Quando tinha mais ou menos a
idade que meus filhos têm hoje, a garota mais gostosa da escola, do bairro todo,
era a Claudinha Miss Brejão. Veja que este é o tipo da circunstância que deixa
marcas indeléveis nas referências estéticas do cidadão.
É claro que o tempo passa. Muitas
vezes conseguimos aprender coisas novas e até “melhorar” em certos aspectos,
mas como diz o nosso embaixador de Niterói, a pessoa pode sair de San Gonzalo,
mas San Gonzalo nunca sai da pessoa...
Dito isso, diagnóstico:
bossa-nova não é minha praia, nem minha montanha. Patos, lobos, barquinhos,
peixinhos e beijinhos e o céu azul e o mar azul não me ganham. Harmonias complicadas,
jazz e outras firulas não me ganham. Não que seja o mais rústico dos rústicos,
mas frescura tem limite e as minhas não são diferentes.
Então o baiano João Gilberto pra
mim não costuma passar de um evento semestral. E o melhor é que te pega
distraidamente, na surpresa, e quando você percebe já tá ouvindo e tamborilando
com o sonzinho daquela vozinha come-quieto e batida dindon... Vai ver ele é o
elo perdido entre a Bahia e as Geraes (vai ver que é isso!) e inda foi se
estender no calçadão das Ipanemas e Copacabanas, ô vidão tranquilo! E num disco
como este, ao vivo, só voz e violão, temos o João Gilberto (que eu imagino) típico,
sem aquela overdose de cordas que povoam, por exemplo, o clássico Amoroso, o baiano sem pressa, se estendendo nas areias (à sombra,
of course), mineiramente comendo quietinho...
Onde pudesse te molhar uma garoa
de monotonia pela maneira como o disco (duplo à época, são 68 minutos em CD!)
soa, din-don-din-din-don-don shhhhhhh, escuto um arco-íris brilhando ao sol do repertório
cuidadoso e de muito bom gosto: a economia na forma faz sobressair o conteúdo. Além
dos clássicos que costumam povoar apresentações ao vivo de qualquer cantor célebre
(aqui temos Garota de Ipanema, Aquarela do Brasil, Sandália de Prata, A
Felicidade), João traz surpresas neste disco gravado ao vivo no festival de Montreaux em 1985 com o Menino do Rio d’outro baiano Caetano; as minhas preferidas Sem Compromisso (que abre o disco) e Pra que Discutir com Madame; Retrato em Branco e Preto, Adeus América (todas no
disco 1, pra quem pensa no vinil, disco que acho mais surpreendente e mais bonito que o 2)...
Claro que João Gilberto confere
sempre uma unidade harmônica em seus trabalhos (pelo menos no pouco que eu
conheço) pelo simples motivo de que ele é esta unidade. Não importa o compositor,
se Tom Jobim, Vinícius, Chico, Ary Barroso, Caymmi, Caetano, tudo é joãogilbertisado como se autoral. João mostra que a música é de quem canta.
E apesar da Claudinha, de quem escuta.
[M]
cara, o mínimo que eu tenho a dizer a você é parabéns. que grande blog, que grande projeto. não pare, ganhou um leitor assíduo a partir de hoje. abraços!
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