domingo, 19 de março de 2017

Vôo de Coração - Ritchie, 1983


Existem duas maneiras de você falar de 1983. Uma delas começa em Maggie Thatcher, Ronald Reagan e as cavalariças do Gal. João Baptista. A outra é voce tentando descobrir um lugar legal no seu quarto pra mocozar a playboy da Carla Camurati.

Eu prefiro a segunda. 1983 não foi grande coisa. Sétima série é osso duro, seu nariz fica maior que o rosto e aquele Nike que seu pai comprou no chinês perto da rodoviária não se parece muito com o que os colegas descolados trouxeram do Paraguai.

Do ponto de vista daquilo que interessa ao blogue, a música brasileira vinha passando por transformações estilísticas e gerenciais desde o final da década anterior. Medalhões meio perdidos, tentando se adequar ao mercado. Gente nova penando para mostrar serviço. Gravadoras descobrindo que música é business (ver o livro do Barcinski). Mas isso, a gente sabe hoje. Voltando a 1983, as preocupações, ocupações e ações eram muito mais mundanas.

Porque vale a pena ouvir? Vôo de Coração (puta nome ridículo) foi disco de estreia do inglês Ritchie (outra coisa ridícula é esse britanismo associado a Ritchie. Se tem uma coisa que Vôo de Coração prova é que Ritchie é brasileiro, porra!) e vendeu 1,2 milhões de cópias segundo dados oficiais (Barcinski!). O número não é citado à toa: foi o disco de estreia que mais vendeu até então. Foi o primeiro disco de synthpop brasileiro, colocando a música pop nacional no mesmo calendário da do resto do mundo. O disco é muito bem produzido, conta com um time de músicos de respeito, Liminha, Lulu Santos, uma canja de Steve Hackett (ex-Genesis) e um desconhecido Lauro Salazar, que comandou a tecladeira. Além disso, o álbum conta com algumas boas canções, A vida tem dessas coisas, Pelo Interfone, Vôo de coração e Casanova, pra citar o básico. Outro fator importante é que Ritchie tinha um penteado diferente, uma pose blasée e voz meio anasalada com leve sotaque gringo, um Bowie dos trópicos, o nosso inglês, e a música era cada vez mais parceira da televisão, então o tipo era bem apresentável e soube captar e capitalizar em cima.

Claro: isso aqui não é o absoluto Clube da Esquina nem mesmo uma pérola como o disco de 1975 do Di Melo que são bons pra caralho hoje, assim como foram na época em que saíram e como serão para todo o sempre. Isso aqui tem que ser contextualizado: 1983.

Mas: espere! O que todo mundo lembra quando se fala em Ritchie? A absolutamente impactante (por favor, ajuste seu relógio do tempo para fevereiro de 1983) Menina Veneno. Essa canção que, hoje eu percebo, era a mais pura ode à punheta! Menina veneno era Carla Camurati, Tássia Camargo, Maria Angélica, Maria Virgínia, Soraya, Daniela (a ruiva), Débora, Maria Cristina e taaaantas outras...

Meia noite no meu quarto, ela vai subir 
(ahan, vai subir bem alto!)

Ouço passos na escada, eu vejo a porta abrir 
(o prenúncio do gozo)

Em toda cama que eu durmo só dá você 
(ah vá, você diz isso pra todas)

E toda noite no meu quarto vem me entorpecer 
(toda noite aos 14 anos, o que poderia, toda noite, toda tarde, toda manhã, me entorpecer, entorpercer yeah yeah yeah yeah [note o ritmo do iê-iê...])

Seu corpo inteiro é um prazer do princípio ao sim 
(ahahahah)

Sozinho no meu quarto eu acordo sem você 
(é tão óbvio, não?)

Enfim. Viva o Ritchie. Ele tornou 1983 um ano melhor.


[M]

2 comentários:

  1. Um ótimo disco, que de fato marcou época. Achei sua interpretação de Menina Veneno sensacional.

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    1. Punheta! Sem dúvida! Curioso que na época ninguém tivesse pensado nisso. Apesar de praticar incessantemente.

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