domingo, 10 de janeiro de 2016

Elis Regina: "Falso Brilhante"


Para fazer justiça, finalmente o blog inclui um disco de uma das maiores intérpretes brasileiras: Elis Regina. Há tempos já pensava em me arriscar a resenhar um disco dela, mas não sabia se estaria à altura desse desafio, já que embora grande admirador do seu talento e da sua voz imortal, não sou especialista na sua carreira e nos seus discos.

Entretanto, na sexta-feira, dia 8/1/16, no caminho do trabalho, escutei na BandNews o seu filho e crítico de música, João Marcelo Bôscoli tecendo diversos comentários interessantes, e encarei o fato de tê-lo escutado como um sinal de que era para finalmente incluir um disco da Elis no blog.

O escolhido para inaugurá-la aqui é Falso Brilhante, gravado em 1976 a partir de um espetáculo da Elis Regina que esteve em cartaz no Teatro Bandeirantes, em São Paulo, durante 14 meses entre 1975 e 1976 com mais de 300 apresentações, sempre com lotação esgotada e enorme sucesso.

As duas canções que abrem o discos são de autoria do Belchior e certamente a belíssima interpretação da Elis para ambas contribuiu para o reconhecimento dele como compositor. “Como nossos pais” tornou-se um clássico da MPB, enquanto “Velha Roupa Colorida” tem uma letra tão boa que suas frases permanecem na memória de muita gente até hoje, como: “O passado é uma roupa que não nos serve mais”.

Depois, trazendo um caráter libertário para o espetáculo, Elis interpreta a belíssima “Los Hermanos”, um verdadeiro clássico da América Latina, de autoria de Atahualpa Yupanqui, nome artístico de Héctor Roberto Chavero, argentino cujo pseudônimo vem de Atahualpa e de Tupac Yupanqui, dois dos últimos governantes Incas antes da consolidação do domínio espanhol (1).

“Lavo as mãos e prossigo adiante ...
Eu por mim mesma... Todos por mim, meu oportuno herói”

A quarta música é uma das três interpretações de canções de João Bosco e Aldir Blanc nesse disco. Ao longo da sua carreira, Elis encontrou nessa parceria uma das suas principais fontes de canções que, com sua voz, alcançaram maior brilhantismo.
Depois vem “Fascinação”, uma versão em português de Fascination, popular valsa francesa composta por F. D. Marcheti e Maurice de Féraudy em 1905 que, em 1946, Arnaldo  Louzada traduziu para o português,  sendo interpretada originalmente por Carlos Galhardo. Ao longo do tempo, em diversas versões, esta música foi interpretada por gente do calibre de Nat King Cole e Edith Piaf.  Mesmo ao lado dessa gente, Elis deixou também sua marca e imortalizou-a também. (2).

O ritmo muda novamente em "Jardim de Infância” (outra composição da dupla João Bosco e Aldir Blanc). Nessa canção são citadas diversas brincadeiras de crianças, sob um inegável tom metafórico referindo-se à “brincadeiras” de adultos e a sua violência. Aldir Blanc caprichou na letra.

                               “Quero ver o sol atrás do muro ...
Quero um refúgio que seja seguro 
Uma nuvem branca sem pó, nem fumaça
Quero um mundo feito sem porta ou vidraça”

 Em “Quero”, de autoria de Thomas Roth, tanto a letra quanto a melodia rementem à turma do Clube de Esquina, com referências a uma vida lúdica e rural que ficou para trás.
O tom libertário latino retoma em “Gracias a la Vida”, outro clássico, anteriormente imortalizado na voz de Mercedes Sosa, de composição da chilena Violeta Parra.

A penúltima é “Cavaleiro e os Moinhos”, outra canção da dupla Bosco e Blanc. Começando com uma marcha, a canção altera o ritmo e remete aos anos de chumbo da ditadura que estavam vivenciando naquele período.

“Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem”

O disco fecha brilhantemente com “Tatuagem”, linda canção romântica do Chico Buarque e Ruy Guerra, do repertório de Calabar, e que Elis conseguiu, acertando na dramaticidade, eternizar com uma interpretação magnífica.
Enfim, trata-se de um disco impecável do começo ao fim que serviu para colocar a Pimentinha (apelido que a acompanhou durante sua carreira) definitivamente no rol das maiores intérpretes nacionais de todos os tempos.

Em uma entrevista, Rita Lee lembrou que quando foi presa pela ditadura, a Elis foi a primeira e única pessoa a visita-la na prisão e que a ajudou muito não só para ser solta, mas para retomar a carreira posteriormente (3). No início de 1982, a Elis acabou falecendo com apenas 36 anos, mas felizmente nos deixou não apenas uma vasta obra, mas também uma bela história de vida.

Para escutar mais esse clássico da MPB pode-se utilizar o aplicativo de músicas Spotify: https://open.spotify.com/album/1F57xqKnbpTQB2SPoovTGJ

 Paul

Notas



(3)    Vídeo da entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=ghUnVxgXvus