Nesse ano realizei um velho
desejo de conhecer o Psicodália, um festival de música independente que ocorre durante
o carnaval em uma fazenda em Rio Negrinho (SC). No meio daquele ambiente de
paz, amor, respeito mútuo e diversidade, um grupo até então desconhecido para mim, se
destacou não apenas com suas músicas, mas também pela energia no palco e total
empatia com o espírito reinante no Festival: Francisco, el hombre.
Formado pelos irmãos
mexicanos-brasileiros Sebastian Piracés-Ugarte (bateria e voz) e Mateo
Piracés-Ugarte (violão e voz), Juliana Strassacapa (vocal e percussão), Rafael
Gomes (baixo) e Andrei Kozyreff (guitarra), Francisco, el hombre se formou quando
esses amigos decidiram botar o pé na estrada e saíram para “viajar e tocar, tocar e viajar. E assim
passaram um bom tempo, tocando em todo tipo de lugar, de praça a hostel, de bar
a restaurante, passando o chapéu em troca de um prato de comida, de uma noite
de hospedagem, de duas noites de hospedagem e, quando tinham muita sorte, três
noites de hospedagem” [1].
Com a vivência que adquiriram
nessa viagem, quando voltaram gravaram um disco com novas músicas. E foi assim
que nasceu Soltasbruxa. Mesmo em época de streaming, fiz questão de comprar o
disco em um dos show (acho legal manter esse hábito, principalmente com bandas
novas). E definitivamente esse disco faz por merecer (e muito) entrar nesse
blog.
Vejo que a chuva de fogo está por cair;E ela vai cair
Cai;
Leva tudo que é vil pra bem longe daqui
Quebra essa porta, corta essa corda e fuja daqui
Isso é real (isso é real)
O disco abre com a canção que dá
nome ao disco: “SoltasBruxa”, que funciona muito bem como um cartão de visita
para o que vem em seguida: “Calor da Rua”, uma música forte e que está entre as
minhas prediletas. Com uma letra contundente em relação à violência contra a
mulher (ou até mesmo contra a sociedade), tem um clipe muito bem produzido: https://www.youtube.com/watch?v=uFQ4WqcItJc. Em
uma entrevista, Gomes (o baixista da banda) ressaltou o tom premonitório, já
que foi composta antes do país virar essa grande zona no meio do calor.
“Bolsonada” é uma espécie de
grito contra aquele sujeito que nem vale a pena citar o nome. Como disse Sebástian
em uma gravação, uma música “dedicada a todos os peixes grandes que nós, peixes
pequeno juntos, podemos engolir”. Trata-se da melhor resposta ao fascismo que
esse cara representa e, como cereja do bolo, conta ainda com a participação maravilhosa
da Liniker.
(...)El frio que se vá y llega la primavera
“Não Vou Descansar” é música sem
instrumentos (vocais e palmas) que traz consigo a veia política e cultural. Nos
shows, costumam terminar essa canção trocando a parte final - não vou descansar, canto e sempre vou cantar
- por - não vou descansar até o Temer
derrubar. Que assim seja.
“Triste Louca ou Má” é um
capítulo à parte. Trata-se de uma canção belíssima sobre empoderamento feminino
(para resumir, já que muito mais poderia ser dito sobre a letra) na qual se
destaca a voz maravilhosa da Juliana Strassacapa. O clipe dessa canção também
merece ser apreciado: gravado com um balé cubano em uma casa antiga (https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE). O disco
Soltasbruxa é dedicado à memória da Bárbara Rosa, backing vocal da banda da
Liniker, que deveria estar presente nessa gravação (e de certa forma está, como
eles ressaltam no encarte).
“Tá com Dólar, tá com Deus” vem
em ritmo de carnaval. Com uma letra bem humorada, trata-se de uma música perfeita
para cantar em blocos.
Somos humanos ou máquinasAnimais ou máquinas
Somos humanos ou máquinas
Não me enferruja a chuvaiaiá
“Como una Flor” é outro destaque
bilingue (espanhol e português) que termina com a perfeita sobreposição de
vozes do coro com a da Juliana Strassacapa. Escutem!
“Sincero”, a música seguinte, é a
minha preferida HOJE (amanhã pode ser outra). A letra é mais densa, pesada, e
que na versão original do disco nos que remete a ritmo latino. Como essa versão
não combina com o ritmo alucinante que imprimem a seus shows, eles gravaram ao
ivo mais recentemente de forma muito mais acelerada. Assistam essa versão: https://www.youtube.com/watch?v=ES34TrMLTtU
Show da turnê Rompe Fronteiras, na última sexta-feira em Curitiba |
E tive a confirmação de mais um
detalhe pessoal interessante para mim: eles moraram um tempo em Barão Geraldo,
distrito de Campinas (SP), onde eu também vivi durante minha adolescência e
juventude. E foi lá, no Bar do Zé, que Sebastian se apresentou pela primeira
vez ao vivo tocando bateria quando tinha 14 anos. De agora em diante, sempre que passar por lá
quando estiver visitando meu pai, além das minhas memórias, lembrarei que a
energia daquele lugar serviu também de inspiração para um grande grupo.
Enfim, trata-se de um som para
lavar a alma, ou, melhor dizendo, para soltar as bruxas.
Paul
Nota [1] Informações
obtidas em entrevista no Audio Arena, através da fala do Sebástian (https://youtu.be/Yo7rn9iGaSE)