sábado, 14 de março de 2009

Chico Buarque - Construção (1971)



Acho que a demora em aparecer a resenha de “Construção” nesse blog decorre da imensa responsabilidade dessa tarefa. Trata-se de um clássico absoluto, obra obrigatória em qualquer lista que se tem notícia, inclusive um dos poucos nacionais citados na publicação “1001 Discos para Ouvir antes Morrer”, que nos inspirou. De minha parte, esperei surgir uma motivação extra que pudesse servir de inspiração, algo que ocorreu nessa semana.

Entretanto, ciente de que não há inspiração que dê conta da grandiosidade dessa tarefa, vou logo avisando que não tenho pretensão de escrever algo original sobre essa obra-prima mas simplesmente incluí-la aqui.

Lançado em 1971, com músicas composta em seu período de auto-exílio na França, esse disco marcou a entrada do Chico Buarque em uma fase mais contestatória em relação à ditadura militar, a começar com “Deus Lhe Pague”, faixa que abre o disco com um ritmo alucinante, influência dos arranjos de Rogério Duprat: “Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir, A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir, Por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe Pague”.

Em seguida, “Cotidiano” marcou um dos maiores sucessos de toda a carreira do Chico
“Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com boca de hortelã”

“Desalento” é a das quatro compostas em parceria com Vinícius de Moraes, não por coincidência, uma das mais românticas desse disco: “corre e diz a ela que eu entrego os pontos”.

A quarta - faixa-título do disco - é um caso à parte. Estruturada em apenas dois acordes, com 41 versos dodecassílabos, terminados todos com proparoxítonas, essa canção narra a vida de um pedreiro sem perspectivas, destinado à morrer na construção civil. Elaborada em duas partes, uma antes e outra depois da morte do protagonista, Chico transforma o todo o sentido com uma simples alternância das últimas palavras de cada verso. Outro detalhe interessante refere-se ao aumento gradual da sonoridade, com entrada de instrumentos ao longo dos versos até a conclusão sinfônica que emenda com “Deus lhe Pague”.

Ninguém vai me acorrentar Enquanto eu puder cantar....Enquanto eu puder sorrir. Em “Cordão”, Chico Buarque lança mão mais uma vez de metáforas inteligentíssimas para criticar o regime e driblar a censura que tanto o perseguia naquela época.

Depois de “Olha Maria”, música em que Tom Jobim participa com o toque característico de seu piano, Chico vem com “Samba de Orly”, outra que se tornou um clássico do período de exílio (Orly é o aeroporto de Paris): “vê como é que anda aquela vida-à-toa e se puder me manda uma notícia boa”.

Na seqüência, Valsinha (outra em parceria com Vinícius) conta uma bela e feliz história de um encontro. Uma canção de amor, para amar, que acabou tornando-se mais um grande sucesso desse disco.

“Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar...”. Se em outras canções, Chico Buarque conseguiu driblar a censura, em “Minha História”, não teve a mesma sorte. Trata-se de uma versão da canção italiana Gesubambino, que a censura não deixou que tivesse o nome de Menino Jesus.

Dorme minha pequena não vale a pena despertar... Para fechar o disco, Chico nos surpreende com uma linda canção de ninar, daquelas que dá vontade de cantarolar quando se vê uma criança (ou uma mulher amada) dormindo como um anjo.

Enfim, o disco é tão bom e já foi tão descrito que dificilmente eu conseguiria ser original. Mas estava mais que na hora de incluí-lo nessa lista.

Coincidência ou não, o período em que Chico Buarque mais tinha problemas com a censura foi quando compôs, na minha modesta opinião, suas músicas mais inspiradas. Que esse disco sirva de inspiração para a vida de todos! [Paul]

7 comentários:

  1. que resenha bonita, paul! [ANDRÉA]

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  2. Finalmente! Agora sim, este blogue pode ser levado a sério... [M]

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  3. esse disco foi formado pela voz de o maior cantor do mundo

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  4. "Não vale a pena despertar",por que será?O Chico fez músicas sem ser políticas muito boas também.

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  5. Se Chico Buarque só tivesse feito a faixa-título desse disco, isso já bastaria para classificá-lo como o maior compositor brasileiro de todos os tempos.
    Essa canção é a mais bonita que já ouvi! Totalmente afinada em melodia, letra, ritmo, na voz do Chico, em tudo!
    Coisas como essa não se repetem na música brasileira!
    E Dão não devia se desculpar por ter demorado em colocar sua resenha sobre o disco "Construção" em seu blog. Esse disco é mesmo dificílimo de se fazer uma análise crítica, uma resenha, uma sinopse. Dão está de parabéns por tê-la feito como fez, não podia ter feito melhor (é a mais concisa, sincera e a que melhor condiz com a emoção que o disco passa!)!

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