela canta: “Desse jeito vão saber de nós dois/ Dessa nossa farra”.
Uma música gostosa, com um nome sensacional. E farra é farra… Nada mais sugestivo.
Me entrego total e acho uma verdadeira delícia a velocidade de “Quando um homem tem uma mangueira no quintal”! Uma música cheia de duplos sentidos, sem vergonha, cheia de siricotico e aventura. Essa música tem uma graça incrível, ela é toda livre, como numa trança solta, uma gostosura.
Fico viajando nesse quintal: com grama verde e com uns pedaços ainda com terra. Terra às vezes molhada pela água da mangueira. Um lugar pra poder brincar de amar, sem pensar no amanhã, aproveitar a tarde vazia.
É uma homenagem ao tempo livre, ao tempo vazio, ao deixar-se sair do sério.
E se é gostoso, por que não? Se é bem bom pro coração…
Let’s go?
[ANDRÉA]
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Uau! Que texto maravilhoso!
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