terça-feira, 1 de março de 2011

Veneno AntiMonotonia - Cássia Eller (1997)



"Olhar o mundo
Com a coragem do cego
Ler da tua boca as palavras
Com a atenção de um surdo
Falar com os olho e as mãos
Como fazem os mudos"
(Diário de Cazuza – 1978)


Veneno AntiMonotonia.
É claro que Cássia vestia muito bem os versos de Cazuza. Os dois tinham a mesma gana de morder a vida, a mesma intensidade. Falavam a mesma língua.

Em Veneno AntiMonotonia Cássia dá o seu tom para as músicas de Cazuza – a eleição das canções, o jeito único e explosivo de cantar deixando claro a força dele sobre ela. As releituras têm isso de fascinante, porque estamos falando de amor, de escolha e de identificação com o outro.
CÁSSIACAZUZACÁSSIA

O som do cd é cheio, encorpado, roque’enrou gritado do tipo que beira o desespero. Cássia tem isso: ela é capaz de habitar o volume dez angustiado com a mesma potência que habita tranquilamente as canções mais doces de Nando Reis.
Ela é mestra, sabe viajar no outro, incorpora a fantasia e dá uma cor própria na interpretação.

Veneno AntiMonotonia é raivoso. É que não é fácil mesmo se desvencilhar da monotonia-cola que conhecemos bastante bem. Nessa onda “Blues da Piedade”, com um dos seus versos de que mais gosto, chega dilacerando:
“Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como inseto em volta da lâmpada”

Em “Obrigado” Cássia continua envenenada com a pequenez e as dores do amor. E a música ganha ou perde velocidade, como se tivesse lendo o funcionamento do amor dentro da gente.

A opção nesse cd foi pela escuridão, pela madrugada,. É música de rua. Tudo muito à la Cazuza. Adoro a “Billy Negão” com seus sopros, meio blues, azul escuro. Estória de sangue para acabar com a monotonia.

“Todo Amor que Houver Nessa Vida” não podia faltar. É o fôlego, o encontro do náufrago com o resto de madeira em alto mar. Do mesmo jeito a charmosa “ Preciso Dizer que te Amo”, que vem se arrastando, já cansada. É o grito já sem voz.
Mas a vala tá ali com “Mal Nenhum”. Nem todo o amor é antidoto para a dor e para realidade. “Me deixem bicho acuado/ Por inimigo imaginário”…
A escolha de Cássia é por um Cazuza rasgado, nublado e nada mais natural que o cd tenha sido produzido por Wally Salomão, que como ninguém soube fazer e ver poesia a partir dos restos.
E os restos me interessam.
[ANDRÉA]

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