terça-feira, 21 de abril de 2009

Ainda brincando, a aventura continua (Canções Curiosas, Palavra Cantada, 1998)


Porque as crianças crescem, as canções as acompanham. O que era brincadeira vira curiosidade (mas sem deixar de ser totalmente brincadeira) e Paulo Tatit e Sandra Peres conseguem, com maestria mais uma vez, capturar este estado de espírito no fantástico Canções Curiosas.

Em homenagem ao cinquecentenário (putz! essa palavra existe?) do descobrimento o disco abre cantado em português (de Portugal) os versos de “Pindorama”. Em seguida uma composição (incompreensível) de Carlinhos Brown, que toca violão e percussão na faixa “Erê”, deliciosamente cantada pelo Coro das Primas. O disco segue com duas das melhores músicas de Arnaldo Antunes (em qualquer sentido que se considere as composições de Arnaldo!). A primeira delas é uma parceria com Paulo Tatit, “Criança não Trabalha” cuja letra é um simples desfile de palavras (como em O Pulso, dos Titãs) como bola, bicicleta, lápis, caderno, band-aid, sabão, cadarço... intercalado pelo refrão simples, fácil e direto (por isso genial): criança não trabalha, criança dá trabalho!. Em “Cultura”, temos o universo Arnaldiano (desculpem-me pela invenção do termo intelecto-piegas...) perfeitamente adequado ao espírito das canções curiosas, em frases como o girino é o peixinho do sapo, as raízes são as veias da seiva e assim por diante.

“O rato” é a historinha do roedor que queria se casar com a lua, mas acaba ficando com uma ratinha esperta mesmo. O infinito volta em “Trilhares”, de Paulo e Edith Derdyk (antiga colaboradora) que se dão conta (?!) das incontáveis estrelas no céu e grãos de areia numa praia. Em “Fome Come”, o assunto da fome é abordado (a la Comida, Titãs mais uma vez) na sua concepção mais ampla e de uma maneira talvez mais digerível (com o perdão do trocadilho) para o público que outro dia ainda ouvia as canções de brincar. A batida da percussão feita com latas e copos de plástico é um capítulo (e uma brincadeira) à parte. Um par de canções se segue descrevendo o diálogo entre uma boneca esquecida, abandonada e a menina que cresceu e agora tem outros interesses.

Num disco como este é muito difícil falar em ponto alto, mas eventualmente a gente tem uma preferida... Aquela música que a gente ergue o volume do sonzinho, seja lá qual for... Aqui é a homenagem que o santista Paulo Tatit faz ao eterno ídolo. “Pelé” é disparado, a mais bela homenagem musical jamais feita ao rei do futebol e uma das melhores músicas sobre futebol feitas em português, sem ficar nada a dever a qualquer uma das (muitas) canções de Jorge Ben sobre o tema. O sãopaulino Edgar Scandurra fica encarregado da guitarra e o ritmo sugerido por ele e Paulo (violão e baixo) é o de uma saudosista partida dos anos sessenta, narrada-cantada suavemente por Paulo, tempo que o futebol passava só no rádio, não tinha televisão e em que os torcedores iam ao estádio ver o rei jogar e não ficar o tempo todo se xingando e arrumando briga e distribuindo pancadaria.
Ele é, ele é, ele é
O nosso rei da bola, o rei Pelé
Ele é, ele é, ele é
O rei de toda a Terra
Que conquistou a coroa
Pelo toque do seu pé!


O disco termina com “Eu”, uma suposta autobiografia que mistura o norte e o sul do país nas origens do protagonista, e a dispensável “Gramática” que mais parece uma concessão de Paulo a seu irmão Luiz Tatit. O que não tira o brilho de mais um disco fantástico da Palavra Cantada, este Canções Curiosas, que as crianças de 0 a 100 adoram!
[M]

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