terça-feira, 7 de julho de 2009

Na Pressão - Lenine (1999)


Lenine é um garimpeiro. Eu fico de boca aberta com a graça com que ele transita pela língua portuguesa e pinça suas palavras. Palavras que só podiam mesmo estar ali pela sua beleza, precisão, efeito, sutileza e agudeza.

E aí, depois do garimpo, Lenine põe essas palavras para dançarem, num encontro perfeito entre frases, estrofes, vozes e instrumentos. O encontro é magnético, atraindo vários dos meus sentidos, um de cada vez.


“Na Pressão” não poderia ganhar melhor nome. O embrulho anuncia a potência da bomba: na capa do encarte um carro em chamas.


A bomba visual explode estilhaçando meus ouvidos com “Jack Sou Brasileiro”. Jack tem sotaque e balanço. “Jack Sou Brasileiro” está para o Brasil assim como “Rio 40 graus” está para o Rio. Aritmética musical, sambal, cocal, funk-rockal.

Lenine aparece plastificado – só mesmo um plástico colado no corpo poderia conter tudo o que significa ser brasileiro – sua dor e sua delícia. Batida incrível. Palavras musicais.


“Na Pressão” - a barriga da grávida é de arrepiar. A pele está no limite da tensão, tornando-a lisa, de um redondo quase plano.

“Dinamite é o feijão/ Dentro do molho dela.”.

A barriga e a música estão no limite da tensão. A barriga como metáfora para a surpresa, para o inesperado. Ali dentro corre o mundo – barriga branca, mandinga negra. Lenine branco, Naná Vasconcelos negro. Dois continentes.

E se a surpresa falhar, o caldo entorna, a garrafada de serpente se transforma em saliva da besta fera, guerrilha na fronteira perseguindo a feiticeira.


“Enquanto o tempo acelera/ E pede pressa/ Eu me recuso, faço hora/ Vou na valsa/ A vida é tão rara”.

“Paciência” é exigente. É lenta e sábia. É linda e forte. Música que me deixa em carne viva.


“Meu Amanhã” é a música que eu queria para mim! Música de amor com teor e nuance. Exagero, realidade, contradição, sonho, vontade e limite.

A viagem é inevitável. Caminho sem volta. O título é inspiradissímo – Meu Amanhã lança um olhar lá na frente, desejo de ficar junto para sempre. “Ela é minha sina/ O meu cinema/ A tela da minha cena/ A cerca do meu quintal”.

O som é todo sensual, eletrônico, uma anunciação com as melhores palavras. Não dá para não tripiar! E sempre me pego dançando.

Essa música tem um detalhe muito especial: a matemática mágica - dois vira o infinito, o amor com a lente na sua abertura máxima. Viagem sideral.


“A Rede” é uma outra favorita. Adoro o barulho do gancho da rede. O que falar desse som? Que é uma coisa? Que é um delírio? E eu caio na rede e não tem quem não caia…

A foto dos músculos másculos é outra baita rede. Sensacional.

Essa música faz parte do time daquelas que é gostoso de ouvir com a cabeça feita, canais abertos – assim todos os sons serão percebidos…
“Barulho do mar/ Pipoco de onda/ Ribombo de espuma e sal”.


“Medida da Paixão” é linda mas é muito triste… Como um amor pode escapar da gente assim e a gente não perceber? “É como se a gente pressentisse/ Tudo o que o amor não disse/ Diz agora essa aflição”.


Rua da Passagem” começa completamente Pernambuco, com direito a Siba na rabeca e banda de Pífanos de Caruaru. Gosto da mistura dos sons regionais, quase rurais com o tema que de tão urbano, cheira a concreto. Texto a quarto mãos, Arnaldo Antunes e Lenine. E aqui eu não sei o que é de quem. Mistura sem fases.

Começa som Lenine, passa Pedro Luis e a Parede e termina som Arnaldo.

Maravilhosa.


“Relampiando” dorme tranquilo na foto. O acordeom de Dominguinhos dá a leveza para a canção tão crua. A poesia do Lenine tem algo de João Cabral: a beleza do áspero, a flor do cactus. Me gusta.


A que vem agora é demais… “Eu sou meu Guia”. A levada é gostosa, e a letra é de uma esperança sem igual. Tem hora que eu acho que essa música é o Lenine lembrando dele quando criança - com os olhos no dilúvio, os dedos no violão e onde o resto de estrela da noite clareia a manhã.


“Na Pressão” faz um movimento circular: abre grande, corre o mundo, fala de tudo um pouco e fecha no pequeno, na pessoa, na unidade. E é justamente na unidade que a pressão acontece.

Tiro meu chapéu.

Come together, right now

Over me.

[ANDRÉA]

8 comentários:

  1. Com um tanto de brincadeira, mas mantendo a seriedade, grito:

    LENINE! NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOO! Lenine é mais chato que esteira de academia!

    Embora Paciência seja uma musica muito, mas muito bonita.
    (Zeba)

    ResponderExcluir
  2. Pô cara! Que legal esse blog! Gostei mesmo e ainda mais falando de Lenine na minha 1ª visita!!! Eu tenho todos dele e gosto muito do Na Pressão... Escolha bacana!!!

    Abraços

    ResponderExcluir
  3. Naaaaoooo! Mateus e Andrea estao conseguindo aliados! Ainda assim, Carolina, seja bem vinda!
    LM

    ResponderExcluir
  4. Déa..
    Mandou muito bem no texto, como de costume.
    Eu gosto do Lenine, e esse disco acho mesmo melhor que os outros.
    Só não acho ele tuuudo isso. É bom, mas está no mesmo nível que muitos outros ainda pouco citados nesse blog.
    beijos
    Paul

    ResponderExcluir
  5. Zeca Baleiro, por exemplo. Surgiram mais ou menos na mesma época e tem várias coisas interessantes, embora também resvale na malice. Ou Chico Cesar, que tem umas letras bem legais. Mas este é chato, mesmo.

    ResponderExcluir
  6. o legal é que o projeto é para 1001 discos! tem espaço pra todo mundo!
    [ANDRÉA]

    ResponderExcluir
  7. Esse post é um dos top 5 do blog, até animei de fazer mais um Lenine! (Dão)

    ResponderExcluir