domingo, 27 de abril de 2014

"A Arca de Noé" - Vinícius de Moraes (1980)


 
Lembro até hoje do dia em que, ainda criança, minha mãe chegou com um disco Arca de Noé, que mostrava que músicas infantis não precisam ser bobas, ainda mais interpretadas por cantores do naipe de Ney Matogrosso, Chico Buarque e Alceu Valença entre outros.
O disco tinha uma capa interativa, daquelas que só os antigos vinis permitiam.  Pelo que me recordo, uma capa em branco com uma arca desenhada. O restante dos desenhos estava disposto em um encarte interno para recortar e colar na capa, algo que eu rapidamente me prontifiquei a fazer. Depois descobri que aquilo era mais uma criação do mestre Elifas Andreato (sobre os desenhos de Antonio Bandeiras).

Os poemas de A Arca de Noé foram escritos por Vinicius muitos anos antes de sua primeira edição para seus filhos Suzana e Pedro de Moraes. Por muitos anos, eles ficaram guardados. Só em 1970, o conjunto de poemas infantis ganhou o mundo em lançamento na Itália, país onde a presença do poeta era constante.

É lá, justamente que o disco com os poemas infantis é preparado com o nome  L’Arca. No mesmo ano, seus poemas musicados na Itália são lançados em livro no Brasil. Dez anos depois, com arranjos de Rogério Duprat e Toquinho, resolveram transformar o conjunto de belos poemas  em  disco (resultou em dois discos – embora aqui falarei apenas do primeiro), com o mesmo nome do livro. 
“E abre-se a porta da arca
Lentamente surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca

Após uma abertura orquestrada sob a narração de Chico Buarque, o disco abre de forma grandiloquente, com a canção “Arca de Noé” com a voz de Milton Nascimento trazendo tranquilidade alternando com um coro infantil que acelera no tempo certo. Belíssimo resultado.

Em seguida, lá vem “O Pato” para ver o quê que há, com o MPB-4. Que nunca se divertiu com a voz do próprio pato nessa canção? Depois vem a coitadinha da “Corujinha” (que feinha que é você) com a brilhante voz da Elis Regina, em talvez uma das suas últimas gravações antes de falecer,
"Quer ver a foca
Ficar feliz?
É por uma bola
No seu nariz”
O clima circense vem em grande estilo com a voz de Alceu Valença cantando “A Foca”, outra que se tornou clássica e emenda com o clima tropicalista de Moraes Moreira cantando “As Abelhas”.  Bebel Gilberto canta “As pulgas”, com um ritmo que deve  fazer a festa das crianças mais novas. Depois vem o divertido clima de cabaré com divertidas Frenéticas cantando “Aula de Piano”.

O disco segue com “A Porta” (cantada por Fábio Jr.), “A Casa” (poema que consolidou a expressão rua dos bobos número zero) e “São Francisco”, numa bela interpretação do Ney Matogrosso depois de uma abertura com um coro gótico.

"Com um lindo salto
Leve e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão"
“O Gato” vem com a voz da Marina, canção que vai acelerando também em ritmo circense, alternando com trechos mais sossegados em arranjo caprichado. Depois vem o “O Relógio” com a voz de Walter Franco (outro que está até então ausente desse blog e que merece ser lembrado também).

"Menininha do meu coração
Eu só quero você
A três palmos do chão
Menininha, não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção"
Canção que certamente deve ter servido de inspiração para tantos pais ninarem suas filhinhas nos anos 80, “Valsa para uma Menininha” serve para ilustrar bem a bela parceria de Vinícius com Toquinho, que marcou a última década de vida do primeiro.

O disco termina com uma canção final que traz uma espécie de pout-pourri orquestrado de trechos das canções do disco.

Infelizmente pouco depois do lançamento desse belo disco que mereceu inclusive um especial na Rede Globo, quando planejava o volume 2 desse disco (lançado em 1981), Vinícius faleceu deixando um imenso e valioso legado.
Enfim, a Arca de Noé tornou-se um dos discos mais populares de Vinicius de Moraes por trazer o mundo da literatura e das canções para o público infantil, e de quebra aproveitando também para despertar a criança que há em cada adulto.  Dá até vontade de ter filhos só para ter pretexto de escuta-lo novamente.
[Paul]

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